quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Sobre crítica literária (uma palestra)

Propus-me a falar aqui da crítica que tem por objeto o texto literário. A princípio pensei em mapear os discursos que, hoje, se fazem sobre o texto literário em modo crítico, isto é, textos que consistem na interpretação e na avaliação dele. Tinha decidido, pois, que faria aqui algumas considerações fundadas na experiência de leitura e na observação de casos, com escopo predominantemente descritivo. O que não me eximiria de, em algum momento, refletir sobre o que a crítica poderia ser, no seu melhor estado, ou sobre o que a melhor crítica, do meu ponto de vista, consegue ser. 

A questão, entretanto, terminou por não parecer tão interessante, nem tão urgente, quando comecei a preparar esse texto e fui buscar, para retomar algumas questões, um artigo que publiquei no volume Estados da crítica, organizado por Alcides Cardoso dos Santos. Mas quando voltei a esse livro, vi que tinha assinalado uma passagem no texto com que para ele contribuiu o organizador. Aquela na qual ele se pergunta, a partir de Paul De Man, “com que olhos a crítica deve ser lida, com os olhos do texto literário que ela lê ou com os seus próprios olhos?” e, dessa indagação, passa a esta outra: 


“se a crítica, como propõe De Man, deve ser sempre imanente, isto é, deve depender do texto literário para sua existência, como pensar a possibilidade de uma crítica que independa completamente do texto que lê”? [p. 95]


O texto de Alcides está centrado na questão dos operadores conceituais como textualidade, différance, cegueira e insight, que, diz ele, “parece desarticular a fácil identificação de sujeito e objeto”. 

Mas a mim interessaria aqui (se tivesse tido tempo para isso e como contraposição apenas), agarrar a pergunta pelo seu valor de face e explorá-la primeiro nesta direção, bastante mais simples: no caso de uma crítica que independa totalmente do texto que lê, ainda é possível atribuir o nome de crítica (e especialmente: crítica literária) a esse discurso? 

Por exemplo: um texto crítico que tratasse de uma obra inexistente ou não acessível a nenhum outro leitor. Nesse caso, deixaria de ser crítico tal texto, desde que apresentasse os procedimentos retóricos usuais nos textos críticos? Ou a definição da crítica pressupõe o conhecimento ou o acesso do leitor do discurso crítico ao seu objeto? Ou, por outro ângulo: o que torna um texto pertencente ao gênero da crítica é apenas a sua capacidade de criar e atribuir sentido a um suposto ou real objeto de linguagem?

Aqui, além de eventuais exemplos históricos de críticas de obras que se perderam ou cuja totalidade se perdeu para nós, pareceu-me que seria interessante pensar sobre um texto como Fogo pálido, de Nabokov, e, principalmente, “Seymour, uma introdução”, de J. D. Salinger.

No primeiro, como se sabe, apresenta-se um poema atribuído a um escritor imaginário e o texto que se segue é uma leitura crítica alucinada, na qual um professor desenvolve uma análise do poema como prefiguração do próprio destino, comentando-o quase verso a verso, apresentando, de entremeio, cartas, entrevistas e outros textos que, em princípio, pudessem aclarar o sentido do poema, e finalizando tudo por um índice remissivo, como nos bons livros do gênero. 

Já no segundo, o irmão de Seymour – como Kinbote, professor – busca analisar-lhe a personalidade e a obra, comentando os 148 poemas em forma de haicai deixados por ele, mas que em parte alguma do livro virão transcritos. No mesmo texto, discutem-se ainda as críticas de Seymour aos escritos prévios do narrador, também ausentes do volume.

Por esse caminho, está claro, o objeto desta reflexão seria a crítica como um modo discursivo e de produção de sentido, com especial atenção para os mecanismos textuais que poderiam provocar o convencimento e a obtenção do crédito de confiança. Ou seja: esse caminho ergueria a hipótese de que é possível postular a existência de um modo crítico de produção textual, mesmo que o texto resultante não tenha partido de, nem tenha por objeto, um texto literário existente. Aposta que teria como depósito prévio a constatação de que muitas vezes lemos textos críticos sobre obras que não conhecemos e muitas vezes nem nos interessaremos por conhecer.

Mas em que sentido, nesse caso, abolida ou suspensa a relação sujeito/objeto, no caso de um texto sobre obra inexistente, ainda teríamos crítica? Por outro lado, se admitirmos que o discurso crítico literário pode existir (ao menos no domínio da ficção, diríamos neste momento) sem depender da existência de um pré-texto, as perguntas complementares poderiam ser assim formuladas: o que de ficção há na crítica em geral e o que de crítica há na sua construção meramente ficcional?

Portanto, tratar-se-ia de uma questão de grau, de deslocamento ao longo de um espectro e não de um contraste ou contraposição. Mas ainda assim persiste, ao menos como um dos extremos do espectro a postulação de senso comum de que um texto crítico, sendo um gesto de ambição cognitiva, exige que seu discurso se refira a outro texto, que ele busca descrever, compreender ou avaliar.

Mas nesse caso eu tenderia a pensar que ainda aqui não teríamos muita clareza, pois a ambição cognitiva como motor da aproximação ao texto literário define muitos discursos: desde aqueles que dirigem ao objeto questões concernentes ao seu lugar na história e seu valor estético, até os que foram descritos como “representação momentânea de possibilidades de interpretação que logo se dissolvem de moto próprio”, ou ainda “apropriações infinitas e arbitrárias, nenhuma das quais pode aspirar ao privilégio de ser verdadeira” (nas palavras de George Steiner). Entretanto, ainda neste caso, a proposição de interdependência implícita na relação sujeito/objeto não continuaria implicando uma reivindicação de qualificação de um dado discurso, por meio de verificações de abrangência, pertinência e coerência conceitual face às contradições presentes no objeto? 

No texto em que redigiu as frases que eu teria citado, se tivesse escolhido aprofundar o caminho que aqui vou percorrendo rapidamente, e que demonstram o seu distanciamento da perspectiva desconstrucionista, Steiner  afirmava a força das estratégias desconstrucionistas da leitura que, renunciando à verdade e à pretensão de estabelecer o significado do texto, aproximavam a crítica do literário e traziam um novo alento à leitura literária. 

Nas suas palavras de 1995: “tais estratégias constituem – conscientemente ou não – um exercício muitas vezes sedutor e, paradoxalmente, ‘reconstrutivo’, capaz de recuperar para o estudo da literatura e para a hermenêutica uma paixão e um desafio intelectual que se haviam perdido”. [Nenhuma paixão desperdiçada, Introdução]

Se prosseguisse por esse caminho, certamente teria de reconhecer que, lendo outro texto de Steiner, provocativamente denominado “Presenças verdadeiras”, de 1985, não pude deixar de lembrar que, para ele, que a energia das estratégias desconstrucionistas deriva em grande parte, por via da negatividade, da tradição metafísica ocidental. Isto é, que o desmonte da tradição e dos pressupostos metafísicos revela – e, ao revelar, faz recair sobre si a energia nela contida – a carga de significados e da memória das postulações transcendentalistas de um modo muito mais eficaz do que a aplicação automática e banal dessas mesmas postulações pode fazer.

Ao mesmo tempo, teria de reconhecer que, ao pensar a questão da crítica a partir  dos debates contidos no livro organizado por Alcides, senti-me tentado a concordar com Steiner, quando ele diz que a arte de um mundo sem transcendência é um shadow-boxing com a forma e que essa luta fantasmática, embora possa ser fascinante, é uma imagem do solipsismo. 

Por fim, não sei se resistiria a reproduzir aqui (e a desenvolvê-la ao máximo, comentando, por exemplo, resenhas acadêmicas) a sua postulação de que, ausente o grande desafio que era a presença de Deus (e o combate contra ele), a luta perderia atrativo para a maior parte do público. Mesmo que não partilhasse do tom nostálgico e algo desiludido que parece permear a sua perspectiva. Mas certamente me perguntaria pelo futuro das operações de redução à textualidade das questões colocadas pelos textos, embora talvez não ousasse ir muito longe nessa especulação difícil.

Por outro lado, provavelmente me sentiria tentado a admitir que não consegui ter clareza quanto aos meus sentimentos acerca desta formulação de Steiner sobre o que ele apresenta como método e condição da leitura:


Precisamos ler como se de fato as circunstâncias em que o texto foi escrito tivessem importância. O momento histórico que o cerca, as condições culturais e formais, o estrato biológico e o que podemos deduzir ou conjeturar das intenções do autor constituem recursos vulneráveis. Sabemos que tais recursos serão objeto da ironia severa e examinados para detecção de acidentes subjetivos. Isso, porém, não lhes reduz a importância, em absoluto. Eles tornam mais ricos os níveis de percepção e de função da obra; geram limites à complacência e à licença de interpretação anárquicas. 

Esse como se, essa condição axiomática, é a nossa aposta cartesiana-kantiana, nosso salto para dentro do sentido. Sem isso o saber reduz-se a um narcisismo transitório. [p. 46]


Da forma como está escrita, a opção só se sustentaria como formulação irônica ou confissão nostálgica de desajuste. Em qualquer dos registros, surge como proposição de um truque de leitura, que permitiria mimetizar formas de interpelação do texto que os pressupostos atuais não avalizariam.

Se eu tivesse continuado a discutir o que constitui a crítica – ao menos a crítica que mais me interessa como leitor e como professor –, não poderia concordar com o imperativo do “como se”. Teria de descrever de outra maneira a forma de leitura que pareceu interessante, afirmar claramente o interesse da leitura das circunstâncias do texto e das circunstâncias das leituras subsequentes do texto. 

E teria, por fim, de confessar que a descrição da história da constituição de um texto, por meio das suas várias leituras, a começar pelas que ele mesmo traz de si, ao se apresentar como texto vinculado a um determinado gênero e objetivo e ao dialogar com um conjunto parcialmente determinável de eventos, literários ou não, me seduz mais do que o livre exercício da interpretação segundo os interesses absolutos do presente.

E por essa via, pelos hábitos de leitura talvez, acabaria por me lembrar, por contraposição, de um perturbador ensaio de Richard Rorty, denominado, “O idealismo do século XIX e o textualismo do século XX”. Mas não para evocar a escandalosa frase na qual ele afirma que “de um ponto de vista pragmatista completamente desenvolvido, não existe nenhuma diferença interessante entre mesas e textos, ou entre prótons e poemas”, e sim para retomar a sua definição dos dois tipos de textualistas.

Por conta de tudo o que eu teria exposto, era de prever que eu me reconheceria mais afinado com o que ele denomina “textualista fraco”, por oposição ao “textualista forte”. O fraco, ele diz, “pensa que cada obra tem o seu próprio vocabulário, o seu próprio código secreto, que pode não ser comensurável com o de qualquer outra obra”. Já o “textualista forte” é o sujeito que “tem o seu próprio vocabulário e não se preocupa com saber se alguém o partilha” e, quando defrontado com o objeto literário, pauta sua ação sobre ele, isto é, a sua leitura e interpretação, por esta pergunta: “como devo descrever isto para conseguir que faça aquilo que quero?”. 

Para Rorty, não faz sentido pedir a um intérprete que argumente para justificar a sua leitura, que submeta a sua interpretação à discussão, uma vez que não lhe parece razoável supor que exista “um vocabulário comum em cujos termos os críticos possam argumentar uns com os outros”. Por isso, argumentará a favor da completa autonomia do crítico forte, que “não pergunta nem ao autor nem ao texto quais são as suas intenções, mas malha simplesmente o texto até tomar uma forma que serve os seus próprios propósitos”. 

No limite, a minha recusa a partilhar dos pressupostos do “textualista forte” poderia ser descrita, como o próprio Rorty previu no final do seu texto, como uma objeção de ordem moral. Mas não por conta dos argumentos que ele ali apresenta. Ao menos quanto ao que, nessa objeção moral, segundo ele, haveria de “recusa do isolamento da cultura literária em relação às preocupações humanas comuns”.

Minha discordância consistiria em que, mesmo me considerando textualista, eu não duvido que seja possível argumentar sobre a propriedade das leituras. 

Nesse passo da minha exposição – apesar de talvez já suspeito de ser apenas mais uma vítima da “metafísica da presença” –, eu seria tentado a defender a idéia de que o texto literário e a tradição da sua leitura constituem um conjunto de significados históricos e relações de poder simbólico que a crítica deve sempre ter presente. E não creio que a minha objeção ao “conseguir que faça aquilo que quero” radicasse numa aposta metafísica na permanência de uma essência do objeto. Seria antes uma desconfiança da cedência descompromissada aos desejos e objetivos do presente no trato com os objetos do passado.

Ou seja: do ponto de vista da crítica pragmática, eu apostaria – sem recorrer a nenhuma afirmação sobre a positividade do objeto e sem postular qualquer essência inalterável do objeto – muito pelo contrário, afirmando que o próprio objeto só se constitui como objeto por meio de uma atribuição social de sentido –, eu apostaria em que a descrição das várias etapas da sua constituição permitiria modalizar, corrigir ou dirigir o desejo do presente e aquilo mesmo que eu quereria que o objeto fizesse.

Em suma, apostaria em que a erudição e a perspectiva histórica responderiam pela minha maior identificação com o “textualista fraco” e pela minha desconfiança do que me pareceria excessiva autocomplacência do “textualista forte”.

Se tivesse articulado coerentemente essa reflexão, seria provável que então me ocorresse, nesse ponto, a crítica que Albrecht Wellmer fez a Richard Rorty, em Finales de partida: la modernidad irreconciliable, quando afirma que “uma cultura liberal dificilmente poderá ser entendida – menos ainda do que qualquer outra cultura – como um jogo fechado de linguagem.” E completa: “esta cultura – considerada na vertical do tempo – tem uma história e – considerada na horizontal do tempo – tem um exterior”. 

Wellmer está preocupado em buscar um ponto de apoio fora da perspectiva etnocêntrica. Daí que a alteridade temporal e a espacial sejam vistas como fontes de “uma série de bons e interessantes argumentos a favor dos princípios e instituições democráticos e liberais”. 

Seria a afirmação da importância da alteridade a que mais me prenderia e atrairia na releitura do texto de Wellmer. Não porque eu estivesse interessado na defesa da sociedade liberal, mas porque eu buscaria radicar justamente na busca e afirmação da alteridade uma das funções mais relevantes da crítica literária. 

Ou seja, eu me sentiria inclinado a afirmar que a literatura é uma fonte importante da experiência da alteridade, que o “literário”, na nossa cultura, implica sempre – ainda que negativamente, quando a perspectiva que o afirma é metafísica e está em busca de universais – implica sempre o reconhecimento das diferenças das formas de dizer e de sentir que se atualizam nos diferentes tempos e lugares. 

Parece-me razoável afirmar que, uma vez que a literatura se constitui justamente da contingência das leituras, tanto do ponto de vista da sucessão histórica, quanto do ponto de vista da sua situação mais próxima ou mais distante dos centros do poder simbólico em cada momento e lugar, é provável que ela seja uma boa seara onde colher argumentos a favor dos princípios e instituições liberais. Mas o que me importaria sublinhar, nesse movimento, não era essa sua função política, e sim este ponto: que a identificação daquilo que já não é possível que sintamos ou entendamos completamente, mas que já foi sentido e entendido por outros seres humanos (ou pelo menos, que pareceu ter sido sentido e entendido), seguida da reflexão sobre a diferença, constitui uma tarefa de ampla repercussão moral e social – e um exercício de autocrítica. 

Seria esse valor moral da atividade crítica que me impediria de simpatizar com o “textualiza forte”: o valor da tolerância face ao diverso e da recusa de moldar, praticamente sem amarras ou balizas, o passado sobre os interesses do presente.

 Na verdade, não se trataria de um empecilho à simpatia, mas sim de uma verdadeira antipatia pelo “textualista forte”, que hoje me parece mais próximo da promoção alegre da perspectiva etnocêntrica. Daí a minha complementar simpatia pela atitude do “textualista fraco”. Por um tipo especial de “textualista fraco”: aquele que busca nos textos distantes ou próximos não apenas a sua utilidade para as teses e linguagens que lhe interessam, mas também e principalmente aquilo que, nesses textos, problematize ou modifique as suas crenças e contrarie a satisfação dos seus desejos – mesmo as suas crenças e desejos relativamente à superioridade da sociedade liberal.

E terminaria esse percurso tortuoso, por expor, dentro dessa perspectiva, o que penso que sejam funções importantes da crítica, como reflexão sobre a história e exercício de alteridade: descobrir o interesse novo no objeto inatual, bem como destacar a persistência do gesto antigo no interesse mais recente; reconstruir o diálogo dos mortos, repor as questões que debatiam para, a partir desse ângulo reconstruído com a coerência possível, vislumbrar o caminho que percorreram aquelas vozes até nos tocarem no nosso próprio tempo. Enfim, realizar o esforço de pensar e sentir no limite das nossas referências, na distância vertical ou na distância horizontal do tempo (para falar como Wellmer). Em qualquer das direções da leitura, um dos efeitos possíveis e esperados é a historização do presente do crítico, isto é, a desnaturalização dos seus motivos e critérios, ou seja, dos sentimentos e crenças do presente.

Depois desse percurso algo tortuoso, eu teria por fim de declarar que, para responder à questão sobre a diferença entre a crítica e a literatura, levaria em conta sobretudo a atitude em direção à alteridade. Nesse sentido, a crítica literária que me interessa é a que se ocupa de textos que são – ou que, em algum momento, foram tidos como – literários, isto é, textos escritos para serem lidos também por não-críticos (e não-escritores, na maior parte dos casos). Ou seja, a crítica que tem como imperativo situar-se não só face ao texto que comenta, mas também face aos textos que a precederam no comentário dele ou que estão previstos por ele. Para melhor definição: a que tem de lidar com as convenções de leitura do literário e com os efeitos dessas convenções sobre a obra e sobre a leitura, ao longo do tempo, reconhecendo que o olhar com que a interpela provém de um ponto preciso na rede de significações do presente. 

Este é, portanto, o sentido maior que eu vejo na crítica: o de testar um desejo, uma preocupação, uma pressuposição razoável do presente, um vocabulário novo, contra um objeto que vem vinculado ao passado, a uma tradição e a uma forma de leitura; ou porque foi produzido no passado, ou porque já foi anteriormente revestido de sentido por outra leitura, ou, finalmente, porque comenta ou evita comentar textos que o antecederam e contra os quais ele se ergueu e se sustenta.

A conclusão deste percurso é, pois, a afirmação do lugar da crítica como o da historização e relativização das leituras – sem que a questão do valor se iluda, evidentemente, pois ela se apresenta não só na escolha, mas também ao longo de todo o exercício da leitura. Isso porque, como afirma Rorty, a última determinação do gesto crítico é uma rede confusa de crenças e desejos que me faz interpelar este e não aquele texto, dotá-lo de valor no meio da massa indiferenciada daquilo que seria possível comentar e sobre ele testar as minhas intuições sobre o meu próprio tempo e sobre o tempo do objeto, se forem diversos.

È justamente essa ideia de teste – acompanhada da consciência (e também da esperança) de que sempre haja algo no texto que resista à projeção dos meus desejos – que me impede de me imaginar no lugar do textualista forte, pois esse me parece o lugar da derrota da crítica, no que ela tem de melhor, que não é produzir um objeto novo ou falar de si própria ou constituir-se em discurso autônomo, mas sim encenar a crise, presentificá-la no próprio ato de apreensão e de análise do objeto, cuja resistência, tanto quando a sua cedência, constituem os limites do discurso que mais radicalmente merece o nome que lhe damos. 



Referências:

Rorty, Richard. “O idealismo do século XIX e o textualismo do século XX”. Consequências do pragmatismo (Ensaios: 1972-1980). Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

Santos, Alcides Cardoso dos (org.) Estados da crítica. Cotia/Curitiba: Ateliê Editorial/Editora UFPR, 2006.

Steiner, George. Numa paixão desperdiçada. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.

Steiner, George. Real presences. Chigado: The University of Chicago Press, 1991.

Wellmer, Albrecht. Finales de partida: la modernidad irreconciliable. Madri: Ediciones Cátedra, 1996


Obs.: Texto lido em palestra por meio eletrônico da Casa das Rosas, em 15 de dezembro de 2021