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terça-feira, 19 de outubro de 2021

Um livro involuntário - #1


Quando me iniciava na prática do haicai, enviei a Masuda Goga, pedindo sua avaliação, um conjunto de tercetos. Algum tempo depois, surpreso, recebi em casa alguns exemplares de um livrinho em que eles se juntavam. Era um objeto bem bonito, pequeno, quase uma caderneta, medindo 19x10 cm, com 76 páginas. A capa era linda: trazia Sabará, numa pintura de Alberto da Veiga Guignard que, a um olhar mais rápido, até poderia passar por japonesa, ou chinesa. Intitulava-se simplesmente haicais'.
Massao Ohno ou alguém a quem ele atribuiu a tarefa escolheu para texto de orelha um artigo publicado num dos dois jornais de Campinas da época, o Diário do Povo. Intitulado “Haicai: de gênero poético a filosofia”, vem datado de 8 de agosto de 1992 e não traz assinatura.. Eu não sabia e não sei ainda quem o escreveu, nem como chegou ele ao editor que, provavelmente, achou que o autor teria sido eu mesmo.
Na verdade, como já deve ter ficado claro, eu não fazia sequer ideia de como tinha nascido aquele livro e só fui descobrir quando deparei com uma página prefacial em japonês, sem tradução, assinada por Masuda Goga, que mencionava o trabalho que fiz com Elza Doi, Haikai – antologia e história, de 1990, bem como o haicai com que eu tinha ganho um concurso, naquele mesmo ano, acrescentando gentilmente que, embora o haicai (aquele em que os grilos cantavam apenas do meu lado esquerdo) pudesse fazer pensar que eu era velho, isso não era verdade.
Uma curiosidade a mais: em certo ponto do livro intrometia-se um tanka algo desequilibrado e brincalhão, que eu enviara como piada, junto com os haicais, ao Goga. Diz assim:
o peixe nadava
em círculos no barril.
Issa lhe compôs
um haikai bem dolorido
e o comeu depois, cozido.
Não faço ideia de por que Goga resolveu incluí-lo no livro. Nem por que motivo ele veio onde deveria vir o título do conjunto de haicais que se seguem, que integravam um dos dois diários de viagem de que, junto com os avulsos, se compunha o conjunto do material que lhe enviara... Mas confesso que não desgostei.
Vários anos depois, Masuda me enviou outra surpresa: esses mesmos haicais traduzidos por ele para o japonês, na forma tradicional, acrescidos de alguns outros, que lhe tinha enviado depois – mas agora sem o tanka brincalhão. Foram esses que utilizei na publicação de Oeste/Nishi (2008) pela Editora Ateliê, do que resultou que nesse segundo livro se encontrassem repetidos todos os do primeiro.
O que é compreensível, e talvez desculpável, frente ao fato de que haicais, publicado pela Massao Ohno com a Aliança Cultural Brasil-Japão em 1994, foi um livro de cuja preparação não participei, nem tive notícia. Uma surpresa. Um presente inesperado.
Não terminavam aí, porém, as novidades. Ao abrir o livro, vi que Goga escolhera um haicai de Bashô para figurar como epígrafe. A tradução deve ser dele. Diz assim:
Nestes arredores,
a vista sempre descobre
ambientes frescos.
Gostei muito dessa escolha. Fui imediatamente procurar o original e encontrei isto: kono atari me ni miyuru mono wa mina suzushi.
Recebi-o como um gesto de gentileza, um cumprimento generoso, um aceno do velho mestre.
Na verdade, era sobre essa epígrafe que eu gostaria de falar, antes que a memória me levasse para longe dela. Então falarei depois.

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