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domingo, 17 de dezembro de 2023

Sobre a lista feminina da Fuvest

 Acabo de ler, entre divertido e perplexo, um artigo assinado por Maria Arminda do Nascimento Arruda, Aluísio Cotrim Segurado e Gustavo Ferraz de Campos Monaco. São três autoridades da USP. A primeira é vice-reitora, o segundo é pró-reitor de Graduação e o terceiro é diretor-executivo da Fuvest. O tópico é a lista de autoras de leitura obrigatória para o vestibular. Leio ali, por exemplo, que “tradicionalmente, o cânone literário tem valorizado autores já consagrados”. É difícil imaginar o que os autores quiseram dizer. Tradição, cânone e consagração comparecem ali numa lapalissada ridícula. Podemos fazer variações com esses termos. A tradição valoriza autores consagrados, a tradição é a consagração de autores, autores consagrados são a tradição; o cânone valoriza a tradição, o cânone é a tradição, o cânone é a consagração. Podíamos pensar pelo lado contrário: o cânone tem valorizado autores não consagrados, o cânone tem valorizado obras não tradicionais, a tradição é constituída de autores não consagrados ou não canônicos. Fico imaginando que conceitos de tradição, de cânone e de consagração foram mobilizados nessa afirmação. Mas confesso que não consigo... A leitura, porém, de outras passagens do artigo permitem entender. É que ali se encontra a empáfia em corpo inteiro. É verdade que parece ter havido um tempo em que a Universidade de São Paulo tinha, a partir das suas cátedras, o poder ou a ilusão de criar ou orientar o cânone. Mas creio que já vai longe o tempo em que se poderia dizer com propriedade que a marginalidade de autores/as no ensino médio decorre de eles/as “não fazerem parte do rol de exigências da Fuvest”. Também se lê ali que o compromisso da Fuvest é “acompanhar o avanço do conhecimento e induzir a que o ensino médio possa absorver as pesquisas mais avançadas”.  Ora, além do que já destaquei, basta contrapor essa afirmação aos nomes que integram o abaixo-assinado a que esse texto responde. De fato, ali encontramos um rol de críticos e professores (a maior parte da própria USP) que sem dúvida desenvolve o que quer que se entenda por “pesquisas mais avançadas” na área dos estudos literários. Por fim, é tão pueril dizer que a lista feminina surgiu como remédio ao fato de que os estudantes leem resumos e não as obras (pois se for assim é claro que vão ler agora resumos dos livros das autoras indicadas), quanto que a escolha não tem um caráter ostensivamente militante – o que só é verdadeiro se admitirmos que demagogia e populismo são opostos a militância ostensiva. O que, pensando bem, combina com essa descoberta genial de que “tradicionalmente, o cânone literário tem valorizado autores já consagrados”. O nível da argumentação das três autoridades uspianas não só corrobora o que já estava óbvio nas entrevistas do diretor-executivo da Fuvest, isto é, o despreparo e a falta de domínio do campo literário, mas também a autonomização da burocracia (as bancas são um dos segredos mais bem guardados!), em prejuízo do debate aberto e da valorização da competência científica nessa que foi, em tempos, um modelo da universidade brasileira. 

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