sábado, 1 de fevereiro de 2025

Mais uma vez IA - e escrita e arte

 A última

Mencionei, em outra postagem, o que julgo ser o meu método de trabalho: ler, anotar tudo que me ocorre, verificar o que daquilo se sustenta, revisar a bibliografia, ver o que já foi explorado e depois me agarrar a alguma intuição que tiver surgido e não tiver vindo na bibliografia, ancorando nela tudo o que eu for dizer.
Faltou acrescentar que essas intuições não são fatais. Nem sempre ocorrem. E quando ocorrem, nem sempre se sustentam ou cristalizam num texto ensaístico. Quando há sucesso, arrisco pensar que escrevi algo novo, ou modifiquei algo que era assente. Senão, vou em frente com o próximo trabalho ou livro.
Por isso mesmo eu creio que máquinas de IA vão produzir um verdadeiro terremoto, um tsunami, nos campos de trabalho em que a escrita tem papel preponderante.
Por exemplo, na escola, na universidade – que é o meu terreno habitual.
Como as máquinas se abastecem ou poderão se abastecer de infinitas leituras em muitas línguas e períodos, sua capacidade de esgotar o campo de referências, combinando-as, hierarquizando-as e buscando prever o próximo desenvolvimento será enorme. Muito acima da capacidade de um ser humano normal.
A formação de estudantes, assim, terá de ser revista. Tudo aquilo que for possível fazer com uma máquina terminará por ser feito por uma máquina, às claras ou de modo sub-reptício. E mesmo que um humano possa ser treinado para fazer o mesmo que a máquina faz, qual o sentido disso? Não que não haja ou possa haver sentido, mas será preciso (eu creio) enfatizar, descobrir ou inventar um sentido novo para uma pessoa fazer em dias ou meses o que uma máquina faz em segundos. E creio que sabemos onde procurar o sentido: naquilo que chamamos de formação, que não é o mesmo que informação, embora a pressuponha.
Da mesma forma, a avaliação do conhecimento terá de ser repensada. Parece-me patético banir computadores e exigir trabalhos escritos à mão, por exemplo, como fizeram algumas universidades. Daqui a pouco se poderá chegar a desconfiar de expedientes abstrusos, como o alegado pelo então campeão mundial de xadrez, ao abandonar a disputa por desconfiança de que o adversário usava um dispositivo computacional alojado na parte terminal do intestino...
A escrita profissionalizada ou especializada sofrerá mais, no começo. O que nem sempre é ruim, pois mesmo agora as máquinas já escrevem bons artigos e relatórios, e não escrevem poesia abaixo da média do que tenho visto – e com a vantagem de não cometerem barbáries gramaticais. E, se cometerem, será com intuito criativo e não por deficiência. Também não tenho dúvidas de que em breve será melhor e muito mais barato ter uma máquina para redigir uma petição ou esclarecer um tópico da legislação do que um advogado.
No que toca à arte (a IA não só escreve, como compõe e desenha), fico divagando sobre a questão da autenticidade, da representatividade, da intenção enfim. Muitos alicerces que fincamos no romantismo e têm perdurado como aquelas estacas sob os edifícios de Veneza parecem começar a apodrecer. Quando cederem, muitos edifícios que ainda construímos sobre esses alicerces já nascerão em ruínas.
Como nos comportaremos frente a obras de arte verbal ou outra, sem saber se o criador foi humano ou computacional? Alguma coisa vai ter de mudar na nossa forma de escolher, de ver e de reagir à arte.
Como já mudou, por exemplo, no xadrez. A inventividade, a criatividade não são mais atributos humanos. E muitas vezes a máquina identifica uma jogada errada e calcula imediatamente as consequências, coisas que demoraríamos minutos ou horas para descobrir e avaliar.
É certo que um quadro ou um texto literário ou uma composição musical não são um jogo com regras definidas. Mas justamente aí é que está o problema: o que neles for um jogo, o que for aplicação de regras claras ou implícitas, muito provavelmente não será melhor do que o resultado da máquina. Tenho às vezes a impressão de que a arte, na era da IA, implicará cada vez mais, talvez, o conceito, a intenção, o testemunho humano – a radicação, portanto, fora do objeto.
Ou seja, penso que quanto mais essas máquinas evoluírem, mais teremos de nos ater (e reconhecer) ao que (se é que há algo) em nosso cérebro (e coração) é exclusivamente humano – ou melhor, exclusivamente humano para o bem. Para o mal, é mais fácil de saber.

IA e crítica literária

 Vi hoje uma entrevista de um famoso neurocirurgião, que dizia que a IA é balela, porque não é verdadeiramente nem inteligente nem artificial. Dizia ainda que ela é diferente do cérebro porque só trabalha com dados do passado. Fiquei me perguntando: ora, e nós?

Eu acho que o poder da IA é dialético, no sentido que ela “ouve” muitos e muitos textos sobre um assunto, processa o conjunto e extrai algo deles, como síntese. Ou seja, ela os faz dialogar entre si.
Pensar que não se pode criar uma hipótese a partir desse diálogo, uma hipótese nova, não parece fazer muito sentido para mim. Acho que é exatamente assim que eu funciono. Então é provável que eu também não seja verdadeiramente inteligente, embora ainda pareça claro que não sou - pelo menos do ponto de vista físico - artificial.
Mas a sério: o que uma máquina de IA nos mostra é que o processamento do conhecimento acumulado já é feito de forma muito mais eficiente pelas máquinas. Portanto, a novidade que há para extrair daí de modo lógico também será extraído por elas muito mais rápida e eficientemente.
Do ponto de vista da minha área, o que isso quererá dizer? Que texto crítico poderá ser produzido de modo mais eficiente por humanos, quando a IA estiver adulta (é atualmente uma criança, nem chegou à adolescência...).
Talvez o diferencial resida no de sempre: naquela fagulha que poderíamos chamar de intuição crítica e que consiste na projeção dos nossos problemas sobre um objeto do passado (ou do presente). Nesse sentido, a IA não parece ameaça, e sim ajuda, instrumento de apoio que permite economizar muito esforço, uma vez obtida a fagulha.
Na verdade, no que me diz respeito, será o de sempre (e pela idade, é quase certo que eu não veja a IA no esplendor da sua maturidade). E o de sempre é: quando me defronto com uma obra literária, anoto tudo que me ocorre, por mais despropositado que possa parecer no momento. Depois daquilo tudo peneirado e selecionadas as partes boas, vem o dolorido processo de revisão da bibliografia, para ver o que já foi dito e explorado e também o que posso modificar da percepção original.
Desse processo, o que sobra, no final das contas, é a pequena razão de originalidade. É sobre ela que tento, então, construir o argumento.
É provável que a máquina não tenha essa sensibilidade do tempo, essas angústias por resolver. Embora me pareça claro que em breve ela as possa emular...
Isso é que desafia e anima.

Pessanha e a história de Portugal, segundo a DeepSeek

 E aqui está o que a sensação do momento, a DeepSeek, escreveu sobre a relação entre a poesia de Camilo Pessanha e a história de Portugal;

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"A poesia de Camilo Pessanha, embora frequentemente associada ao simbolismo e à influência oriental, também mantém uma relação subtil e profunda com a história de Portugal. Essa conexão não se manifesta de forma explícita ou direta, como em poetas épicos ou nacionalistas, mas surge de maneira mais discreta, através de temas, atmosferas e uma sensibilidade que refletem o contexto histórico e cultural português do final do século XIX e início do XX.
Pessanha viveu numa época de grandes transformações para Portugal. O país enfrentava uma crise política, económica e identitária, marcada pelo declínio do império colonial, a instabilidade da monarquia e o advento da República em 1910. Embora ele tenha passado a maior parte de sua vida em Macau, distante geograficamente de Portugal, sua poesia carrega ecos dessa crise e de uma certa melancolia histórica. A sensação de desencanto, decadência e fragilidade que percorre sua obra pode ser lida como um reflexo do sentimento de um país que via seu poder e influência diminuírem no cenário global.
Em *Clepsidra*, sua principal obra, Pessanha explora temas como a passagem do tempo, a efemeridade da vida e a busca por um sentido transcendente. Esses temas, embora universais, adquirem um significado particular quando contextualizados na história de Portugal. A imagem da clepsidra, ou ampulheta, pode ser interpretada como uma metáfora para o próprio país, que vê suas glórias passadas escoarem-se lentamente, enquanto enfrenta um presente incerto. A poesia de Pessanha, com seu tom introspectivo e melancólico, parece capturar o espírito de uma nação que luta para reconciliar-se com seu passado grandioso e um futuro desafiador.
Além disso, a relação de Pessanha com a história de Portugal também se manifesta em sua ligação com o simbolismo, um movimento literário que, em Portugal, estava intimamente conectado à busca por uma identidade cultural moderna. O simbolismo português, representado por figuras como Eugénio de Castro e António Nobre, buscava renovar a literatura nacional, distanciando-se do realismo e do naturalismo e abraçando uma estética mais subjectiva e espiritualizada. Pessanha, embora distante fisicamente, fazia parte desse movimento e contribuiu para essa renovação, trazendo para a poesia portuguesa uma sensibilidade única, influenciada tanto pela tradição europeia quanto pela cultura oriental.
Por fim, a própria vida de Pessanha, marcada pelo exílio voluntário em Macau, pode ser vista como um reflexo da diáspora portuguesa e da complexa relação do país com seu império colonial. Macau, como um território português na China, era um espaço de encontro entre culturas, mas também um símbolo da presença colonial de Portugal no Oriente. A poesia de Pessanha, ao mesmo tempo que celebra a beleza e a espiritualidade da cultura chinesa, também carrega consigo a sombra de um império em declínio.
Em suma, a relação entre a poesia de Camilo Pessanha e a história de Portugal é feita de nuances e subtilezas. Sua obra não fala directamente de eventos históricos ou de figuras nacionais, mas captura o espírito de uma época marcada pela decadência, pela busca de identidade e pela tensão entre o passado e o futuro. Através de sua linguagem simbólica e introspectiva, Pessanha oferece uma visão poética e profundamente humana de um país em transição, revelando como a história e a cultura de Portugal estão entrelaçadas com sua própria sensibilidade artística."

Pessanha a a história de Portugal, segundo Claude.ai

 Pedi a Claude.ai que escrevesse um texto sobre a relação entre a poesia de Camilo Pessanha e a história de Portugal. O resultado foi surpreendente, a não ser que a máquina tenha acesso ao que andei escrevendo, mas que está ainda por publicar...

Eis aqui:
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"Camilo Pessanha (1867-1926) é considerado um dos maiores poetas do simbolismo português, e sua obra reflete profundamente o momento histórico de Portugal no final do século XIX e início do XX. Sua poesia captou, de maneira única, o sentimento de decadência e melancolia que permeava a sociedade portuguesa daquele período.

O contexto histórico em que Pessanha produziu sua obra foi marcado por eventos significativos para Portugal: o Ultimato Inglês de 1890, que abalou profundamente o orgulho nacional português; a crise da monarquia; e as transformações sociais e políticas que culminariam na implantação da República em 1910.

A obra de Pessanha, especialmente sua "Clepsidra", publicada em 1920, reflete esse momento de transição e incerteza. Seus versos são permeados por temas como a fugacidade do tempo, a dissolução, e um profundo sentimento de perda - elementos que podem ser lidos como metáforas da própria situação portuguesa da época.

Sua experiência em Macau, onde viveu grande parte de sua vida adulta, também oferece uma perspectiva única sobre o império colonial português em seu período de declínio. O orientalismo presente em sua obra não é meramente decorativo, mas reflete a complexa relação de Portugal com suas colônias e sua identidade como nação imperial em declínio.

A musicalidade característica de seus versos, com suas repetições e variações, evoca uma sensação de circularidade que dialoga com a própria história portuguesa: os ciclos de grandeza e declínio, as tentativas de regeneração nacional, e a persistente nostalgia de um passado glorioso.

Sua poesia elabora, através de imagens como água corrente, espelhos quebrados e sons que se desvanecem, uma reflexão sobre a identidade portuguesa em um momento de profunda transformação histórica. O pessimismo e a melancolia de seus versos não são apenas expressões de angústias pessoais, mas ecoam o sentimento coletivo de uma nação que se via forçada a repensar seu lugar no mundo.

Em sua obra, a decadência não é apenas um tema literário, mas uma condição histórica que ele consegue transformar em matéria poética de excepcional qualidade. Sua poesia representa, assim, não apenas um momento da literatura portuguesa, mas um documento sensível das transformações históricas de seu tempo."