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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Editor/autor - depoimento

Este texto foi escrito para integrar o volume A versão do autor, organizado por Jonathan Busato, Laura Moreira e Milton Nakanishi, e publicado pela ComArte, em 2004.
Fazia um ano que eu começara a dirigir a Editora da Unicamp, quando me pediram o depoimento. Por isso, em vez de falar como autor, preferi falar como dublê de autor e editor.
Hoje, em busca de material para uma memória, encontrei esse texto. E por trazer muitas coisas em que acredito, neste momento da nossa história editorial em que muita coisa mudou e está mudando no que diz respeito a editoras universitárias, resolvi publicá-lo no blog.

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Durante muitos anos, fui exclusivamente autor de textos. Alguns, perdidos; a maior parte merecidamente abandonada e esquecida em velhos disquetes de computador, que já não servem nas máquinas modernas; e uns poucos encadernados. Depois, por acidente de percurso, improvisei-me há pouco mais de um ano editor universitário.
            Como autor, sempre reclamei da demora dos trâmites para a elaboração dos livros, dos atrasos constantes dos cronogramas, dos imprevistos de toda ordem durante o processo de edição e lançamento, bem como lamentei a má distribuição, a morosidade da prestação de contas, as pequenas quantias recebidas a título de direitos.
            Desde que me desdobrei em editor, pude observar o outro lado do palco, as coxias e os camarins, bem como os esforços de publicidade e, finalmente, os magros resultados da bilheteria. E pude viver em sobressaltos por conta de vários pequenos fatores de desordem, imprevistos criados por prestadores de serviço, por funcionários e, claro, também por mim.
            Isso produz alguma esquizofrenia.
            Por exemplo: como autor, louvo e admiro o editor da Ateliê, pelo seu importante papel cultural de dar voz a autores estreantes; olho meu próprio primeiro livro de ficção, perfeito no seu design e acabamento, e me lembro de quando o editor me telefonou, dizendo que gostara de ter lido o texto e que por isso ia publicá-lo. Fico, então, feliz que existam alguns poucos como ele. Mas como editor, no dia seguinte, espanto-me com a temeridade do colega, que vai publicando novatos e investindo capital em obras de retorno improvável. Seguisse o meu impulso, como sou seu amigo (e parceiro em vários outros projetos), já lhe teria telefonado, aconselhando-o a não fazer imprudências como essa. Mas volta de novo a voz do autor, e já não telefono, preferindo referi-lo como exemplo a outros autores.
            Há algum tempo, quando era apenas autor, ficava muito irritado quando alguém me dizia que não tinha encontrado algum dos meus livros nas livrarias que frequentava. Praguejava, maldizia a ineficácia da editora, escrevia uma carta de reclamação.
Agora, como editor, continuo ficando irritado, mas além de me enervar por conta dos meus próprios livros, enervam-me em acréscimo as idênticas reclamações de autores publicados pela editora que dirijo. E como me esforço, todos os dias, para minorar os problemas da distribuição, o resultado é uma irritação elevada ao quadrado. A novidade é que ela agora se distribui contra vários alvos simultâneos: o livreiro, que quer descontos tanto mais escorchantes quanto maior é a importância da sua livraria; o distribuidor, que nem sempre faz um bom trabalho, a menos que também tenha, por sua vez, descontos inviáveis; os serviços internos das editoras, que canalizam os seus esforços para a divulgação daqueles títulos que trazem rendimentos mais seguros; o sistema educacional brasileiro, assentado na cultura do xerox e da apostila mal editada; as desastrosas políticas econômicas, que fazem o país passar por seguidas crises de desemprego e instabilidade econômica... Quando um autor me telefona, queixando-se da distribuição do seu livro, penso em pôr ordem no pensamento e lhe explicar tudo isso, mas logo desisto, porque ele provavelmente, como eu em outros tempos, não estará interessado ou simplesmente não acreditará em nada e pensará que são apenas desculpas por um trabalho mal realizado.
Nem tudo, porém, são divergências entre o ponto de vista do autor de ontem e o do editor de hoje. Um ponto central de concordância é o apreço à instituição da editora universitária. Como autor, a minha dívida é enorme: foram a Editora da Unicamp e a Editora da USP as que acolheram a publicação dos trabalhos a que dediquei a maior parte da minha vida intelectual. Se não existissem editoras universitárias que investissem numa política consistente de apoio à publicação de resultados de pesquisa, a parte mais importante dos trabalhos que realizei ao longo de 25 anos de carreira acadêmica estaria ainda inédita, restrita às estantes de teses dessas duas universidades. Em consequência, é muito provável que os demais trabalhos que acabei lançando por outras editoras não tivessem chegado a ser publicados.
Como editor, tento pagar essa dívida, apostando no modelo de editora universitária que me parece o melhor: o que privilegia a exigência acadêmica e a relevância científica na hora de selecionar os títulos, em detrimento das projeções de vendas. Ou seja, procuro entender que a saúde financeira da Editora é apenas uma condição para que ela cumpra o seu papel essencial de lugar de divulgação dos resultados importantes da pesquisa universitária.
Não é uma tarefa simples, como pode parecer, pois implica afrontar a crescente pressão para tornar hegemônico um modelo de editora universitária em moldes comerciais, atenta basicamente aos resultados de venda, aos balanços financeiros e orgulhosa do seu crescente afastamento das instâncias de julgamento qualificado e dos critérios de avaliação acadêmica.
Por fim, um último registro de concordância: o de que a boa editora é aquela trata bem o seu autor, que o compreende não como um elemento de mão de obra, ou como um mero cliente de serviços, mas como parceiro essencial, colega numa tarefa de construção e divulgação do conhecimento, e não mero produtor de mercadoria de sucesso ou de encalhe. É um ideal de editora, e é um fato digno de registro que esse ideal, quando se realiza, quase sempre o faz numa editora mantida e dirigida por uma instituição universitária de primeiro nível.


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