Itamar Vieira Júnior escreveu um texto sobre Vini Júnior. Nele, o escritor, a pretexto de manifestar solidariedade ao jogador, contesta uma crítica ao seu novo romance. Diz ele:
“Acabei de colocar um romance na rua e nele mais uma vez segui meu propósito de narrar a história da minha gente, daqueles que me antecederam e daqueles que me cercam. Estou no meio literário há pouco tempo, mas já acumulei repertório suficiente para escrever uma etnografia desse grupo. É claro que eu esperava racismo por minha insubordinação de continuar a escrever. Esperava que alguém me lembrasse, como o professor branco, que meus pés jamais deveriam ter deixado a senzala.”
“Então vou contar para vocês os adjetivos que ganhei de uma professora branca em redes sociais simplesmente porque decidi ignorar a "cusparada": "sujeito" (alguém inferior que não pertence à sua classe e raça), "arrogante" (já vi o mesmo adjetivo destinado a outros corpos negros altivos, como Djamila Ribeiro, Luiza Bairros e Silvio Almeida) e "preguiçoso mental" (será que é um insulto xenófobo por eu ter nascido e ainda viver na Bahia?).”
Curioso, fui atrás do quiproquó.
Li, primeiro, o texto de Lígia G. Diniz. E, nele, estes trechos que devem ter irritado sobremaneira o escritor:
“Talvez, no entanto, a literatura de Itamar Vieira Junior encarne, mais do que qualquer outra no país, o espírito do tempo, e isso as vendas mostrarão melhor do que uma resenha. É mesmo um mérito saber sintetizar assim uma tendência. Para a literatura brasileira, porém, esse sucesso aponta o status enfraquecido da ficção imaginativa e o triunfo da narrativa didática e moralizante, que se esquiva da complexidade humana e finca o pé na prescrição de como o mundo deve ser encarado.
Não se trata só de sucesso de público, no entanto, e é preciso refletir acerca das razões para que esse tipo de literatura obtenha tanto espaço institucional — dos prêmios à atenção recebida pela mídia, o que inclui esta longa resenha. É frustrante que essas razões apontem para o caminho do autoflagelo fácil, e nada produtivo, de uma elite ilustrada que, para expurgar a culpa por seus privilégios, celebra narrativas maniqueístas (e, ironicamente, muito cristãs) em que miséria é sinônimo de virtude, e a desigualdade brasileira se explica pelas ações de monstros muito, muito malvados.”
É verdade que a autora da crítica, a julgar pela foto dela numa rede social, é branca. Mais que branca, pelo que vi: é ruiva e tem olhos claros. O que talvez, de um certo ponto de vista, a desqualifique de uma vez por todas para tratar do texto de um homem pardo. (Penso agora que talvez eu mesmo, apesar de não ser totalmente branco na Europa por conta da costela árabe, sendo suficientemente branco aqui, devesse ser forçado a calar a boca nesse caso.)
Aliás, “calar a boca” foi o motivo da tal briga em rede social a que alude Itamar. E foi assim: ele bloqueou a crítica numa das suas redes, e ela reclamou disso em público. Foi aí que disse que a recusa dele à crítica era preguiça mental e que o bloqueio foi prova de arrogância. Ele, por sua vez, na Folha, equiparou essa reclamação aos insultos recebidos por Vini Jr. e logo traduziu tudo em clave identitária. Afinal, além de ela ser branca, o editor da Quatro Cinco Um (segundo Itamar, pois eu não conheço ninguém ali) é branco!
Ora, mesmo correndo o risco de também ser equiparado à torcida espanhola que xingava Vini Jr. de macaco, devo dizer que a crítica da Lígia me pareceu rigorosa, coerente e sem ponta de racismo.
Por isso mesmo, creio que o Itamar, ao equipará-la aos torcedores espanhóis e ao se comparar ao Vini Jr. apenas reforça, confirma a propriedade da crítica que ela faz nos parágrafos transcritos.
Ou seja, sem absorver a crítica, ele optou por bloquear a autora dela, tirar-lhe o direito de fala no perfil dele, o que deve parecer grave para os que frequentam esse universo fervente que são as redes sociais. Caindo ela na esparrela de reclamar, Itamar conseguiu a resposta mais fácil e lucrativa ao texto dela: tratou logo de se engatar no Vini Jr, surfar na onda e faturar. Com um ganho adicional, qual seja o de prevenir-se de futuras críticas de pessoas não-negras ou não-pardas. Como quem diz: - olha aqui, brancos e brancas: vocês podem ler os meus livros, mas a atitude correta que lhes cabe é fazer logo um ato de contrição e calar a boca sobre qualquer reparo que queiram fazer aos meus produtos, seus racistas!
Caro Paulo Franchetti, espero que tudo esteja bem contigo! Antes de ir ao assunto que me leva a te escrever, gostaria de dizer que encontrar os teus textos me fez muito feliz! Ao mesmo tempo, sei que isto revela o quanto sou ignorante em relação à produção de crítica literária no Brasil, já que você tem uma longa e respeitada história nesta área. O fato de morar fora do Brasil há bastante tempo não justifica, mas talvez amenize a minha ignorância. De tanto gostar dos textos teus que tenho lido, resolvi, cheio de dedos, correr o risco de solicitar o teu endereço para que eu possa enviar um exemplar do meu livro de poesia, A Água Volta Como Memória, recém publicado pela Kotter Editorial. Digo correr o risco porque, pelo que li, você tem mais diminuído que acrescentado livros à tua biblioteca. Por isso mesmo, caso aceite recebê-lo, deixo aqui a minha autorização expressa para que o descarte tão logo queira fazê-lo. Embora o livro tenha recebido uma bela avaliação do editor da Kotter, caso o meu texto mereça, gostaria de ter uma crítica mais isenta e bem fundamentada. Seria de imenso valor para o meu trabalho. O meu email é silvino.silvas@gmail.com. Com um cordial abraço, Silvino
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