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domingo, 25 de maio de 2025

Métrica em Haicai

Métrica em Haicai

 

Em uma entrevista recente, George Goldberg me fez uma pergunta sobre a metrificação do haicai em português comparada com a espanhola. Considero essa uma questão relevante.


A Equivalência Problemática


Quando se imitou ou importou a forma do haiku para o português, estabeleceu-se uma equivalência entre os sons do haiku e as sílabas poéticas contadas segundo nossa tradição.


Já discuti esta questão extensamente em vários textos disponíveis neste blog, mas a observação que fiz em todos é que não há equivalência direta.


Em primeiro lugar, porque em japonês não se contam sílabas, mas "moras" — unidades de tempo na pronúncia.


Uma palavra como Bashô – que em português tem duas sílabas – tem 3 moras, pois o acento que usamos é uma simplificação do sinal de duração: shō representa duas moras. Assim também a palavra livro – hon – que em português teria uma sílaba, em japonês tem duas moras: ho-n (a nasalização vale uma mora). "Sensei", que significa professor, teria duas sílabas em português, mas em japonês tem quatro moras: se-n-se-i.


Temos de considerar ainda que em português a sílaba métrica ou poética é a sílaba pronunciada, diferente da gramatical. Por exemplo: "venha aqui" tem 4 sílabas gramaticais, mas só 3 sílabas métricas (ve-nha-qui).


A Diferença entre Espanhol e Português


Sendo assim, seria possível pensar em uma equivalência: uma mora por uma sílaba poética e, portanto, compor o haicai em versos de 5-7-5 sílabas poéticas?


Talvez, e mesmo assim de modo precário, mas somente se ainda contássemos as sílabas de cada verso como os falantes do espanhol contam.


O espanhol tem pouco menos de 80% de palavras paroxítonas (um pouco mais do que o português do Brasil). Na contagem das sílabas em poesia, então, os falantes do espanhol considream todos os versos como se terminassem em paroxítonas.


Isso também era assim em português até que, em 1851, Antônio Feliciano de Castilho propôs que contássemos à francesa, até a última tônica. Isso terminou por ser a regra em nossa língua.


Um verso como "tras la tormenta" tem 5 sílabas gramaticais e 5 sílabas poéticas em espanhol. Lido em português atualmente, teria apenas 4 sílabas poéticas, pois contaríamos só até a última tônica.


Portanto, quando em espanhol o poeta faz equivaler ao 5-7-5 japonês uma estrutura de 5-7-5 sílabas poéticas espanholas, ele muito frequentemente obtém 17 sons.


Já quando um poeta brasileiro ou português faz equivaler o 5-7-5 a dois versos de redondilha menor com um de redondilha maior entre eles, é muito provável que obtenha 20 sons.


O Problema do Formalismo Métrico


Por essa razão tenho sustentado que não considero razoável o formalismo das redondilhas, pois nem produz equivalência com o japonês, nem soa interessante aos nossos ouvidos um terceto imparissilábico baseado nos metros tradicionais.


Tanto não é interessante esse terceto que Guilherme de Almeida, que tinha grande perícia no manejo do verso e ótimo ouvido para a poesia, ao compor haicais inventou uma forma na qual as rimas criavam mais regularidade. Ele rimou os dois versos curtos, de cinco sílabas, e inseriu uma rima interna, rimando a segunda e a sétima sílabas do verso longo; obteve assim, do ponto de vista da rima, três sequências de 5 sílabas.


Do meu ponto de vista, mais importante do que a contagem das sílabas é a justaposição. Isto é, que o haicai contenha apenas duas frases: uma delas ocupando as duas primeiras ou as duas últimas , e outra a que restar. Essa já é outra história, mas uma história que importa para a escolha da forma de contar.


De modo geral, por isso tudo, prefiro não me ater a uma forma métrica rígida, mas apenas manter a brevidade: algo em torno de 17 sílabas divididas em 3 linhas.


Voltando ao ponto central deste texto, que é a possível ou impossível equivalência "mora"/sílaba poética... e esclarecendo os conceitos.


A forma espanhola de contar sílabas é idêntica à que era praticada em português antigamente: todos os versos são considerados como se terminassem em paroxítonas, independentemente de as palavras finais serem monossílabos tônicos, oxítonas ou proparoxítonas. Assim, ao traduzir um haicai para o espanhol usando a estrutura 5-7-5, obtêm-se, na maioria das vezes, 17 sílabas totais.


Em português, ao menos um tradutor levou isso em consideração e considerou o número total de sílabas do verso, à maneira antiga portuguesa. Nesse caso, os haicais têm maior possibilidade de totalizar 17 sílabas. Refiro-me a José Lira, no livro "As Cinco Estações – Os Haicais de Bashô".


Ao examinar as traduções de Lira, percebe-se claramente seu esforço para manter a contagem à moda antiga. A enorme maioria dos haicais de Bashô foram vertidos em versos que teriam, na contagem moderna, 4-6-4 sílabas, mas que, na verdade, têm 17 sílabas poéticas, que ele faz equivaler às 17 moras japonesas.


Do ponto de vista da sonoridade, considero que a solução de Lira é superior à normalmente adotada por aqueles que valorizam a métrica na produção e tradução de haicais. O texto flui melhor e, para o ouvido, muitas vezes parece tratar-se de um decassílabo acompanhado de seu quebrado (termo usado para designar versos que se combinam com um verso maior).


Sobre História da Metrificação em Português


Para compreender melhor a versificação e a forma de descrever o metro em espanhol e português, retomemos a questão por meio de alguns exemplos. Assim estaremos mais preparados para pensar de que forma se consegue melhor um equivalente para o esquema de 5-7-5 durações japonesas: 17 "sílabas" japonesas = 17 sílabas poéticas na língua de chegada.


Até a metade do século XIX, havia duas formas de metrificar nas línguas latinas. Uma era a do espanhol, português e italiano. Outra, a do francês.


Em italiano, espanhol e português (porque há muitas palavras paroxítonas nessas línguas) o verso era metrificado como se sempre terminasse com palavras desse tipo. Em francês, o padrão era a terminação em oxítona.


Exemplos Comparativos


Em italiano:


"per amore" – 4 sílabas gramaticais e 4 sílabas métricas
"il caffè" – 3 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso é imaginado como se terminasse em paroxítona)
"questo numero" – 5 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso é imaginado como se terminasse em paroxítona)

Em espanhol:


"la ventana" – 4 sílabas gramaticais e 4 sílabas métricas
"el café" – 3 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso é imaginado como se terminasse em paroxítona)
"este número" – 5 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso é imaginado como se terminasse em paroxítona)

Em português até 1851:


"a janela" – 4 sílabas gramaticais e 4 sílabas métricas
"o café" – 3 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso era imaginado como se terminasse em paroxítona)
"este número" – 5 sílabas gramaticais, mas 4 sílabas métricas (porque o verso era imaginado como se terminasse em paroxítona)

Em português, depois de 1851, seguindo o modelo francês:


"a janela" – 4 sílabas gramaticais e 3 sílabas métricas (despreza-se o que vier depois da tônica)
"o café" – 3 sílabas gramaticais e 3 sílabas métricas
"este número" – 5 sílabas gramaticais, mas 3 sílabas métricas (despreza-se o que vier depois da tônica)

Conclusão


Portanto, agora podemos ver com mais clareza que aferrar-se ao número não resolve a questão, pois 5-7-5 sílabas métricas/poéticas quer dizer uma coisa em português antigo e outra em português moderno; e uma coisa semelhante ao português antigo no italiano e no espanhol.


Vemos também que, se o haicai tivesse sido objeto de adaptação antes de Castilho resolver imitar os franceses na forma de contar as sílabas de um verso, é quase certo que ele seria adaptado com versos que hoje chamaríamos de tetrassílabos (4) e hexassílabos (6).


Portanto, fincar pé na estrutura do haicai como 5-7-5 poéticas contadas à maneira moderna em português não tem muito a ver com fidelidade ao original, mas sim com o desejo de venerar a tradição dos pioneiros que, no fim do século XIX e começo do século XX, assim trataram de supor a equivalência.

 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

De uma conversa com Thomaz Albornoz Neves

 Na obra de Manuel Bandeira, a questão do metro em poesia tem um desenvolvimento interessante: no seu primeiro livro, a metrificação parece algo pacificado, no sentido de que ocorre natural e harmonicamente. Depois, há um momento no qual, parodiando um título, podemos falar em “metro dissoluto”. Então, mais do que dissolver o metro, Bandeira passou a buscar o “verso puro”- no sentido de Ureña. A propósito, é bem conhecida a passagem do “Itinerário de Pasárgada”, na qual ele expressa o ideal dessa fase ou busca: “Ora, no verso livre autêntico o metro deve estar de tal modo esquecido que o alexandrino mais ortodoxo funcione dentro dele sem virtude de verso medido.” Por fim, à medida que progredimos na leitura da sua obra completa, observamos o retorno do metro, da linha medida, sem drama – por assim dizer, outra vez pacificada –, que vai ombreando com os versos livres, até predominar.

Sei que essas questões interessam hoje a pouca gente. No geral, perdemos a noção do metro. Os otimistas podem dizer que, em troca, ganhamos na capacidade de perceber o ritmo. Os pessimistas, que o ritmo da elocução, perdida a memória do metro, pode predominar na leitura, mas não na escrita, onde a linha cortada sem metro nem ritmo é quase apenas um pequeno enigma, uma forma de criar hesitação.
Voltei a me lembrar disso tudo porque um dos poetas cuja obra me interessa muito, depois de a construir sem metro, mas fazendo daquilo que Mallarmé denominou a “respiração perceptível no antigo sopro lírico” ou “direção pessoal entusiasta da frase” a base da sua poesia, de repente se lançou a produzir sonetos.
Conversamos ontem sobre isso. Sobre esse assunto abstruso, a metrificação. E sobre o que significa para nós o apagar-se do fantasma do verso medido, ainda tão forte no tempo de Mallarmé, depois do legado de Victor Hugo.
E foi então, no final da conversa, que, como um cumprimento ao poeta, enviei-lhe este soneto improvisado, feito com versos misturados naquilo de que falávamos: heroicos e provençais – e ainda misturado na forma, pois italiano um pouco na divisão lógica, e inglês outro tanto na distribuição das rimas.

Falando com Thomaz sobre o soneto,
Dizia-lhe que o verso bem medido
Não tem ritmo, mas só subentendido
O padrão da cantilena, o esqueleto
Que dá sustentação à carnadura
E que mal se adivinha, quando a dança
Ergue alto a carne, reforçando a aliança
Do corpo e do sentido, em forma pura.
Enfim, dizia, o metro não ouvido
Na leitura expressiva, ainda persiste
Na base, e bate ou vibra ali em despiste,
Fantasma ora aparente, ora escondido.
Se sem metro há poesia, e ainda verso,
Melhor é o ritmo com metro submerso.