***
Nietzsche já advertia para os malefícios da consciência histórica exacerbada na modernidade. Na sua modernidade – aquela do século XIX, quando os primeiros sintomas dessa patologia temporal se manifestavam com clareza. Não poderia imaginar, contudo, a intensidade apocalíptica que essa mesma consciência assumiria no século seguinte, transformando-se numa obsessão que definiria não apenas a arte, mas toda a experiência cultural contemporânea.
A consciência histórica passa a integrar a própria definição do que é ser moderno, constituindo seu núcleo de identidade mais profundo. Esse fenômeno se consolida a partir do momento em que a arte já não se contenta em ser parte orgânica de uma tradição ou em representar sua continuidade natural. Ao contrário, ela se pretende destruição sistemática do passado ou antecipação febril do futuro. Muitas vezes, de forma mais intensa e confusa, as duas operações simultaneamente – numa dialética perversa que consome tanto a herança quanto a promessa.
O presente passa a não bastar por si mesmo, tornando-se mero intervalo, espaço vazio entre o que foi rejeitado e o que ainda não chegou. A modernidade não basta, a moda não basta, o contemporâneo revela-se insuficiente. A consciência histórica exacerbada quer ser não apenas testemunha, mas arquiteta do futuro. Quer antecipá-lo no presente, forjá-lo através da negação do que existe. O movimento revela, porém, uma aporia fundamental: a dinâmica da arte moderna baseia-se na antecipação perpétua do futuro, no desejo de ser eterna vanguarda, mas nenhuma antecipação efetivamente se converte em futuro de fato – apenas em passado de uma nova antecipação, numa cadeia infinita de superações que não superam nada.
Cada gesto de ruptura nasce já envelhecido, carregando em si o germe de sua própria obsolescência. O que hoje se proclama revolucionário, amanhã será tradição a ser destroçada. Assim, o trânsito é vertiginosamente rápido da utopia à frustração, acompanhado pela consciência da senectude implícita no próprio movimento fatal de antecipação do futuro. A vanguarda devora a si mesma numa velocidade crescente, produzindo não o novo, mas a repetição compulsiva do gesto de negar.
Para a literatura, que possui sobre as artes plásticas a ambígua vantagem de não se submeter diretamente a uma avaliação de valor monetário – libertando-se parcialmente das pressões do mercado, mas perdendo critérios objetivos de validação –, o impasse se aprofunda. Se o presente não basta e o futuro não chega, restando sempre como promessa não cumprida, o passado torna-se um fardo insuportável. Não um tesouro a ser preservado ou um diálogo a ser mantido, mas um peso morto que impede o voo.
Daí que a cultura contemporânea erga altares ao passado paradoxalmente tentando sepultá-lo, numa cerimônia fúnebre que é também ato de adoração. Apresenta-se como pós-moderna, definindo-se não por aquilo que é, mas por aquilo que nega ou supera. O prefixo "pós" torna-se a marca registrada de uma época que não consegue nomear-se positivamente. Reconhecendo forçadamente o papel utópico embutido na própria pós-modernidade – pois a utopia de superar o moderno pelo meramente hodierno não consegue desgrudar-se dele, permanecendo presa ao que nega –, a cultura cria então a utopia do pós-utópico.
O pós-utópico emerge como uma forma desesperada de afirmar a superação definitiva não apenas do passado, mas de todas as balizas, de todo horizonte de expectativa. É a tentativa final de romper com a própria lógica da superação, superando-a. Mas ao ser "pós", ao definir-se estruturalmente como posterior a algo, desloca inevitavelmente para esse algo o peso da referência e da significação. Nesse sentido, constitui uma abdicação do futuro precisamente por meio do anseio mais desesperado de futuro – uma contradição que revela sua impossibilidade intrínseca.
O pós-moderno e o pós-utópico configuram-se, assim, como os últimos desdobramentos da lógica vanguardista, porém agora operando em negativo. Não mais a afirmação heroica do novo, mas a confissão melancólica de que o novo se tornou impossível. São movimentos que carregam em si a marca de uma derrota histórica: a incapacidade de criar formas genuinamente contemporâneas de experiência estética e cultural que não dependam da negação ou da nostalgia.
Esta é, talvez, a verdadeira crise da modernidade tardia: não conseguir habitar o presente sem destruí-lo ou museificá-lo, não conseguir imaginar o futuro sem repeti-lo como farsa do passado, não conseguir honrar a tradição sem mumificá-la. O resultado é uma cultura que gira em falso, alimentando-se da própria impossibilidade, transformando a crise em espetáculo e o impasse em identidade.