Este texto foi escrito para integrar o
volume A versão do autor, organizado
por Jonathan Busato, Laura Moreira e Milton Nakanishi, e publicado pela
ComArte, em 2004.
Fazia um ano que eu começara a dirigir
a Editora da Unicamp, quando me pediram o depoimento. Por isso, em vez de falar
como autor, preferi falar como dublê de autor e editor.
Hoje, em busca de material para uma memória,
encontrei esse texto. E por trazer muitas coisas em que acredito, neste momento
da nossa história editorial em que muita coisa mudou e está mudando no que diz
respeito a editoras universitárias, resolvi publicá-lo no blog.
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Durante muitos anos, fui exclusivamente
autor de textos. Alguns, perdidos; a maior parte merecidamente abandonada e
esquecida em velhos disquetes de computador, que já não servem nas máquinas
modernas; e uns poucos encadernados. Depois, por acidente de percurso,
improvisei-me há pouco mais de um ano editor universitário.
Como
autor, sempre reclamei da demora dos trâmites para a elaboração dos livros, dos
atrasos constantes dos cronogramas, dos imprevistos de toda ordem durante o
processo de edição e lançamento, bem como lamentei a má distribuição, a
morosidade da prestação de contas, as pequenas quantias recebidas a título de
direitos.
Desde
que me desdobrei em editor, pude observar o outro lado do palco, as coxias e os
camarins, bem como os esforços de publicidade e, finalmente, os magros
resultados da bilheteria. E pude viver em sobressaltos por conta de vários
pequenos fatores de desordem, imprevistos criados por prestadores de serviço,
por funcionários e, claro, também por mim.
Isso
produz alguma esquizofrenia.
Por
exemplo: como autor, louvo e admiro o editor da Ateliê, pelo seu importante
papel cultural de dar voz a autores estreantes; olho meu próprio primeiro livro
de ficção, perfeito no seu design e acabamento, e me lembro de
quando o editor me telefonou, dizendo que gostara de ter lido o texto e que por
isso ia publicá-lo. Fico, então, feliz que existam alguns poucos como ele. Mas
como editor, no dia seguinte, espanto-me com a temeridade do colega, que vai
publicando novatos e investindo capital em obras de retorno improvável.
Seguisse o meu impulso, como sou seu amigo (e parceiro em vários outros
projetos), já lhe teria telefonado, aconselhando-o a não fazer imprudências
como essa. Mas volta de novo a voz do autor, e já não telefono, preferindo
referi-lo como exemplo a outros autores.
Há
algum tempo, quando era apenas autor, ficava muito irritado quando alguém me
dizia que não tinha encontrado algum dos meus livros nas livrarias que frequentava.
Praguejava, maldizia a ineficácia da editora, escrevia uma carta de reclamação.
Agora, como editor, continuo ficando
irritado, mas além de me enervar por conta dos meus próprios livros, enervam-me
em acréscimo as idênticas reclamações de autores publicados pela editora que
dirijo. E como me esforço, todos os dias, para minorar os problemas da
distribuição, o resultado é uma irritação elevada ao quadrado. A novidade é que
ela agora se distribui contra vários alvos simultâneos: o livreiro, que quer
descontos tanto mais escorchantes quanto maior é a importância da sua livraria;
o distribuidor, que nem sempre faz um bom trabalho, a menos que também tenha,
por sua vez, descontos inviáveis; os serviços internos das editoras, que
canalizam os seus esforços para a divulgação daqueles títulos que trazem
rendimentos mais seguros; o sistema educacional brasileiro, assentado na
cultura do xerox e da apostila mal editada; as desastrosas políticas
econômicas, que fazem o país passar por seguidas crises de desemprego e instabilidade
econômica... Quando um autor me telefona, queixando-se da distribuição do seu
livro, penso em pôr ordem no pensamento e lhe explicar tudo isso, mas logo
desisto, porque ele provavelmente, como eu em outros tempos, não estará
interessado ou simplesmente não acreditará em nada e pensará que são apenas
desculpas por um trabalho mal realizado.
Nem tudo, porém, são divergências entre
o ponto de vista do autor de ontem e o do editor de hoje. Um ponto central de
concordância é o apreço à instituição da editora universitária. Como autor, a
minha dívida é enorme: foram a Editora da Unicamp e a Editora da USP as que
acolheram a publicação dos trabalhos a que dediquei a maior parte da minha vida
intelectual. Se não existissem editoras universitárias que investissem numa
política consistente de apoio à publicação de resultados de pesquisa, a parte
mais importante dos trabalhos que realizei ao longo de 25 anos de carreira
acadêmica estaria ainda inédita, restrita às estantes de teses dessas duas
universidades. Em consequência, é muito provável que os demais trabalhos que
acabei lançando por outras editoras não tivessem chegado a ser publicados.
Como editor, tento pagar essa dívida,
apostando no modelo de editora universitária que me parece o melhor: o que
privilegia a exigência acadêmica e a relevância científica na hora de
selecionar os títulos, em detrimento das projeções de vendas. Ou seja, procuro
entender que a saúde financeira da Editora é apenas uma condição para que ela
cumpra o seu papel essencial de lugar de divulgação dos resultados importantes
da pesquisa universitária.
Não é uma tarefa simples, como pode
parecer, pois implica afrontar a crescente pressão para tornar hegemônico um
modelo de editora universitária em moldes comerciais, atenta basicamente aos
resultados de venda, aos balanços financeiros e orgulhosa do seu crescente
afastamento das instâncias de julgamento qualificado e dos critérios de
avaliação acadêmica.
Por fim, um último registro de
concordância: o de que a boa editora é aquela trata bem o seu autor, que o
compreende não como um elemento de mão de obra, ou como um mero cliente de
serviços, mas como parceiro essencial, colega numa tarefa de construção e
divulgação do conhecimento, e não mero produtor de mercadoria de sucesso ou de
encalhe. É um ideal de editora, e é um fato digno de registro que esse ideal,
quando se realiza, quase sempre o faz numa editora mantida e dirigida por uma
instituição universitária de primeiro nível.
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