TEXTOS DISPONÍVEIS

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Papo meio sério

 

Um dos princípios bem conhecidos do New Criticism, que depois também foi atuante na crítica estruturalista e pós-estruturalista, é a recusa do que se denominou “falácia intencional”. Um texto, diziam, deve ser entendido, estudado e mesmo avaliado sem recurso à intenção de quem o criou. Sem, na verdade, sequer pressupor que a intenção possa ter alguma importância. Junto com a “falácia intencional” vinha a crítica a outra falácia, a emotiva: um texto não deveria ser lido em função da emoção que o autor teria sentido e que o determinaria de alguma forma. O texto é um objeto de linguagem e a atenção dos formalistas estava no jogo dos elementos que o constituem, especialmente nas tensões internas que o organizam. Na época do sarampão estruturalista, o ideal da história literária seria uma história de formas, na qual até mesmo o nome dos autores poderia ser suprimido dos textos alinhados num eixo cronológico.
Mas agora os tempos são outros. Temos máquinas que podem fazer poesia. Máquinas que podem emular estilos e que podem criar objetos textuais complexos. A questão que emerge é: quando lermos um livro de poesia, quando nos aproximarmos de um, vai ser indiferente saber se foi escrito por um ser humano ou por uma máquina? Poderemos ainda orgulhosamente nos apegar ao texto e dizer que a intenção não importa? E poderemos ainda desprezar tão seguramente a ideia de que um texto foi produzido a partir de uma emoção, ou mesmo num momento de emoção? Por fim, será possível sonhar com uma história literária que só leve em conta os textos?
Creio que de agora em diante, com o aprendizado progressivo e rápido das máquinas, a produção de textos bem escritos, bem estruturados, complexos, vai dar saltos sucessivos. Creio mesmo que pode chegar um momento em que não consigamos saber se um autor existe fisicamente ou não. E podemos nos deliciar com poemas produzidos por máquinas. Mas será a mesma coisa?
Dizendo de outra forma, apesar dos ditames da teoria, mesmo nós, os profissionais das Letras, quando nos aproximamos de um poema pedimos apenas formas, ritmos, tensões internas, harmonias ou dissonâncias? Estaremos preparados para prescindir do contrabando da aposta na intenção e na emoção originária?
Uma frase banalizada é “o estilo é o homem”. Mas e quando o estilo puder ser uma máquina, ainda será estilo? Em que sentido?
É um assunto sério, mas talvez a melhor forma de lidar com ele agora seja com o humor e a piada da redução ao absurdo, como nós estamos fazendo aqui nesta página há alguns dias, mesmo que, apesar da piada, possamos gerar só cansaço com a monotonia do assunto.

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