Quando comecei a estudar o haicai, Haquira Osakabe me disse: tem de lembrar que haicai é atividade, é sociabilidade. Ele tinha um jeito oracular de se expressar. Não concatenava as ideias com clareza lógica. Ao menos, não como eu gostaria que fizesse. Em vez disso, comunicava pelo olhar, pelo meio sorriso, pelo gesto. Tinha uma forma estranha de se expressar corporalmente. Uma vez, perante uma fala enrolada e perigosa, ele mesmo se enrolou defensivamente de um modo que não compreendi à primeira vista, pois parecia que suas longas pernas, enroscadas uma na outra, eram de material plástico e não de carne e osso. Ainda o vejo assim, e com a mão tampando metade da boca, como a impedir-se de falar. Pois aquela advertência foi assim enigmática e a frase acima é o apenas a minha tradução. Hoje me lembrei dela. Estou terminando um breve texto para um congresso. Intitulei-o “Poesia da natureza – a aclimatação do haiku no Brasil”. Faz tempo que não participo de congressos, mas uma razão afetiva me moveu a responder positivamente à organizadora, que foi tão solidária com os últimos eventos da minha vida. Talvez por isso, por esse texto ser uma resposta afetiva, lembrei-me do Haquira. Mas não só: ao longo dele ressalto como florescência nova desse transplante justamente a sociabilidade dos grêmios e dos agrupamentos virtuais dedicados ao haicai. E porque o nosso haicai tradicional é uma aclimatação em linha reta do haiku de Shiki, usei o termo japonês no título. De fato, Shiki > Kyoshi > (Mizuho Nakata) > Nenpuku > Goga > Teruko Oda > “grêmios” = haiku > haicai tradicional brasileiro. E dinamizando isso tudo, a sociabilidade, o caráter coletivo, a valorização da poesia como atividade, mais do que como produto – como queria me dizer Haquira, no começo dos já longínquos anos de 1980.