Em breve será lançada em russo, pela editora Dilúvio Editora, uma edição que preparei da poesia de Camilo Pessanha. Logo mais, o mesmo livro será publicado apenas em português.
O que há nele de novidade, além de eu ter optado por dispor de modo original a sequência dos poemas, são dois textos em que enfatizo um aspecto pouco trabalhado (ou mesmo ignorado) pela crítica.
Em linhas gerais, tanto no esboço biográfico quanto no ensaio interpretativo, desmonto mais uma vez a persistente legenda de que o poeta foi um desinteressado da vida prática e política.
Pelo contrário, como é fácil ver pela sua biografia documentada, o poeta se envolveu ativamente na propaganda republicana em Macau. Foi amigo de Sun Yat-Sen, o revolucionário chinês que liderou a implantação da república no seu país. Por fim, disposto à ação concreta naqueles tempos tumultuosos, o suposto “abúlico” foi, em 1911, um dos fundadores (sua ficha de sócio é a de número 2) da Associação de Atiradores Civis de Macau, destinada a defender a soberania portuguesa no território.
Ao longo do seu tempo na China, o poeta dedicou-se a colecionar arte chinesa, construindo uma coleção notável, que doou ao Estado português, e a estudar seriamente a língua e a literatura chinesa. Segundo depoimento de um amigo certo, Carlos Amaro, Pessanha traduziu profusamente do chinês, num caderno que chegou a levar a Portugal, mas que infelizmente se perdeu após seu falecimento.
No que toca à poesia, o que fiz foi mostrar como não é possível continuar a ler a poesia de Camilo Pessanha somente na clave da desistência e da atitude nefelibata. Pelo contrário: no pequeno conjunto de poemas que nos restaram dele, mais de 10% são textos em que a nação e o indivíduo, o destino de uma e o destino do outro, são – por assim dizer – intercambiáveis. Como digo lá, basta ler com olhos livres para constatar que “sua poesia entrelaça indivíduo e nação, em relações que ora podem ser compreendidas como causalidade, ora como pura tradução simbólica, na qual os sentimentos individuais encontram um adequado arsenal metafórico de alcance coletivo.”