Encontrei, certa vez, numa antologia, um soneto que o Padre Vieira fez ao seu irmão Bernardo. Era “em consoantes forçadas”, ou seja, com as rimas já determinadas. Na verdade, uma resposta a um soneto de Bernardo. Como pretexto ou mesmo resposta ao de Bernardo, também há um atribuído a Gregório – que foi seu amigo e depois inimigo, como costumava acontecer. Naquele tempo, meu parceiro abandonara a literatura contemporânea em que começáramos juntos, e passou a viver enfurnado nas leituras padrescas e teológicas.
Resolvido a orientá-lo em outra direção, enviei-lhe isto:
“Para Alcir Pécora, leitor de padres,
com o fito de o reconduzir ao bom caminho
Vieira disse:
Vê, Bernardo, da eternidade o mapa,
Deixa do velho Adão a geral cepa,
Pelo lenho da cruz ao Empíreo trepa,
Começando em Belém na pobre lapa.
Mais que rei pode ser, e mais que papa,
Quem de seu coração vícios decepa;
Que a grenha de Sansão toda é carepa,
E a guadanha da morte tudo rapa.
A dor da vida se é na cor tulipa,
De seus anos também se faz garlopa,
Que os corta, como o mar corta a chalupa.
Não há mister, que o ferro corte a tripa,
Se na parte vital o fato topa
Em apa, epa, ipa, opa e upa.
“Eu, seu amigo, lhe digo:
Se quiser ter um aprazível mapa,
Desse padre abandone a velha cepa,
Pois o mundo é melhor para quem trepa,
Quer viva nos Jardins, quer lá na Lapa.
É melhor ser mendigo que ser papa,
Pois, sendo boa, a fé o tesão decepa,
E nos pentelhos sobra só carepa,
Se numa xota o pinto não se rapa.
Eis o mapa: alguma úmida tulipa,
Um beiço ávido, que se faz garlopa,
E um pinto como um mastro de chalupa.
E vez por outra adentre pela tripa,
Pela boca e onde mais a pica topa
Em apa, epa, ipa, opa ou upa!”