segunda-feira, 15 de abril de 2013

Errâncias de Décio Pignatari



ERRÂNCIAS de Décio Pignatari

 [Jornal 11]

              
             Décio Pignatari publicou há pouco tempo um livro chamado Errâncias (Editora Senac, R$ 32). Como todos os títulos do autor, este também não admite a indiferença como resposta. Composto com um senso agudo de provocação, visa a polêmica. Não é exatamente um livro de memórias, nem de ensaios filosóficos, semióticos ou políticos, nem de narrativas de viagem; tampouco é um conjunto de crônicas de celebração dos totens concretistas, ou uma série de estudos sobre eles. É tudo isso alternada ou misturadamente.
                Errâncias se inscreve preferencialmente, entretanto, no gênero memorialístico, já que se assume como "biobalanço" e em várias partes é francamente evocativo de eventos biográficos de alcance estritamente pessoal. Mas esse lugar genérico não é imune à corrosão, pois o livro tem, como objetivo confesso, montar-se como uma "colagem autobiográfica de pedaços de biografias alheias". A descrição parece muito adequada para descrever o que aqui se encontra. Quando todos os fatos, pessoas, registros fotográficos e ainda a história da semiótica, da poesia, da cultura e da política brasileira são assimilados ao registro autobiográfico e apenas em função dele valorados e interpretados, obtém-se um gênero novo. É essa a novidade do livro, e dela procedem simultaneamente a força provocativa e o estranho encantamento que o livro adquire, tão logo se vença a resistência originada pela egolatria que o percorre como um baixo-contínuo. Isto é, tão logo a perspectiva egocêntrica, autocelebratória, seja assimilada como recurso genérico, entendida como estratégia textual. Se não for assim, aliás, não há como prosseguir de boa vontade na leitura de um texto cujo autor pretende falar de um lugar inaugural, do pórtico de uma nova atualização do "pensamento experimental", que o seu senso de medida aproxima e compara, de alguma forma, ao que representou a adoção do alfabeto na história da humanidade.
                Bem desenhado, o volume é um belo objeto. Alternam-se as páginas brancas, de letras negras, com as páginas negras, com letras em azul claro, que delimitam os 'capítulos' ou 'seções'. Em todos, com exceção do último, o texto é um diálogo intenso com as imagens fotográficas que os abrem e fecham. Essas imagens -- muitas das quais têm interesse em si mesmas -- são de vária ordem. Há desde fotografias anódinas de paisagens agrestes ou urbanas, como as feitas por qualquer turista, até retratos posados, passando por instantâneos de figuras como Borges, João Cabral, Tarsila e Jakobson.
                A linguagem também oscila, variando o registro conforme a natureza da seção, da relação com o objeto visual, ou sem razão evidente. O que se mantém inalterado é o impulso reflexivo e de combate cultural, que mesmo na história infeliz do pugilista Paulo de Jesus descobre matéria não só para evocar e descrever em termos poéticos a "escritura do seu boxe", mas ainda para verberar "os fáceis clamores de louvor e entusiasmo por feitos e obras lambuzadas de ungüentos nacionalistas auto-satisfacientes" que se evolavam da "rota tenda-circo cultural do Brasilumpem" da década de 50, em que não havia lugar para o "rigor elegante de uma arte que não encontrava aplauso".
Na maior parte do tempo o texto corre solto, "a ponto de não se perceber estilo nenhum, o que inclui a busca ou a pretensão de um não estilo", como o autor mesmo se incumbe de avisar na "Apresentação". Em alguns momentos, vale-se do pastiche, da paródia ostensiva, como nesta abertura do texto "Levallois": "O tempo do olhar não é o tempo do ler, ouvir, cheirar, apalpar. É um tempo do passar e do ficar, nem sempre o do projetar, que é o tempo de pensar." Mas quase a cada momento, com maior ou menor extensão, encontram-se passagens como esta, em que rebrilham ligeiramente nomes e conceitos: "Traduzida para a superestrutura semiótica, o conflito apresenta fascinantes e intrigantes aspectos nas áreas-limite do verbal (simbólico) e do não verbal (icônico), aquele tentando monitorar, quando não subjugar este, pois o vértice do conceito hegeliano é a lei ('argumento' peirciano), que se esparrama para as bases sob a forma verbal" (p. 136).
                Multifacetado, o volume traz algumas seções belas (e, mesmo, comoventes), como o texto intitulado "Delfos", em que o relato autobiográfico domina, praticamente absoluto.  Seja por isso mesmo, seja pela posição que ocupa na seqüência, "Delfos" tem uma força de evocação, de presentificação, que o torna muito destacado dos demais. Também ficaram mais intensamente na minha memória de leitura, mas em segundo plano, os seguintes: "Jakobson", "Vidraria" e "Franklin Horylka". Não é muito, para um livro tão cuidado do ponto de vista gráfico e tão pleno de investidura intelectual, mas é suficiente para, junto com passagens isoladas de cada um dos outros textos, garantir o interesse da obra, que é composta com inteligência.
                Pignatari, falando de Jorge Luis Borges, escreve que este "passa a ser um contador de histórias das histórias, metalinguagem da ficção narrativa, despeitada, com alguma graça ou humor, para assegurar-se distância e superioridade". Parodiando a formulação, poderia dizer que Pignatari faz aqui uma espécie de metalinguagem da narrativa memorialista, com muita digressão reflexiva em que se mobilizam importantes referências culturais. E o faz para assegurar-se a mesma superioridade. No seu caso, porém, é quando a distância e o despeito diminuem que surge o melhor do livro: o discurso evocativo, que é de boa têmpera. Nesses momentos, tudo – evocação, reflexão e exposição de conceitos – se amalgama. Nos demais, em que o discurso evocativo tem menos peso, tudo parece reduzir-se a índices, emanações, produtos imediatos de uma personalidade que se proclama digna, por si mesma, de atenção e homenagem. Ou seja, a exposição egocêntrica cessa de ser artifício provocativo que se conhece, se apresenta e funciona como tal, e se deixa ler apenas como impostação.


Texto publicado no jornal Correio Popular, de Campinas, em  21 de outubro de 2000

domingo, 14 de abril de 2013

Entre ser e nada: Augusto de Campos lê John Cage

Entre ser e nada

          Acabo de ver isto: http://www.erratica.com.br/opus/110/nada.html e, em seguida, isto: http://vimeo.com/29791907.
          A conferência sobre o nada na interpretação de Augusto de Campos (gravada por Vanderley Mendonça e, no primeiro link, editada por André Vallias) enfatiza o auditório vazio. Que é, evidentemente, uma alegoria. O auditório real está em outra parte: do outro lado da tela: o internet surfer que clica no item, dentro da revista eletrônica.
          Sendo assim, o que quer dizer a ênfase no auditório vazio? Ou melhor, a construção de um auditório vazio para a leitura filmada, pois neste momento e naquele lugar, o mais provável é que houvesse nele público significativo, não fosse a necessidade do cenário.
          É uma espécie de testemunho sobre a época (Cage, 1949)? Ou afirmação sobre a nossa própria época (Campos et al., 2011)? Um lamento por não haver já quem se interesse por ouvir uma conferência sobre o nada, isto é, uma conferência que se reduza a um ato performativo, que se desdobra numa pregação de silêncio? Ou um elogio do solitário ouvinte que contempla a leitura e contempla o auditório vazio (ao qual, por contemplar, já não pertence)?
          O pequeno filme configura o leitor/tradutor/intérprete, bem como aquele que assiste ao vídeo como figuras de exceção, irmanadas na recusa à suposta recusa de ouvir o que o poeta não tem a dizer.
          Mas o poeta que quer o silêncio e quer dizer nada, quer dizer que tem o direito de não ter nada para dizer, exceto a vontade ou o imperativo de dizer – e que identifica a poesia com esse não-dizer ou dizer-nada – mas esse poeta, perguntava, que lugar real configura para o público? E para si mesmo?
          Sem a afirmação negativa, isto é, sem a afirmação pela negação, onde está a poesia? Essa poesia, que se constrói como antipoesia, no sentido de ser uma declaração de ser o contrário do que a expectativa do suposto público (ausente da plateia filmada) teria do que fosse a poesia.
          Mas quando quem vê é reduzido à pessoa eleita a que o discurso se dirige (com ou sem a edição que alude a um determinado tipo ou momento da história da poesia), qual o sentido do silêncio, ou da afirmação negativa, se não há expectativa a contrariar? É que aqui a expectativa é plenamente satisfeita. Contrariá-la seria apresentar um poema expressivo, narrativo, lírico ou de versificação tradicional – enfim, tudo o que o leitor acostumado ao discurso negativo da vanguarda e suas descendências não vê ou não aceita como seu contemporâneo. Mas não foi esse o caminho escolhido. Não sendo, qual o sentido da negação? Para quem e por que o poeta/tradutor/intérprete diz “não”? O “não”, aqui, dada a expectativa confirmada, vale por um “sim”, ou por um “assim queríamos demonstrar”. Vigora, pois, como reiteração do esperado. E do lugar à margem em que supostamente se encontram tanto o poeta quanto o seu realizador e o seu espectador.
          Nesse caso, a intervenção tem um sentido apenas: reafirmar o acordo, revivificar o já ocorrido. Seu alcance, assim, é predominantemente histórico. Sua reflexividade ensaia, mais do que tudo, a afirmação do pertencimento e do lugar na série. Ou seja, a filiação – de olho na descendência. Reiteração, dogma, elogio, aceno cúmplice: é assim celebração, ou melhor, autocelebração (e eloquente) a coisa dita dessa forma e neste momento por meio da negação do dizer.

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originalmente publicado aqui: http://sibila.com.br/critica/entre-ser-e-nada/5194

Jorge de Sena e o haikai

Os haikais de JS

X
     Jorge de Sena sem dúvida conheceu bem o haikai clássico. Introduziu 20 deles, de Bashô, no seu Poesia de 26 séculos. Por isso, a questão que se coloca ao ler os poemas de sua autoria por ele denominados hai-kais não é essa, e sim o que o poeta desejou fazer ou conseguiu fazer ao convocar o nome e o espírito da forma.
     A questão não tem resposta simples. Tecnicamente, poucos desses poemas, se lidos isoladamente do conjunto e da denominação, seriam considerados haikais. Talvez um, talvez nenhum. Não só por não guardarem a estrutura do terceto, com a qual se popularizou o haikai no Ocidente, mas principalmente porque a quase todos falta a objetividade despojada que identificamos como essencial para a definição do gênero.
     Ao vincular tais textos ao gênero haikai, então, o poeta buscava outra coisa. De imediato, é evidente que a denominação promove uma disposição de leitura. O leitor se prepara para um tipo de poesia, propõe-se uma atitude interpretativa.  Essa disposição e atitude é que serão contrariadas ou confirmadas ao longo da leitura. Mais contrariadas do que confirmadas, nesse caso.
     O efeito de sentido é complexo. Trata-se de um poeta reconhecido, de um estudioso muito conceituado e de um evidente conhecedor da forma e da tradição do haikai. Mas os textos que produz e insere, por um gesto soberano, nesse gênero, não parecem pertencer a ele.
     A forte personalidade do autor determina o afastamento, marcando presença não apenas nas referências ao “eu”, mas também na escolha da forma do dístico e do tom aforismático.
     Para um leitor pouco familiarizado com o haikai japonês, a forma do dístico surpreende mais. Entretanto, quem já o leu no original sabe que a estrutura básica do haikai é a justaposição de dois segmentos frasais. A medida nada tem a ver com a utilizada por Sena, cujo dístico se compõe de dois versos de aproximadamente a mesma extensão. Mas em alguns do poeta português, a justaposição faz com que o texto mimetize a estrutura profunda do haikai.
     Dos poemas do autor, o que mais pareceria, pela estrutura, um haikai é “para encontrar-se o acaso / ai quanto caminhar!”. Mas esse é justamente o que menos se sustentaria como haicai, por ser abstrato, não trazer nenhuma indicação de lugar ou de tempo, nenhum kigo.
     Já o que me parece ter mais espírito de haikai é este “O mar se alonga ao longe tão sereno. No temporal, há pouco, era mais curto”. Porque aqui se tem uma observação muito precisa, muito objetiva. O horizonte se encolhe no temporal. Qualquer outro sentido simbólico pode construir-se, mas a base objetiva é firme e indiscutível.
     Jorge de Sena poderia ter escrito pelo menos dois desses poemas na forma tradicional do haikai. Mas por alguma razão o quis fazer.
     Como exercício, para mostrar as diferenças e as aproximações, faço-o eu aqui, sem pretender evidentemente corrigir, mas dialogar divertidamente com o poeta.
     No primeiro, bastaria suprimir a notação subjetiva e teríamos um haikai, facilmente reconhecível como tal:

Tem chovido tanto…
Na noite do quintal,
O sapo canta.

No terceiro, seria o caso de eliminar a torção da frase, em nome da naturalidade da expressão:

O temporal passou.
O mar sereno
Parece mais longo.

Assim teríamos haikais. Mas esses textos, eu creio (embora conheça pouco a obra poética de Sena), dificilmente poderiam ser assinados por ele.
X                   
                
HAI-KAIS
Tem chovido bastante: insuportável tempo.
Na noite do quintal, o sapo canta.
*
Conversam como ao longe
não comigo.
Se comigo falavam
Cansar-me-iam.
*
Por nuvens as montanhas não têm picos.
Mas, negras e escalvadas, cabeleira branca.
*
O mar se alonga ao longe tão sereno.
no temporal, há pouco, era mais curto
*
O ano inteiro esta árvore
larga folhas mortas.
*
Roupa que se abre e cai:
surpresa; ou muito ou pouco.
*
No escuro cresce o amor
que só nocturno se ama.
*
Para encontrar-se o acaso
ai quanto caminhar!
Sentado, escreve e lembra
imagens que não viu.

HAI-KAI
Um pássaro canta: não tem voz
que só cantar dos outros ele imita.
11-12/1/1974
In: 40 Anos de Servidão. Lisboa, Ed. 70, 1989, p.140-1 eVisão Perpétua, Lisboa, Ed. 70, 1989, p. 192





Publicado origalmente em Ler Jorge de Sena
http://lerjorgedesena.wordpress.com/2013/04/09/jorge-de-sena-e-os-haikais-2/

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Plágio - entrevista a Ricardo Manini



Breve entrevista a Ricardo Manini – a propósito da noção de plágio – março, 2013

Manini:  Rousseau escreve, nas suas Confissões, o seguinte: "I know my heart, and have studied mankind; I am not made like any one I have been acquainted with, perhaps like no one in existence; if not better, I at least claim originality, and whether Nature did wisely in breaking the mould with which she formed me, can only be determined after having read this work". Alguns críticos literários colocam que o ideal da originalidade nasce, ou ao menos está ligado em grande parte, ao período Romântico. Isso está correto? O movimento romântico traz mesmo uma ideia de querer ser diferente, querer ser original, em relação a outros homens? Em que sentido isso se realiza?


Franchetti: Acho que o que nasce com o período romântico é nossa forma de compreender a originalidade. Mas basta percorrer a história da literatura para ver que as marcas originais foram valorizadas em várias épocas, de uma forma ou outra. Os líricos gregos mais conhecidos criaram inclusive formas estróficas próprias, que depois outros incorporaram. E até hoje falamos de verso sáfico, por exemplo. As escolas de pintura reforçavam, no trabalho coletivo, a maneira de um mestre. E os traços comuns a textos de autores diferentes foram ao longo dos anos reunidos sob um nome próprio (como Camões, por exemplo; ou Gregório de Matos), sendo a ele atribuída a autoria, isto é, a sua origem. A distinção entre invenção e cópia, entre propriedade e apropriação, tampouco é romântica. Já no Quixote nos deparamos com aquela passagem engraçada em que D. Quixote chega a um lugar por onde teria passado um falso Quixote, isto é, um Quixote herói de um livro não escrito por Cervantes. Ali aparece a questão da autoria, da autoridade do criador, que confere verdade à sua criação e desautoriza a existência da cópia, sem entretanto conseguir negá-la (isso é o mais notável, pois o falso Quixote também existe e sua existência não é questionada pelo verdadeiro).
Mas é evidente que, no período romântico, a originalidade ganha outro contorno e passa a ser valorizada e apreciada de outra maneira. Por um lado, pela razão que apontou na sua pergunta: parte importante da estética romântica é postular a ligação íntima da vida e da obra, com a consequente valorização da singularidade de uma vida. Assim, os traços mais individuais, quando expressos, garantem que a expressão é autêntica, que o que se tem ali é a expressão de um indivíduo concreto. Por outro lado, a originalidade passa a ser mais importante no momento em que os cânones clássicos se enfraquecem ou se dissolvem. Sem o quadro prescritivo do cânone, a justificação de uma obra passa a se dar por meio do apelo à fidelidade ao sentimento e à observação do real. E não podemos deixar de notar que o período romântico é justamente aquele no qual a literatura se torna mercadoria de grande consumo e, como consequência, o período no qual se define o direito à propriedade intelectual. Para ter uma ideia do quadro, basta considerar que dois dos maiores escritores portugueses, Garrett e Alexandre Herculano, tinham posição oposta com relação à remuneração da produção intelectual (os direitos de autoria): Garrett era favorável e Herculano era contrário. Creio que é a questão da quebra do quadro clássico dos gêneros literários aliada à ascensão da classe média, que permitiu que a literatura passasse a bem de consumo, que nos permite dizer que a originalidade (e a questão do plágio literário, tal como hoje a concebemos) tem origem romântica.


Manini: Se pensarmos em uma perspectiva histórica, a cópia de textos era muito praticada por monges na Idade Média, antes da invenção da prensa. A cópia, nesse caso, não poderia ter o sentido de plágio. Tinha, em realidade, a ideia de disseminação do conhecimento para aquele pequeno grupo de homens. Hoje, a cópia literal sem citação da fonte original é vista, muitas vezes, como uma coisa senão ilegal, ao menos imoral. Podemos dizer que há uma mudança de sentido do ato de copiar no decorrer da história?

Franchetti: O sentido do ato e da forma de copiar – ou melhor, de se apropriar dos textos de outros – mudou muito ao longo da história. Na China clássica, por exemplo, se você quisesse citar um texto canônico no interior do seu texto não tinha de colocar nenhuma marca como as nossas aspas e nem explicar de onde tirou a frase ou parágrafo ou estrofe. Seria um insulto à cultura e à inteligência do leitor. É um exemplo extremado, mas em vários períodos da nossa própria história percebemos comportamento semelhante. E ainda hoje, apesar das pressões das normalizações, é comum encontrar artigos sobre literatura em que os autores mais conhecidos são apenas referidos, sem a usual indicação de ano e página. Na literatura também a forma de avaliar a apropriação da autoria também sofreu mudanças importantes. Uma delas foi que a acusação de plágio passou a transcender o texto: Eça de Queirós, por exemplo, foi acusado de plágio, quando publicou O Crime do Padre Amaro, porque o enredo do livro lembrava o de um livro de Émile Zola. Outra é que ao longo do tempo, a recriação livre de um texto de outra língua – ainda muito comum entre os nossos românticos, por exemplo – passou a ser pouco praticada – até ser de novo valorizada na forma de uma tradução criativa. Nesses casos, o que se observa é não uma subtração da autoria, mas a afirmação de duas autorias concorrentes, o que é uma variável interessante para pensar na questão do plágio. Já na modernidade, vigoraram alguns procedimentos que, em outro tempo, poderiam ser vistos como plágios: a incorporação de textos de outros autores por Eliot, ou por Pound, por exemplo. De modo que, hoje, a questão da apropriação de textos de outros autores se tornou mais complexa, mais mediada. Ou seja, perdeu força no domínio literário, onde sobrevive apenas nos casos em que o que importa de fato é a mercadoria: nos best-sellers. A relevância da noção de plágio – a própria formulação ou acusação de plágio – tem a ver, portanto, com o valor econômico do produto. Ou do que o produto pode ou poderia render, ou do capital investido na sua produção. Por isso, a questão do plágio é hoje mais grave no domínio da ciência. Daí a vinculação com ilegalidade: o que está em questão não é a apropriação particular de um bem comum, como queria Alexandre Herculano ao negar o direito de autor, mas a apropriação indébita de um bem que se entende como privado, seja um resultado científico, um produto, uma sequência de palavras, frases musicais, enredos, etc.


Manini: É possível traçar uma relação entre a meta de originalidade e a meta de copiar? Uma ideia se contrapõe à outra? Há nuances nessa relação?

Como respondi acima, do meu ponto de vista, no domínio da literatura e da arte não há contraposição rígida, se considerarmos um amplo período de tempo.

Entrevista - Balacobaco

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco (2002)

Paulo Franchetti nasceu em Matão (SP), em agosto de 1954. Professor de Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa na Universidade Estadual de Campinas, publicou três livros de poesia (Várias Vozes, 1975, Indigo Blues, 1984, e Hacais, 1994) e vários trabalhos de crítica e história literária, entre os quais se destacam Alguns aspectos da Teoria da Poesia Concreta (1989), Haikai - Antologia e História (1990), Correspondência de Eça de Queirós e Oliveira Martins (1994), a edição-crítica da Clepsydra, de Camilo Pessanha (1994) e a edição comentada de O Primo Basílio, de Eça de Queirós (1998). Durante dois anos, dirigiu a lista de discussão Haikai-L, dedicada à prática do haikai.

Como foi o seu percurso poético até encontrar o haicai?
Eu cheguei ao haikai por dois caminhos. Por um lado, pelos textos de Haroldo de Campos. Fiz uma tese de mestrado sobre a teoria da Poesia Concreta, que defendi em 1982. E como Haroldo de Campos escrevesse sobre haikai, valorizando a etimologia dos kanjis, e Augusto de Campos várias vezes abordasse o sistema de escrita da China e do Japão, interessou-me aprender a língua japonesa (o que fiz, por alguns anos), e ver como funcionava o kanji numa língua que o empregava como sistema de escrita. Por outro lado, nos estudos de literatura e cultura portuguesa, deparei pela mesma época com os livros de Wenceslau de Moraes, que retratou a vida japonesa no início deste século e também traduziu haikais. Interessado pelo assunto, e tentando ter do haikai uma visão mais fundamentada, acabei chegando à obra fundamental sobre o assunto no Ocidente: os livros de R. H. Blyth. Isso foi no começo dos anos 80, e a partir daí passei a estudar mais sistematicamente o haikai e a sua história no Japão e entre nós. Foi apenas no lançamento do livro "Haikai -- antologia e história", no VI Encontro Nacional de Haikai, realizado em 1989, que comecei a fazer haikais e a participar de reuniões de um grupo nipo- brasileiro, presidido por Hidekazu Masuda Goga na Aliança Cultural Brasil-Japão.
Caetano Veloso, numa letra de música, diz que: "está provado que só é possível filosofar em alemão". Plagiando o cantor, só é possível fazer o haicai em japonês?
Nem a blague de Caetano é verdadeira, nem a idéia de que só é possível fazer haikai em japonês. Da mesma forma que é possível fazer ikebana no Brasil, é possível fazer haikai em português. O haikai, tal como o entendo, é mais uma atividade e uma atitude frente à linguagem, do que uma forma poética.
O que um haicai exige do haicaista? É necessária concisão, concentração?
Exige um distanciamento da nossa tradição poética. Pelo menos de uma certa tradição, que identifica a poesia com um conjunto de práticas lingüísticas. Haikai é um texto curto, sem metáforas, sem rima, sem preocupação de brilho lingüístico. É basicamente isto: um texto breve, despojado, modesto, em que uma sensação, uma percepção de algum fenômeno natural é colocada em palavras de modo muito objetivo. Concisão, assim, é uma palavra de sentido muito específico: significa recusa tanto ao derramamento sentimental, quanto ao descritivismo detalhista. Diz-se usualmente que o haikai é sintético, mas isso não é bem verdade. Em haikai não temos síntese no sentido de "dizer o máximo com o mínimo". O haikai é, antes, a arte de, com o mínimo, dizer apenas o suficiente para o desenho, em traços rápidos, de uma cena ou situação em que se surpreenda algum índice de alteração sazonal.
Qual a diferença da linguagem do haicai para a linguagem poética. É possível um haicai sem poesia? e um haicai que não é poema?

Colocada nestes termos a pergunta, a melhor resposta me parece ser:haikai não é poesia. É uma formulação que parece paradoxal, mas que faz todo o sentido, quando se pensa nas expectativas que temos frente a um texto que denominamos "poesia" ou "poema" e a um texto que denominamos "haikai". Se pensamos o haikai como "poema" ou "forma poética", ele tem pouco a nos oferecer: é mais uma forma exótica, como o pantum malaio que fez sucesso entre os parnasianos, ou uma forma fixa datada e hoje pouco empregada, como o rondó, por exemplo. O que ele tem a nos oferecer de mais interessante é uma outra concepção de emprego da linguagem. Nos meios haikaísticos mais interessantes, o haikai é uma forma de viver a alteridade, de nos afastarmos momentaneamente da nossa própria tradição. É um jeito de estar no mundo e na linguagem; e é também uma prática coletiva, uma atividade que se faz em conjunto, dentro de um certo estado de espírito e com o objetivo de interação com outros praticantes.

Quais são os principais haicaistas brasileiros? Quais são os mestres nipônicos?
Os mestres nipônicos mais conhecidos são Bashô, Buson, Issa e Shiki. Bashô, que viveu no século XVII, é o iniciador do que chamamos "o caminho do haikai". Shiki, que viveu já nos tempos modernos, é considerado o restaurador do haikai, o homem que recuperou o prestígio da atividade num Japão fascinado pela literatura ocidental. No Brasil, creio que os haikaístas mais interessantes são os que permanecem ligados à prática coletiva do haikai e que estão mais perto da tradição japonesa. Dentre esses, creio que os melhores são Teruko Oda e Edson Kenji Iura.
Como foi estar à frente da lista de discussão Haikai-1?
Foi uma experiência muito gratificante, durante um certo tempo. A lista foi criada para ser uma oficina on-line e funcionou assim durante uns dois anos. Depois, virou um lugar de disputa entre tendências concorrentes. De um lado, os que têm do haikai uma visão como a que expus acima. De outro, os que vêem o haikai como uma manifestação do "zen" ou como uma mera forma literária, que pela sua brevidade exige uma linguagem trocadilhesca ou piadista. O haikai "zenista" ou piadista me parece uma prática cansativa e rebaixada. Creio que a lista é importante e deve continuar funcionando. Para mim, entretanto, perdeu boa parte do interesse que tinha, pois ao invés de uma oficina dedica a uma prática específica e à construção de um caminho específico de haikai, passou a ser um lugar de publicação mais ou menos indiscrimida, como acontece nas listas dedicadas à prática da poesia de modo geral.
O que falta para o haicai ser mais difundido no Brasil? O que falta para ser difundido além dos limites da colônia nipônica?
Acho que o haikai é muito difundido no Brasil. Na colônia japonesa ele ainda é muito praticado em japonês. O Grêmio Haicai Ipê, a que me referi acima, foi o primeiro esforço de juntar as duas tradições: a do haikai produzido no Brasil em japonês e a do haikai aqui produzido em português.
Como a tradição do haicai pode estar a serviço de uma renovação da linguagem do poema aqui no Brasil?
De várias formas, às vezes muito diferentes. Sem dúvida, o haikai e o ideograma desempenharam um papel importante na formulação e na prática da Poesia Concreta. Pouco depois, Paulo Leminski escreveu haikais, traduziu haikais e incorporou elementos do haikai à sua própria poética. A objetividade do haikai, sua modéstia e despojamento são elementos que encontramos em lugares muito prestigiados atualmente na poesia brasileira, como, por exemplo, em alguma poesia de Manoel de Barros. Mas creio que o haikai, por ser uma prática que se aprende no convívio com outros praticantes, por ser objeto de muitas oficinas em vários lugares do país, tem um papel importante na criação de novas formas de usar a linguagem com objetivos artísticos, e que as conseqüências disso na criação poética brasileira só vão ser sentidas e melhor avaliadas daqui a alguns anos.
Quais os principais trabalhos sobre o haicai publicados no Brasil?
Sem falsa modéstia, creio que o mais completo trabalho publicado em português é o que saiu pela Editora da Unicamp em 1989: Haikai -- Antologia e história. Mas há outros textos importantíssimos disponíveis: os ensaios de Octávio Paz, publicados em "Signos em rotação" e o livro de Carlos Verçosa, "Oku, viajando com Bashô".
O tema da sua tese de mestrado foi a poesia concreta. O que poderia nos adiantar? Quais os caminhos pelos quais a sua tese navegou? Quais > conclusões chegou? Poesia concreta é design? Ainda existe hoje? Foi substituída pela poesia visual?
Trabalhei apenas com a teoria da Poesia Concreta. Meu interesse, naquele momento, era observar a argumentação que desenvolveram os seus principais formuladores, os valores que defendiam, as questões que privilegiavam no debate. Isto é: tentei pensar a Poesia Concreta como movimento cultural e apreender a sua articulação com o momento histórico brasileiro, buscando entender o que tornou tão persuasivas as suas propostas. Creio que Poesia Concreta é uma expressão que designa, mais do que um tipo de produção poética ou um certo número de procedimentos lingüísticos, um conjunto de proposições culturais. Nesse sentido, a Poesia Concreta existe ainda hoje, isto é: é um vetor importante da nossa cultura. Mas se quisermos utilizar a expressão para designar uma expressão homogênea, um tipo de texto, teremos dificuldades, pois a produção de um Augusto de Campos ou de qualquer um dos outros dois é muito variada e mesmo o verso, ou a forma de figuração analógica que foram abolidos programaticamente em 1956 ou pouco depois, reaparecem em momentos vários da sua prática poética.
Como estão os estudos sobre a poesia portuguesa simbolista?
Minha tese de doutorado foi a edição crítica dos versos de Camilo Pessanha. Recentemente, defendi, como tese de livre- docência um trabalho de análise de poemas desse autor, que deverá ser, em breve, publicado pela Editora da USP. Reúno ali tudo o que há vários anos tenho pensado sobre a poética simbolista, e com isso sinto estar fechando um estudo iniciado há mais de dez anos. No momento, meus interesses estão concentrados na elaboração de uma nova descrição da poesia brasileira produzida entre o Romantismo e o Modernismo: a de extração simbolista, principalmente, mas não só.
É notória a sua condição de grande estudioso do haicai. Também se sabe de todo o tempo que dedica ao estudo do mesmo. Por que o haicai ainda não foi alvo de seu estudo na universidade?
Tenho feito alguns estudos acadêmicos sobre o haikai no Brasil. Mas como sei pouco japonês, não me aventuro a estudar o haikai no original, sem a ajuda da minha colega Elza Taeko Doi. Tenho pensado o haikai, assim, basicamente como uma imagem produzida pelo Ocidente. Meus estudos sobre o haikai no Japão sempre foram apenas uma tentativa de encontrar parâmetros que me permitissem entender as apropriações que dele vimos fazendo no Ocidente, principalmente a partir das primeiras décadas deste século.
Tem alguma epígrafe que o acompanhe?
Sim. Uma frase de Bashô: "o que diz respeito ao pinheiro, aprenda do pinheiro; o que diz respeito ao bambu, aprenda do bambu".
Qual o papel do escritor na sociedade?
Mallarmé dizia que era dar um sentido mais puro às palavras da tribo. Pound, que era manter a linguagem eficiente. Acho que é um pouco por aí.
(2002)

publicada originalmente em:

http://www.gargantadaserpente.com/entrevista/paulofranchetti.shtml


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Santo Reis da Luz Divina - apresentação



Apresentação do livro Santo Reis da Luz Divina, de Marco Aurélio Cremasco - 2004


            “Celeste, entretanto, não amou a Augusto como Pedro a Inês, mesmo com o nascimento de Santino, e, depois de três crianças mortas quando do nascimento, de Heitor.”
Quando li esse nome, tudo empalideceu: o rosto de Augusto, o desfile sob a luz das tochas, o sonho depois perdido no meio do sertão da terra nova. Apenas a figura do herói se erguia, igual a si mesma. Não era possível compreender como se sentiria antes da batalha. Não havia ainda o cheiro da morte, os membros rasgados nas pedras, imundos com a lama coberta de sangue. O vento que ondulava nas planícies poeirentas invadiu o quarto e, junto, o cheiro forte da erva esmagada pelos carros. Os cavalos suados, a mudez sobre as muralhas, de onde logo o choro grosso das mulheres desceria em ondas sobre a encosta da colina.
            E era uma palavra, numa seqüência de outras, que trazia os fantasmas ininteligíveis, a procissão deles, sujos, sanguinolentos, terríveis na paixão, caindo como troncos sobre o solo, soltando o suspiro fundo, no qual a alma se esgueirava para os reinos subterrâneos, onde tudo era apenas sombra.
            Eu li, naquele momento o que se passa e se agita sempre sob o olhar das letras, como o fluido nas veias sob a pele: as naus, os cantos, amores e luar gelado sobre as tendas. E quando continuei o milagre estava feito, a espécie recomposta e o animal de outrora, redivivo, de novo se agitava.
            E depois, fui abrindo outras portas, caminhos que ligavam o aqui e o ontem e o que houve no começo: “Acontecimentos passados apenas passam quando importância dada pouco é ventilada. São folhas caducas de árvores secas que servem de ninho aos pássaros ou cova aos ratos ou simplesmente abrigam a alma do que não existe”.
            De onde vinham as palavras que se moviam assim, na direção do que por um momento brilhou e foi sabedoria, e agora, esquecido, permanece apenas como reminiscência, desejo surdo de retorno? O que ali estava se compondo, por debaixo da história na qual os fatos pareciam apenas balizas de um sentido que não emergia totalmente?
            “Qual noite é capaz de esconder o brilho do mais distante fogo? As cabanas, envoltas de cusparadas de chamas, incendiavam-se em cada graveto da última fogueira no meio de carroças e tendas”. O dente do tempo faz uma cicatriz em cada trecho da pele esticada desta narrativa: vêm, sob o arranjo da fala, o ritmo e a volúpia do que já foi dia um tido por autêntico. A cadência de quando havia um país por descobrir, uma fala por trazer para dentro do espaço sagrado das páginas de um livro. Mas agora esses ecos estão misturados com as formas dos filmes, o borbulhar do riso que percebe o movimento nostálgico, a verdade de uma infância perdida no canto da memória, de onde as falas e os nomes às vezes emergem, ainda melados do sono do esquecimento.
            “A vida só tem sentido quando contada pela morte. O construído se completa no destruído. Entre o estampido e o tiro, a luz. A luz só tem sentido quando antecedida pela ausência. Ficar em pé só se completa no tombo. Os dentes brancos do sorriso são escovados pela lágrima. E quando não há dentes, é por terem sido arrancados no espólio da batalha”. E perante isso, que importa, senão como intervalo, o particular da história? Como não perseguiria, ávida e displicentemente, quem está do lado de cá, esbarrando na barreira das palavras, a trama dos eventos de que já ninguém se lembra? Como não passaria rápido, de uma linha a outra, em busca da forma do próximo momento no qual o corpo vivo do que foi de novo apareceria: o livro do conhecimento, a voz anônima em provérbios, as sagas perdidas, as lidas e as trelidas ao longo dos séculos se amontoam na margem, à espera da sua vez de, bebendo o sangue dos nomes novos, recuperar um pouco da visão antiga. E foi assim que eu segui, imune quase ao fluxo do que me aparecia apenas como alimento e base do que crescia a intervalos: a história de Santino e Esperança, as cuidadosas reconstruções do que não importava, a figura e o charuto de Getúlio, os nomes da geografia de onde passei a minha própria infância.
            Durante o tempo estendido em que a fala tentou tecer uma ponte de sentido, as perguntas valeram sempre mais do que as repostas: “Quando a guerra acaba no olhar do guerreiro? Quando a lâmina cega na barriga do derrotado? Quando a desgraça se apodera dos desesperados? Qual o momento certo para fugir do espelho ou se refugiar na própria sombra? Esperança olhava o céu. Santino, a terra. Esperança rogava a Deus. Santino enxergava o infinito nas trilhas que cruzavam Luz Divina. Enquanto um se procurava nas estradas perdidas da infância, outra aumentava as feridas impregnadas nos joelhos por tanta oração. O Brasil não era o mesmo”. Mas quem se importará, singrando a superfície das palavras, com o último elemento? E com, ao final, o amigo que não era amigo, o enigma solucionado? Para quem buscava o sentido na ramagem, estava dado o prato e a sobremesa. Mas para os que sentiam que as folhas só se agitavam de verdade porque as raízes se enroscavam, famintas, na terra onde há séculos penetrava o húmus das palavras decompostas, florescentes e de novo prontas para a seiva nova, para esses a passagem deveria ser refeita, os escolhos da superfície afastados, para que o leito do mar, onde repousam os restos dos naufrágios sucessivos, pudesse acolher mais este gesto de amor e, com ele, depois da carne rápida e viva da lembrança, o mineralizado esqueleto da infância, ali ternamente depositado como um testemunho ou uma homenagem, já que assim dignificado junto às sombras dos heróis de outrora.