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quinta-feira, 27 de julho de 2023

A rã de Bashô – II (ainda as rápidas anotações insones)



Para muitos, tanto aqui quanto no Japão, esse haikai merece toda a fama que tem pelo seu sentido. Uma história tradicional diz que um mestre zen, com quem Bashô teria estudado, fez aos discípulos algumas perguntas de resposta impossível. O resultado é algo como um koan: o mestre pergunta algo sobre a lei de Buda e Bashô, ouvindo o barulho de uma rã pulando na água responde com a última parte do poema: o barulho das rãs pulando na água. O mestre fica muito admirado e toma isso como um índice da iluminação de Bashô. Depois disso, Bashô submete a questão aos seus discípulos: qual seria o primeiro verso para esse haikai? Depois de várias sugestões, ele diz que o verso será “O velho tanque –“. Nisso se teria aberto o Olho do Haikai! É uma história zen, como se vê. E como outras que dizem respeito a Bashô e o zen, provavelmente apenas tradicional, ou seja, não factual. Por conta disso, muito se investiu na interpretação zenista desse poema. E de outros de Bashô. A ligação do haikai de Bashô com o zen, é tributária da orientalização da contracultura norte-americana, na qual o irracionalismo encontrou na imagem daquela vertente do Budismo um terreno propício à projeção dos seus ideais e de suas angústias com o rumo da vida ocidental. Um escritor magnífico como Alan Watts, por exemplo, teve grande magistério. E também D. T. Suzuki, em cujo livro mais famoso há um capítulo intitulado “Haikai e Zen”. Para esses leitores, um poema plano como o furu-ike ya exigia uma interpretação esotérica. Tão mais esotérica quanto mais objetivo ele se apresenta. Mas a pergunta permanece: por que esse haikai especificamente? Por que nele recaiu a atenção e por que nele se investiu tanto na interpretação esotérica? A resposta a essa questão se pode encontrar num texto muito interessante escrito por Masaoka Shiki. Nele, Shiki finge um diálogo com um visitante justamente sobre esse poema. O artigo foi traduzido por Blyth, e creio que foi esse texto que fez com que ele, Blyth, corrigisse a sua própria percepção do poema, em certa época muito embebida de zen. Eis o começo do texto de Shiki, onde a questão se apresenta da forma que julgo mais razoável. Começa a sua visita por dizer que o poema é conhecido até pelas pessoas menos estudadas, que é uma obra-prima, “embora ninguém consiga explicar o seu significado”. Ao que Shiki responde: O sentido desse poema é apenas o que ele diz; ele não tem nenhum outro sentido, nenhum sentido especial. Na sequência, esclarece: o poema ficou assim famoso porque Bashô o apresentou como o primeiro da sua própria maneira, aquele que divide o novo estilo do velho. Por isso, completa, as pessoas depois ficaram falando dele. Com o tempo, essa fama terminou por se confundir, no sentido de que esse poema seria o melhor haikai de Bashô, e o sentido da sua fama e o próprio sentido do poema terminaram por ser esquecidos, dando lugar a todo tipo de interpretação esquisita. Em seguida, mostra como a rã era representada, de modo antropomórfico ou como objeto de ridicularização, até propor que a novidade do poema de Bashô é que ali a(s) rã(s) faz(em) apenas o que as rãs fazem, mais nada. Ou seja, o que Shiki diz é que a maneira de Bashô é a poesia objetiva e fiel à realidade observável, sobre objetos simples em linguagem despojada: com clareza e com simplicidade, nada escondendo e nada cobrindo, evitando o raciocínio e a exibição técnica. Essa é a nova poesia, de que esse haikai é a primeira realização. Pessoalmente, tendo a concordar com Shiki e não creio que ele tenha interpretado mal o sentido desse haikai na história do gênero. Nem por isso cai por terra a possibilidade de uma leitura zen, à ocidental, pois onde mais, a não ser numa cultura na qual o zen tem um papel importante, um poema com tais características negativas poderia ter tal destaque, ter anunciado uma nova maneira e se tornado um marco na história de uma arte centenária?

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