TEXTOS DISPONÍVEIS

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Cesto de caquis

Acabo de ler o volume “Cesto de Caquis – notas sobre haicai”, de Edson Iura. O livro foi publicado há pouco pela Telecazu Edições, de Jundiaí.
Para todos os interessados no gênero, será por certo leitura recompensadora.
Edson Iura é um nome conhecido e respeitado no âmbito do haicai brasileiro. Desde antes da internet como a conhecemos hoje, mantém um fórum eletrônico de discussão, denominado Haikai-l. E desde o começo do predomínio da internet, um notável site dedicado ao estudo, à prática e à difusão do haicai no Brasil. Intitulado Kakinet, traz resenhas, textos fundamentais, poemas de colaboradores e notícias. Por fim, entre várias outras atividades relacionadas ao haicai, responde pela seleção dos poemas enviados para publicação no Jornal Nippak e na Revista Brasil Nikkei Bungaku.
Como sucede em geral nesse campo, o estudioso é praticante. Bom poeta, embora de pequena produção publicada em livro, Edson Iura durante vários anos integrou o Grêmio Haicai Ipê, venerável agrupamento que se reuniu à volta da figura do poeta japonês Masuda Goga, e que promoveu e ainda promove encontros regionais e nacionais de haicai.
O livro que acaba de ser publicado é um testemunho da dedicação de uma vida, pois reúne trabalhos dispersos ao longo das décadas. Não são muitos, entretanto. São seis textos relativamente breves, que vou apresentar sumariamente a seguir. 
        Os dois primeiros são justo e merecido resgate de duas postagens no fórum Haikai-l, datados de 2007 e 2009. Lendo-os tem-se um relance do que foi a atividade didática e erudita do autor naquele fórum. No primeiro deles, por exemplo, discute a atribuição de autoria de um haicai a Bashô. O aspecto mais interessante, entretanto, não é a questão da autoria, que ele revela não ser de Bashô, mas sim a maneira notável como, recorrendo ao texto japonês e às origens religiosas de uma expressão – que rastreia até o Sutra do Diamante –, nos dá a ver o haicai sob uma nova luz e nos põe, com delicadeza, face aos abismos de sentido que se apresentam como desafios ao tradutor. 
        Os três textos seguintes são conferências proferidas nos Encontros Brasileiros de Haicai de 2009, 2010 e 2011. Intitulam-se, respectivamente, “Mundanismo e transcendência”, “Nem tradição nem modernidade” e “Poesia das estações”. Neles encontramos, além da discussão segura de tópicos variados da história do haicai no Japão, a questão principal que percorre os vários capítulos deste livro: o que é ou o que tem sido ou o que pretende ser o haicai brasileiro. Num desses textos, os leitores encontrarão uma útil distinção entre o que o autor denomina “Haicai Tradicional Brasileiro” e “Haicai Sazonal Brasileiro”. Longe de ser uma questão menor, creio que se trata de uma discussão relevante para quem queira compreender a dinâmica da evolução do gênero no Brasil.
        Por fim, arremata o volume o trabalho mais extenso e sistemático, que resume, retoma e desenvolve as principais questões afloradas nos anteriores: “De haikai a haicai: uma jornada etimológica”. O título talvez não seja o mais feliz. É verdade que a questão inicial é etimológica: o autor vai rastrear a origem das três formas correntes em português, deste e do outro lado do Atlântico (haikai, haicai e haiku). E também é verdade que o fio etimológico não é abandonado até o fim. Mas talvez o melhor subtítulo fosse “uma jornada filológica”, pois o capítulo vai muito além da etimologia. Ao rastrear o uso dessas palavras ao longo do tempo, no Brasil e no exterior, o que resulta é uma muito concisa, mas nem por isso menos útil e bem feita, história da apropriação não só do nome, mas da forma e da prática desse tipo de poesia japonesa no Ocidente e, em particular, no Brasil.
        “Cesto de caquis”, assim, mimetiza o seu objeto: é breve, sua leitura é leve e seu sentido objetivo patenteia despojamento e modéstia (o subtítulo é apenas “notas...”); mas nele pulsa, embora com intensidade discreta, a história inteira do nascimento, crescimento e frutificação do haicai no Brasil, agora amorosamente recolhida em volume.