quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Poesia e inteligência artificial

 Acho interessantes algumas reações ao chat de Inteligência Artificial. As pessoas dizem: é um programa, não tem sentimentos, não tem emoções, não traduz nenhuma mensagem etc. Sim, é um programa. Sim, não tem emoções, nem sentimentos. Mas não estamos mais falando de programas como a Siri ou a Alexxa. Aqui se trata de  programas que permitem criar algo novo, a partir de parâmetros. Isso é mais ameaçador, mais instigante ou mais animador, conforme o ponto de vista. Porque nós também funcionamos assim. Quero dizer: somos seres de linguagem, temos os protocolos todos. E somos também regidos por eles. Mudar esses protocolos é para nós difícil. Temos apego emocional a eles. E como custaram esforço tendemos a querer mantê-los. Já a IA tem, nesse sentido especial, mais “liberdade”, por assim dizer.  Como provocação, podia referir textos como o Tradição e o talento individual, do Eliot, ou a Conferência sobre lírica e sociedade, do Adorno. Se ao poeta se pede, no lirismo, uma despersonalização ou um mergulho na língua, de modo que ele seja um lugar de atualização da tradição ou uma voz pela qual a linguagem fale, e não ele, então o que poderá acontecer quando programas como o ChatGPT tiverem aprendido o suficiente, tiverem internalizado vários “paideumas” (para usar o termo do Pound), e puderem responder a comandos humanos que lhes peçam um poema? Eu mesmo tive surpresas quando lhe pedi para fazer haikais. Num primeiro momento, veio tudo muito explícito. Então lhe fiz um pedido não muito simples. Que encontrasse uma situação que transmitisse o sentimento ou sensação designada por uma palavra, sem a utilizar. Pedi-lhe que encontrasse, nos termos do Eliot, um “correlato objetivo”. E a máquina fez. Ou seja, os protestos humanistas não atingem o alvo. Também porque quem pode garantir que um poeta, ao fazer um poema, não esteja agindo exatamente como o ChatGPT, ou seja, mobilizando algoritmos e jogos de linguagem e protocolos que definem justeza, expressividade, profundidade etc? Dizer que um poema feito pela IA não vale o mesmo que um feito por um humano é supor que sempre um humano será “autêntico” ou expressará sentimentos reais ou coisa semelhante... Já quanto a produzir conhecimento, veremos. O ChatGPT mal completou 3 meses de vida. E está aprendendo rapidamente. E ainda mais rapidamente ampliando seu repertório.

Um comentário:

  1. Parabéns, professor Paulo, por seu texto bem escrito e pela visão progressista em relação ao Chatgpt. Esse é o caminho a seguir. Devemos nos adaptar aos novos paradigmas tecnológicos.

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