Um amigo me diz que há interesse entre poetas jovens pelas questões de métrica. Eu julgava que não, e fiquei animado com a notícia. Resolvi, então, fazer aqui uma pequena provocação.
E é a seguinte: quando dizemos que a nossa versificação é silábico-acentual, queremos dizer exatamente o quê? Que a base é silábica e que a distribuição das tônicas de verso (ou pausas, como diria Castilho) ocorre segundo esquemas tradicionais. Exemplo: uma linha que tem dez sílabas poéticas, tem tônicas de verso preferenciais na quarta ou na sexta. No primeiro caso, o do verso sáfico, ocorre também na maioria dos casos um acento na oitava sílaba. E no segundo caso, o do verso heroico, há uma variante com acento na terceira e outra com acento na segunda.Essa seria uma definição correta, porque tradicional. E porque tem guiado, no nível básico, a prática por décadas ou séculos.
Entretanto, como reconhece o próprio Castilho, há poetas em cuja obra predomina o verso correto, porém ruim...
Sempre pensei nisso, e terminei por suspeitar de que talvez haja outra componente importante da nossa versificação, que possa explicar em parte esse paradoxo do verso correto, porém mau. O que, em certo sentido, é uma conversa sobre como o metro e o ritmo combinam ou não combinam, conversam ou não conversam.
Do meu ponto de vista, essa componente é o caráter acentual da nossa língua, enfatizado pela nossa versificação. (Quase diria: a oralização literária, o modo como oralizamos tanto a poesia quanto a prosa literária, acentua o lado acentual da língua, mas essa é outra discussão.)
Em suma, na denominação “silábico-acentual”, creio que devem ter o mesmo peso os dois termos. Com isso quero valorizar outro aspecto do “acentual”: uma versificação ou oralização baseada na tendência de que entre uma tônica e outra haja aproximadamente o mesmo intervalo de tempo. Ou seja, que haja isocronismo entre as tônicas. Na versificação acentual, para isso acontecer, quando há menos sílabas entre uma e outra tônica, inserem-se pausas; e quando há mais sílabas, a velocidade da elocução é maior.
Que há versos em português assim construídos, em prejuízo da base silábica, parece certo. Um exemplo é a cantiga que diz: palma palma palma / pé pé pé / roda roda roda / caranguejo peixe é. A base silábica é redondilha menor: cinco sílabas. No segundo verso, em vez de uma átona depois de cada “pé” temos, para completar o pé, uma pausa. Já no último verso é preciso alguma ginástica para enquadrá-lo no tempo da cantiga. Talvez a pausa entre versos seja usada para abrigar as duas primeiras sílabas (caran-), porque tudo soa muito natural quando cantado.
Se assumirmos que a isocronia é algo importante na nossa versificação, muita coisa muda na nossa maneira de entender o ritmo dos versos tradicionais, como o decassílabo e as medidas velhas...
E aqui, eu creio, pode começar uma outra discussão, sugerida por outro amigo: a caracterização do poema em prosa em português. Minha intuição, sem ter pensado muito no assunto, é que um texto de poema em prosa, não tendo metro, no sentido estrito, pode seguir esse princípio: o de favorecer ou incentivar a leitura, silenciosa ou em voz alta, que destaque a isocronia.
Castilho andou buscando algo assim, quando escandiu trechos imensos de boa prosa, em busca dos metros clássicos. Não conseguiu nenhum resultado. Talvez mesmo porque ali não era o metro silábico que contava, mas o princípio da versificação acentual.