Estávamos falando sobre Caetano Veloso. Começou com a homenagem em Salamanca. Lembramos que Alcir e eu fizemos um livrinho com as suas letras, tiradas de ouvido, em 1980 ou 1981. O assunto mudou aos poucos, mas eu continuei nele, derivando: passei a recordar que, antes do Caetano, escrevemos na mesma coleção sobre Rubem Braga. Naquele tempo, foi um deslumbramento. Para mim, foi uma descoberta muito mais importante do que o vislumbre da totalidade (até então) das letras e textos de Caetano. Lemos de enfiada todos os livros do Velho Braga. Aprendemos, nos emocionamos e nos divertimos a valer. Após a leitura individual, relíamos em voz alta as crônicas que mais impressionaram. Até um volume que pelo título parecia desinteressante se revelou delicioso: “Com a FEB na Itália”. Em todos os livros, impressionou-me o lirismo intenso. Pensei e ainda penso, sem ter retornado a elas, que muitas dessas crônicas são maravilhosos poemas em prosa. O notável era o tom, o jeito de quem nunca perdia de vista o leitor, a figura mais ampla e variada de leitor, o da imprensa cotidiana. Seus textos nunca eram poesia pura, nesse sentido. Eram poesia contaminada pela presença do leitor, pela dimensão da coluna e pela atualidade, ou melhor, pela afirmação do interesse no presente. A liberdade da crônica, sua versatilidade e descompromisso de registro fazia com que a leitura de um livro se assemelhasse muito à de um volume de poemas, melhor dizendo, daquele tipo de livro de poemas que chamávamos de álbum, em contraposição ao livro organizado como livro, com começo, desenvolvimento e fim. Essa versatilidade permitia extrair muitos poemas de notícias de jornal, e, na direção contrária, transformar muitos momentos líricos em um tipo de notícia: a crônica, o relato do tempo que passa ou já passou. O mais corriqueiro se elevava a símbolo, o mais alto símbolo podia ser trazido ao nível literal do chão e fazer rir ou enternecer. Ainda hoje me ocorre que a crônica, entendida dessa forma, é a poesia de fato integrada aos meios de comunicação de massa. E também me ocorre algo que ainda preciso pensar melhor: que há um momento na obra do genial cronista que foi Machado em que a enorme liberdade de que ele dispunha nesse gênero invade o domínio do romance, onde ele até então era um comportado senhor, bem diferente do afiado e imprevisível cronista de jornal. Mas isso foi uma divagação dentro de outra. A que importava e me desviava repetidamente a tenção, enquanto a conversa voltava ao rumo da crítica às homenagens e títulos acadêmicos honoríficos, era a que me trazia à lembrança o impacto que teve a leitura sequencial das crônicas que Braga julgou por bem ajuntar e publicar em livro.