Acabo de postar duas figuras. São dois haiga, isto é, haikais acompanhados de desenhos. Por conta de textos como o de Fenollosa, muitos de nós estamos acostumados a pensar que a caligrafia de alguma forma revela o lado pictórico do ideograma. Ou que, para dizer de uma forma familiar, ela revele os harmônicos, ou seja, os componentes ideogramáticos comuns que integram várias palavras.
terça-feira, 15 de novembro de 2022
Mais um pouco de haikai (2) - ideogramas, haiga etc
Haiga - poesia + imagem
Comparando os dois haikais, o de Bashô me parece mais impressionante. À primeira leitura, o de Kishú pode até parecer melhor, porque a cena tem movimento e o sentido é óbvio. Já no de Bashô tudo está reduzido ao mínimo. Por isso, não é difícil ver na cena do corvo que acaba de pousar no galho seco uma figura do outono, ou mesmo do inverno que se anuncia. No caso do haikai de Kishú, o entardecer de outono é um enquadramento sazonal e uma explicação, por assim dizer. No de Bashô é também um enquadramento, claro, mas o haikai não tem nada de explicativo. A cena se torna um símbolo (ou mesmo, forçando um pouco a barra: uma metáfora) do outono que termina e por isso desperta em nós o mesmo tipo de sentimento ou disposição de espírito que aquele preciso momento do ciclo natural.
segunda-feira, 8 de novembro de 2021
Um haiga de Bashô
Ainda revisitando o mundo do haicai me deparo com o desenho que Bashô fez para ilustrar um seu haicai famoso. Aquele que diz: um corvo pousado num ramo seco – entardecer de outono. Ou: um corvo acabou de pousar num galho seco - entardecer de outono. E me lembro: quando li esse haicai pela primeira vez eu não conhecia esse desenho, nem tinha visto como nele vem o haicai grafado quase todo em silabário. Minha imaginação, ao ler, pintou a cena: uma árvore sobre uma paisagem desolada, na qual a ave aparecia em posição de destaque. Talvez na origem dessa fantasia estivesse o corvo do Poe, com sua figura funesta dominando o busto de mármore, e eu apenas o tivesse transposto para um lugar ermo, mas em primeiro plano. Fosse como fosse, a verdade é compus mentalmente uma cena carregada. Algum tempo depois, quando preparava o livro sobre a história do haicai, deparei com o desenho que Bashô fez para acompanhar o haicai e fiquei um pouco perplexo. Então era isso? Aquele passarinho pousado num arbusto que mais parecia um bonsai? E o haicai vinha lá em cima, em duas linhas bem compridas, por conta da forma de escrita escolhida? Não havia dramatismo ali. Pelo menos, não do tipo que eu imaginava na minha cena quase fantasmagórica. Acredito que essa experiência, a princípio um pouco deceptiva, trouxe uma lição e orientou, dali por diante, a minha maneira de imaginar e interpretar as cenas pintadas apenas com palavras nos haicais.