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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Um poema para Leminski

Paulo Leminski era exatamente dez anos mais velho do que eu. Só o encontrei uma vez, já no final da sua vida, quando veio fazer uma palestra sobre haicai em Piraciaba.
Durante ela, projetou uma série de pranchas do livro "Haiku" ou do "A history of haiku", de R. H. Blyth, e fez uma exposição inteiramente baseada na leitura desses livros.
Naquela época, eu tinha descoberto os tratados canônicos da escola de Bashô e começava a colocar em causa um tipo de leitura que confinava com a dele.
Foi nessa linha que lhe apresentei um comentário/pergunta, e ele, antes de não responder, disse com notável espontaneidade e num tom engraçado que jamais pensaria encontrar em Piracicaba alguém que conhecesse o Blyth.
Depois da palestra, conversamos um pouco. Muito pouco. Ele não parecia muito interessado em debater teoria, história ou prática do haicai. Para abreviar a conversa, convidou-me para acompanhá-lo ao bar para onde o levariam, mas senti que não era hora nem local.
Algum tempo depois, tive notícia de seu falecimento. Era meados de 1989. Eu estava fora de Campinas. Tinha ido fazer uma palestra. Creio que em Assis. Já tinha entregue à Editora da Unicamp, para publicação, o "Haikai - antologia e história", que sairia no ano seguinte e que eu contava enviar-lhe assim que possível, pois esperava que aquele livro pudesse ser, a seu modo, a continuação do diálogo efetivo que não houve.
Demorei para superar o choque. Um estranho choque. Tanto que um mês depois anotei umas linhas que talvez sejam injustas, talvez sejam muito derramadas, talvez apenas insossas, mas que deram conta.
Nunca as publiquei, é claro. Em algum momento as enviei, como homenagem meio torta, a Alice Ruiz.
Nestas noites de insônia, neste país que a cada dia parece mais desmoronado, a memória faz, de um jeito ou de outro, o trabalho de reconstrução. E resolvi, depois de tantos anos, voltar a estas linhas, este desajeitado pastiche, encharcado de melancólica revolta, que ao mesmo tempo que iluminou o afeto parece ter obscurecido ou carregado o julgamento.

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Eu não gostava muito de você, Leminski.
Você tinha as unhas sujas
E era muitas vezes meio chato.
Falava de haicai de um modo incompleto,
E o seu Jesus era muito concreto.
Também não gostava de seus poemas,
Só de alguns, estou sendo sincero.
Nem da prosa que você fazia, que me aborrecia.
No entanto, estou sentindo a sua falta.
Não sei o que é, mas você faz falta.
Estou aqui como um bobo lhe fazendo versos
E quando vivo mal pudemos nos falar
Sobre pinga, peixe e poesia, em Piracicaba.
Um pouco de judô, um pouco de Blyth, o nosso vovô.
Você foi para um bar, encher bem a cara.
Eu não fui festejar a sua fala.
De novo a gente não conversaria.
Nem eu queria, nem você gostaria.
Mas me fazia bem pensar que você
Quando a chuva era fraca
Fazia haicai para as línguas de vaca.
Fazia bem, mesmo pra quem não gostava,
O jeito tão ágil que era você,
E entre os copos de vinho e de vodca
O brilho da mente que ali faiscava.
Não soube logo que você morreu.
Falara em você no dia anterior.
Como sempre: nem mal e nem melhor.
Na casa de uma amiga me disseram: faleceu.
Já faz dois dias, ela disse.
Dois dias que o Leminski faleceu.
Arrumei o jornal, li o necrológio, pensei:
Pra que essa tristeza?
Dele, afinal, nunca eu gostei...
Mas um dia vem e vai, outro também,
E já passou um mês inteiro.
Eu mal o conhecia, então por que
Não foi só um sentimento passageiro?
Por que não me esqueci,
Por que sofri? – sofri?
Ah, se sofri! Você pensa que é mentira?
Que é força de expressão, papagaiada?
Então por que faria toda esta versalhada?
É incrível, mas nada me tira
Essa tristeza enorme que é você ter morrido.
Você que não era meu amigo, nem meu conhecido,
Mas que era de algum jeito, obscuro e contramão,
Uma espécie de ininteligível meu irmão.
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