Morreu Clara Pinto Correia. Foi uma das mulheres mais lindas que não conheci (apenas por e-mail ou por fotografias) e uma escritora de talento. Prefaciei um livro dela, porque ela queria que alguém percebesse a leveza, e julgava que eu, por ter trabalhado com o haicai, poderia fazê-lo.
Nela, eu gostava de tudo: da cientista brilhante, empenhada na pesquisa, no ensino e na divulgação do conhecimento, da jornalista, da escritora e da performer, que tinha muito gosto de épater le bourgeois. Foi justamente esta faceta a que a perdeu em definitivo.
É certo que houve o episódio de 2003, em que quatro parágrafos foram por ela copiados de um artigo do New Yorker. As circunstâncias ainda me parecem um pouco obscuras, pois ninguém plagia conscientemente um jornal lido em toda parte... Mas inveja do brilho e o ressentimento pelas provocações tiveram ali o gatilho para iniciar a obra de destruição.
Clara poderia ter dito como o conde de Abranches, em Alfarrobeira: 'É fartar, vilanagem!” E de fato a vilanagem se fartou, e o episódio chegou a matéria na tv nacional.
A gota d’água, porém, veio em 2010: uma exposição, intitulada “Sexpressions”, em que 10 fotografias mostravam em close o rosto de Clara enquanto tinha orgasmo.
O fotógrafo era seu marido na época. Mas aquilo que poderia ter sido visto como uma eficaz junção de amor, reivindicação feminista e arte foi matéria de inaudito escândalo.
Com bem resumiu António Araújo, Clara foi “uma vítima não-inocente do paroquialismo do meio cultural português, que procedeu à sua defenestração implacável, em parte por inveja, em parte por atávica misoginia.”
E assim a bióloga brilhante, a competente divulgadora científica, a escritora premiada e a cronista outrora de sucesso foram reduzidas a um plágio e a um orgasmo.
Como consequência desses dois episódios, mas principalmente do último, Clara foi perdendo tudo: emprego, credibilidade, respeito e até a casa em que vivia há décadas, cuja proprietária não mais quis alugar-lhe. Pelo que andei lendo nos últimos tempos, aos poucos, ao longo de tantos anos de ostracismo, parece ter começado também a perder a razão.
Foi há pouco encontrada morta na casa em que vivia isolada, no centro de Estremoz, no Alentejo, aos 65 anos de idade
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