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terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Livros para o vestibular – o retorno .

Disse que não ia mais tratar da lista da Fuvest e não vou. Entretanto, creio que no assunto “lista de leituras obrigatórias para o vestibular” talvez valesse a pena ressaltar um ou dois pontos, independentemente do recorte canônico, identitário, idiossincrático, aleatório e o que mais puder ser imaginado como (des)qualificador. Penso principalmente nas implicações de indicar, em listas desse tipo, obras de autores vivos ou sob vigência dos direitos de autor. A argumentação da Fuvest reconhecia indiretamente o ponto que me incomoda, ao dizer que a escolha de um título poderia conferir prestígio a uma casa editorial. Porque essa situação só poderia ocorrer se um dado livro estivesse vinculado a uma dada editora por reserva de direitos, porque a indicação de um Machado ou de um Alencar nunca faria supor uma ou outra editora em particular. Está claro, entretanto, que nem tanto ao céu, nem tanto à terra – porque excluir liminarmente livros de autores que morreram há menos de 70 anos pode não ser a melhor escolha cultural ou pedagógica. Entretanto, há autores e autores, entre os que ainda detêm direitos. Graciliano Ramos, por exemplo, vai entrar só agora em domínio público, mas sua obra tem sido há anos relevante para a abordagem e estudo de questões literárias e sociais de primeira grandeza. Muitos outros autores cujos direitos estão reservados, vivos ou mortos, também importam literária ou socialmente, por certo. A antiguidade não é valor, como sabemos. Mas eu creio que é diferente o caso de um autor que publicou um livro há quatro ou cinco anos e o de um Graciliano ou José Lins do Rego ou Rachel de Queirós ou Clarice Lispector. Em primeiro lugar por conta de algo que é muito importante em literatura: a intertextualidade. Muitas obras literárias contemporâneas têm, no seu horizonte, os romances de um Graciliano ou Lins do Rego ou Jorge Amado – para não falar de Machado e Alencar ou Aluísio. Assim também as descrições históricas da cultura e da literatura brasileira. O que recobrimos com o adjetivo “literário” tem a ver, em medida variável mas nunca nula, com apropriação do passado, com apropriação ou subversão de uma ou várias obras, de uma tradição – com tradução, se quisermos pensar assim. Em segundo lugar porque obras com alguma duração (com um lugar canônico, vá lá...) tiveram várias edições e estão disponíveis em sebos e em bibliotecas públicas, escolares ou não. Já obras com reserva de direitos de duração curta ou de publicação recente, não. A indicação de obras estrangeiras, sem edição no Brasil, durante a vigência dos direitos autorais, é outro complicador. Lembro-me, a propósito, de quando a Unicamp inseriu na sua lista “Os cus de Judas”, de Lobo Antunes. O livro não havia no Brasil, e foi um sufoco: eu mesmo liguei da Editora da Unicamp ao autor, tentando obter dele um acordo para a produção imediata do livro. Para sorte da Unicamp e mais ainda de quem tinha acordo com a editora portuguesa, a obra conseguiu ser impressa a tempo no Brasil. Tudo isso para dizer que há evidentes implicações econômicas na escolha de autores vivos ou de obras sobre as quais ainda há direitos autorais, e que essas implicações deveriam ser levadas em conta. Principalmente se quem as vai eleger o faz por delegação de uma universidade pública. É que também do ponto de vista pedagógico há riscos, porque se não há exemplares em bibliotecas, se não os há em sebos e nem em quantidade suficiente no mercado ou com preço acessível, os maiores beneficiários serão os vendedores de resumos – sejam eles individuais, sejam institucionais (os cursinhos). Além disso, é claro que essa escolha processaria também, em alguma medida, uma seleção econômica: os que podem comprar livros teriam (caso os livros precisassem mesmo ser lidos para bom desempenho na prova) uma vantagem substancial sobre os que não os podem comprar. A mim causa espécie que pessoas imbuídas de boa intenção e de crença no poder formador das listas passem batido sobre essa questão básica: a disponibilidade de exemplares em bibliotecas e em sebos, ou a bom preço em livrarias. Já nem digo sobre o que pode haver de favorecimento voluntário ou involuntário a editoras ou mesmo a autores, na indicação de obras sob reserva de direitos, pois creio que o principal problema, do ponto de vista do ensino e da aprendizagem, é o que veio antes.

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