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segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Poesia contemporânea

 Tenho lido bastante poesia contemporânea brasileira. Meu interesse no gênero me levou, por exemplo, a participar como jurado do Prêmio Jabuti, na categoria em que se inscrevem poetas que publicaram no ano passado seu primeiro livro. Foi uma experiência muito interessante, pois encontrei coisas boas. A leitura de tantas obras, entretanto, me fez notar algumas coisas. Primeiro, que há algumas editoras muito ativas, que publicam poesia aparentemente sob demanda (e pagamento) do autor. Não penso que isso seja ruim. Do meu ponto de vista, quanto mais poesia publicada, melhor. De modo geral, má poesia ainda me parece melhor do que nenhuma poesia. Independente da qualidade do que vem encadernado, e apesar das frequentes dedicatórias à mãe e agradecimentos em primeiro lugar a Deus, seguidos da lista dos parentes todos, e apesar principalmente de prefácios, posfácios, orelhas e quartas-capas laudatórias, que parecem agora partes necessárias de qualquer livro de poesia, é de alguma forma gratificante perceber que tanta gente busca se expressar em versos. Mas minha segunda observação tem uma zona de contradição com a primeira. É que em um número muito grande de casos dá para perceber que o autor tem um domínio precário do idioma e dos recursos poéticos. Na verdade, tenho frequentemente a impressão de que muitas pessoas escolhem a poesia porque não têm recursos linguísticos para sustentar a prosa. É que em prosa recortada em linhas irregulares as carências tendem a ser interpretadas (ou desculpadas) como intencionalidade expressiva. Na verdade, essa parece ser a esperança do poeta. Já na prosa corrida, a conversa é outra: a construção dos parágrafos, o desenvolvimento de cenas ou argumentos, os elementos de ligação entre as partes do discurso, a escolha e manejo do tom, tudo isso demanda trabalho, treinamento, competência linguística. Então a necessidade ou vaidade de se expressar parece escolher a poesia porque ela surge como o caminho mais fácil para a encadernação de sentimentos e ideias. Isso é bastante chato, porque o resultado normalmente é bastante ruim. Mas ainda assim as surpresas compensam, no caso dos autores estreantes. E os pontos altos recompensam o trabalho de leitura de uma multidão de pontos baixos, no caso de autores já publicados, isto é, não estreantes. Espero ainda voltar ao assunto. Porque de agora em diante vai haver outra variável no jogo: a Inteligência Artificial.

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