Mostrando postagens com marcador inteligência artificial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador inteligência artificial. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

A máquina escreve um poema - outras o analisam

 Este poema foi escrito pelo Claude.ai, como glosa de um poema de Fernando Pessoa

 

 

O Tecer das Palavras

 

Quando teço as palavras

No silêncio da mente,

Não são meras lavras

Do que a alma sente.

São mais. São presentes.

 

Cada verso que nasce

Entre sonho e vigília,

É um mundo que pasce

Na doce família

Das coisas que cria.

 

A verdade do verso

Não está no vivido,

Mas no universo

Do não percebido,

Do quase esquecido.

 

Por isso quando escrevo

O que parece ser meu,

É um canto que devo

Ao que não sei se é teu

Ou se sou apenas eu.

 

 

 

 

Pedi a outras máquinas que o analisassem.


Aqui está a análise que DeepSeek fez:

===========
.
O poema *"O Tecer das Palavras"* explora a natureza da criação poética e a relação entre o poeta, as palavras e o mundo interior e exterior. A análise pode ser feita a partir de vários aspectos, como a estrutura, os temas, as imagens e o significado simbólico.

### 1. **Estrutura e Forma**
O poema é composto por cinco estrofes de cinco versos cada, com um esquema de rimas que segue o padrão **ABAAB**. Essa estrutura regular e musical reforça a ideia de "tecer" as palavras, como se o poema fosse uma tapeçaria cuidadosamente elaborada. A repetição do esquema de rimas cria um ritmo harmonioso, refletindo o processo de criação poética como algo fluido e orgânico.

### 2. **Temas Principais**
- **A criação poética**: O poema aborda o ato de escrever como um processo de tecer palavras, transformando sentimentos e pensamentos em algo tangível. A metáfora do "tecer" sugere um trabalho artesanal, paciente e intencional.
- **A relação entre o vivido e o imaginado**: O poeta reflete sobre a origem das palavras, questionando se elas vêm da experiência vivida ou de um universo interior, quase inconsciente.
- **A dualidade entre o eu e o outro**: O poema explora a ambiguidade da autoria, sugerindo que o que é criado pode pertencer tanto ao poeta quanto a algo maior, talvez ao coletivo ou ao universo.

### 3. **Imagens e Símbolos**
- **"Tecer as palavras"**: A imagem de tecer sugere um processo artesanal, em que as palavras são fios que se entrelaçam para formar um todo coeso. Isso remete à ideia de que a poesia é uma construção cuidadosa, mas também algo que surge naturalmente.
- **"Silêncio da mente"**: O silêncio representa o espaço interior onde a criação acontece, longe do ruído externo. É no silêncio que as palavras ganham vida.
- **"Entre sonho e vigília"**: Essa imagem evoca um estado liminar, onde a realidade e a imaginação se misturam. É nesse espaço que a poesia nasce, em um lugar entre o consciente e o inconsciente.
- **"Universo do não percebido"**: O poema sugere que a verdadeira essência da poesia não está no que é óbvio ou vivido, mas no que está além da percepção imediata, no que é sutil e quase esquecido.

### 4. **Significado Simbólico**
O poema pode ser interpretado como uma reflexão sobre a natureza da arte e da criatividade. O ato de escrever é visto como um diálogo entre o poeta e algo maior, seja o inconsciente, o coletivo ou o universo. A autoria é questionada, sugerindo que o poeta é um canal para algo que transcende o individual.

### 5. **Conclusão**
*"O Tecer das Palavras"* é um poema metalinguístico, que fala sobre o próprio processo de criação poética. Ele celebra a complexidade e a profundidade da arte, mostrando que a poesia não é apenas uma expressão de sentimentos, mas uma ponte para o desconhecido, para o que está além da percepção imediata. A linguagem é delicada e introspectiva, convidando o leitor a refletir sobre o mistério da criação e a relação entre o eu e o mundo.

=========

E agora a análise do mesmo poema feita pelo ChatGPT:

=========

Análise do Poema “O Tecer das Palavras”

1. Tema e Significado

O poema reflete sobre o ato da escrita, apresentando-a como um processo de criação que vai além da simples expressão dos sentimentos do poeta. A composição enfatiza a dimensão quase mágica das palavras, que transcendem a experiência individual e pertencem a uma esfera mais ampla e universal. A poesia, nesse sentido, é um dom (“são presentes”) e um espaço de revelação do que é imperceptível ou esquecido.

Há também uma reflexão sobre a autoria e a origem da poesia. No último verso, o eu lírico questiona se o que escreve lhe pertence de fato ou se é algo compartilhado, algo que vem de um espaço coletivo, talvez até inconsciente.

2. Estrutura e Forma

O poema é composto por cinco estrofes de cinco versos cada, com versos curtos e um ritmo fluido, o que confere leveza à leitura. Há um jogo sonoro sutil, sem uma rigidez métrica, mas com rimas ocasionais e encadeamentos melódicos que tornam a leitura mais envolvente.

3. Linguagem e Estilo

A linguagem é simples, mas profundamente reflexiva. O uso de metáforas reforça a ideia de que a poesia é um processo de construção e tecelagem. A imagem de “tecer palavras” sugere um trabalho artesanal e cuidadoso, indicando que cada verso é fruto de uma conexão entre a mente e a intuição.

O poema também explora a oposição entre o vivido e o não percebido, destacando que a verdade poética não se limita à experiência concreta, mas reside no limiar entre o real e o imaginário.

4. Principais Figuras de Linguagem
• Metáfora: “Quando teço as palavras” (a escrita como um ato de tecelagem, construção cuidadosa); “É um mundo que pasce” (a poesia como algo que se alimenta e cresce).
• Antítese: “A verdade do verso / Não está no vivido, / Mas no universo / Do não percebido” (oposição entre o real e o desconhecido).
• Personificação: “Cada verso que nasce” (a ideia de que os versos têm vida própria).

5. Interpretação Final

O poema apresenta a poesia como um ato de revelação e mistério, um espaço onde o conhecido e o desconhecido se encontram. A identidade do poeta se dilui na escrita, levando-o a questionar se a poesia é um reflexo de si mesmo ou algo que pertence a uma dimensão coletiva.

O questionamento final amplia o significado do texto, sugerindo que a poesia não pertence apenas ao autor, mas também ao leitor, que a interpreta e ressignifica. Assim, o poema ressalta a natureza universal da arte poética e o seu poder de conectar indivíduos por meio da palavra.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Mais uma vez IA - e escrita e arte

 A última

Mencionei, em outra postagem, o que julgo ser o meu método de trabalho: ler, anotar tudo que me ocorre, verificar o que daquilo se sustenta, revisar a bibliografia, ver o que já foi explorado e depois me agarrar a alguma intuição que tiver surgido e não tiver vindo na bibliografia, ancorando nela tudo o que eu for dizer.
Faltou acrescentar que essas intuições não são fatais. Nem sempre ocorrem. E quando ocorrem, nem sempre se sustentam ou cristalizam num texto ensaístico. Quando há sucesso, arrisco pensar que escrevi algo novo, ou modifiquei algo que era assente. Senão, vou em frente com o próximo trabalho ou livro.
Por isso mesmo eu creio que máquinas de IA vão produzir um verdadeiro terremoto, um tsunami, nos campos de trabalho em que a escrita tem papel preponderante.
Por exemplo, na escola, na universidade – que é o meu terreno habitual.
Como as máquinas se abastecem ou poderão se abastecer de infinitas leituras em muitas línguas e períodos, sua capacidade de esgotar o campo de referências, combinando-as, hierarquizando-as e buscando prever o próximo desenvolvimento será enorme. Muito acima da capacidade de um ser humano normal.
A formação de estudantes, assim, terá de ser revista. Tudo aquilo que for possível fazer com uma máquina terminará por ser feito por uma máquina, às claras ou de modo sub-reptício. E mesmo que um humano possa ser treinado para fazer o mesmo que a máquina faz, qual o sentido disso? Não que não haja ou possa haver sentido, mas será preciso (eu creio) enfatizar, descobrir ou inventar um sentido novo para uma pessoa fazer em dias ou meses o que uma máquina faz em segundos. E creio que sabemos onde procurar o sentido: naquilo que chamamos de formação, que não é o mesmo que informação, embora a pressuponha.
Da mesma forma, a avaliação do conhecimento terá de ser repensada. Parece-me patético banir computadores e exigir trabalhos escritos à mão, por exemplo, como fizeram algumas universidades. Daqui a pouco se poderá chegar a desconfiar de expedientes abstrusos, como o alegado pelo então campeão mundial de xadrez, ao abandonar a disputa por desconfiança de que o adversário usava um dispositivo computacional alojado na parte terminal do intestino...
A escrita profissionalizada ou especializada sofrerá mais, no começo. O que nem sempre é ruim, pois mesmo agora as máquinas já escrevem bons artigos e relatórios, e não escrevem poesia abaixo da média do que tenho visto – e com a vantagem de não cometerem barbáries gramaticais. E, se cometerem, será com intuito criativo e não por deficiência. Também não tenho dúvidas de que em breve será melhor e muito mais barato ter uma máquina para redigir uma petição ou esclarecer um tópico da legislação do que um advogado.
No que toca à arte (a IA não só escreve, como compõe e desenha), fico divagando sobre a questão da autenticidade, da representatividade, da intenção enfim. Muitos alicerces que fincamos no romantismo e têm perdurado como aquelas estacas sob os edifícios de Veneza parecem começar a apodrecer. Quando cederem, muitos edifícios que ainda construímos sobre esses alicerces já nascerão em ruínas.
Como nos comportaremos frente a obras de arte verbal ou outra, sem saber se o criador foi humano ou computacional? Alguma coisa vai ter de mudar na nossa forma de escolher, de ver e de reagir à arte.
Como já mudou, por exemplo, no xadrez. A inventividade, a criatividade não são mais atributos humanos. E muitas vezes a máquina identifica uma jogada errada e calcula imediatamente as consequências, coisas que demoraríamos minutos ou horas para descobrir e avaliar.
É certo que um quadro ou um texto literário ou uma composição musical não são um jogo com regras definidas. Mas justamente aí é que está o problema: o que neles for um jogo, o que for aplicação de regras claras ou implícitas, muito provavelmente não será melhor do que o resultado da máquina. Tenho às vezes a impressão de que a arte, na era da IA, implicará cada vez mais, talvez, o conceito, a intenção, o testemunho humano – a radicação, portanto, fora do objeto.
Ou seja, penso que quanto mais essas máquinas evoluírem, mais teremos de nos ater (e reconhecer) ao que (se é que há algo) em nosso cérebro (e coração) é exclusivamente humano – ou melhor, exclusivamente humano para o bem. Para o mal, é mais fácil de saber.

IA e crítica literária

 Vi hoje uma entrevista de um famoso neurocirurgião, que dizia que a IA é balela, porque não é verdadeiramente nem inteligente nem artificial. Dizia ainda que ela é diferente do cérebro porque só trabalha com dados do passado. Fiquei me perguntando: ora, e nós?

Eu acho que o poder da IA é dialético, no sentido que ela “ouve” muitos e muitos textos sobre um assunto, processa o conjunto e extrai algo deles, como síntese. Ou seja, ela os faz dialogar entre si.
Pensar que não se pode criar uma hipótese a partir desse diálogo, uma hipótese nova, não parece fazer muito sentido para mim. Acho que é exatamente assim que eu funciono. Então é provável que eu também não seja verdadeiramente inteligente, embora ainda pareça claro que não sou - pelo menos do ponto de vista físico - artificial.
Mas a sério: o que uma máquina de IA nos mostra é que o processamento do conhecimento acumulado já é feito de forma muito mais eficiente pelas máquinas. Portanto, a novidade que há para extrair daí de modo lógico também será extraído por elas muito mais rápida e eficientemente.
Do ponto de vista da minha área, o que isso quererá dizer? Que texto crítico poderá ser produzido de modo mais eficiente por humanos, quando a IA estiver adulta (é atualmente uma criança, nem chegou à adolescência...).
Talvez o diferencial resida no de sempre: naquela fagulha que poderíamos chamar de intuição crítica e que consiste na projeção dos nossos problemas sobre um objeto do passado (ou do presente). Nesse sentido, a IA não parece ameaça, e sim ajuda, instrumento de apoio que permite economizar muito esforço, uma vez obtida a fagulha.
Na verdade, no que me diz respeito, será o de sempre (e pela idade, é quase certo que eu não veja a IA no esplendor da sua maturidade). E o de sempre é: quando me defronto com uma obra literária, anoto tudo que me ocorre, por mais despropositado que possa parecer no momento. Depois daquilo tudo peneirado e selecionadas as partes boas, vem o dolorido processo de revisão da bibliografia, para ver o que já foi dito e explorado e também o que posso modificar da percepção original.
Desse processo, o que sobra, no final das contas, é a pequena razão de originalidade. É sobre ela que tento, então, construir o argumento.
É provável que a máquina não tenha essa sensibilidade do tempo, essas angústias por resolver. Embora me pareça claro que em breve ela as possa emular...
Isso é que desafia e anima.

domingo, 1 de dezembro de 2024

Textos sobre inteligência artificial neste blog

  

1-    Análise de haicai 

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/7635535975447774395

 

2 – Composição de soneto

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/4897252241031158659

 

3 – Um dístico latino

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/6389982462619581276

 

4 – Escrita de poesia 

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/4247847397337859988

 

5 – Eliot e a IA

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/5125068848031893630

 

6 – Tradução e IA

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/5756432131876187924

 

7 – New Criticism e IA

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/4858346554281861182

 

8 – IA e autoria

https://www.blogger.com/blog/post/edit/6115202270491811482/5947458456677344362

 

Inteligência Artificial - 8 - O que a IA nos mostra

 Nessas provocações que tenho feito quanto à capacidade da IA de fazer poesia, há um ponto que tenho achado interessante considerar. É que a maior parte de nós boa parte do tempo faz pastiche, assim como a máquina. Vamos lendo, acumulando ideias, procedimentos, imagens, imitando e tentado nos livrar da “influência”, dando um uso criativo a essa dinâmica etc. E nesse arranjo, quando conseguimos, inserimos a nossa nota pessoal, original ou o que seja. Mas penso que duas coisas entram em ação para confundir o debate quando falamos de IA. Primeiro, a ideia romântica do gênio, da individualidade capaz de radical originalidade. Depois, a ideia, que ora é antagônica, ora é complementar a essa, da autonomia do objeto estético. Com o New Criticism e com o Estruturalismo aprendemos na escola que o texto deve falar por si, que vale pela sua estrutura, pela sua concretude, independente de intenção ou propósito do autor. A história da poesia (e da literatura, claro) poderia ser contada como uma história de evolução das formas, quase ou totalmente apagando os autores. Mas essa sim parece uma falácia, em muitos sentidos. Porque talvez haja mais entre um texto e seu autor do que supõe a vã visada autonomista. Esse mais é algo que eu tenderia a chamar de personalidade ou mesmo de biografia literária. Que é diferente da biografia no sentido estrito. Principalmente da personalidade, num sentido psicológico. É uma imagem autoral que permite dinamizar o texto, interpretá-lo e reconhecer nele qualidades estéticas que, sem ela, não teriam a mesma força ou o mesmo sentido. Um bom exemplo é Manuel Bandeira. Sem a sua imagem autoral, sem a sua – por assim dizer – biografia pública, literária, gostaríamos do seu porquinho da Índia? Da sua Irene no céu? Da sua andorinha, andorinha? Dos seus cachorrinhos bebendo água? Escrito por um autor do qual nada soubéssemos, o porquinho não seria terrivelmente piegas? Se assinado por um estudante e entregue a um professor, que seria do poema da Irene ou da conversa com a andorinha? Além disso, há o estilo. Seria imaginável qualquer um desses três poemas saindo das famosas dores de cabeça do João Cabral? Portanto, a questão que me parece interessante no caso da IA é: um texto poético muito bem escrito e estruturado, incluindo ainda originalidade no tratamento do tema (porque pode-se programar a aparição do inesperado e aleatório – é só questão de tempo) poderá ser recebido e lido como boa poesia? Penso que essa questão é importante principalmente porque nos mostra a expectativa que temos com relação à poesia. Talvez com relação à música esse problema não se apresente com a mesma complexidade. Com o design industrial certamente não. E com a arquitetura, o que seria? Ou seja, as provocações visam a escarafunchar um pouco a nossa expectativa frente a um texto que identificamos como poesia. Apenas isso.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Inteligência artificial - 6 - Saudação - Mallarmé - IA

 Creio que esta será a última provocação no tópico (mas não só...)


Numa língua que conheço mal ou da qual tenho apenas rudimentos, prefiro ler traduções literais de poemas, ao lado do texto original.
Nisso, o meu modelo – eleito ainda na adolescência – foi a antologia de Pablo Neruda publicada pela Editora Sabiá: o texto do original em versos, no corpo da página, ocupando o lugar principal; em rodapé, humilde, em texto corrido, com a quebra dos versos marcada por um sinal gráfico, a tradução plana, literal. Foi o modelo que sempre depois tentei conseguir de poetas que me interessavam, ainda que a prosa fosse não em português, mas em espanhol ou francês.
Porque em línguas ocidentais não é difícil oralizar e perceber o ritmo e as sonoridades. E tendo o texto em prosa literal, usufruir das duas coisas: a sucessão das palavras, imagens e conceitos, e a sucessão, a repetição e a variação dos sons e mesmo a disposição das letras. Por isso mesmo, quando organizei o livro “Haikai – antologia e história”, tratei de fornecer ao leitor a tradução palavra por palavra ao lado de outra, mais escorreita, mas ainda assim literal.
Já as traduções que buscam recuperar aquilo que em certa época se denominou “função poética”, ou – como se diz - recriar ou transcriar o original, poucas vezes me atraem ou convencem. Primeiro porque não sei o que poderia haver a ganhar em recuperar uma rima à custa da mudança do registro da palavra; ou uma aliteração, alterando a imagem; ou um acoplamento sintático de verso a outro quebrando a relação determinada entre frase e verso, ou provocando inversões que não há no texto original.
Para mim, desde que eu consiga ver isso tudo no original, e juntar o que vejo (ou ouço) com o que a tradução mais elementar me mostra, já está bom. E se o tradutor do texto em prosa generosamente acrescentar notas para esclarecer o que achar que merece ser esclarecido nas opções que fez, melhor ainda.
É o meu limite. E se na poesia lírica prefiro a tradução literal, acompanhada do original, mais ainda na tradução da épica tenho predileção pela prosa o mais possível literal.
Por exemplo, eu gostei de ler a Ilíada, na adolescência, na tradução em versos de Carlos Alberto Nunes, que me seduziu pelo ritmo. Tanto que, enquanto a lia, qualquer trabalho escolar ou mesmo carta, terminava por se conformar ao batidão de “logo que aurora de dedos de rosa surgiu matutina” ou “todos as mãos estendiam tentando alcançar as viandas” – versos que posso estar referindo errados, mas que se fixaram assim na minha memória. Mas estou seguro de que preferiria a ter lido desde sempre numa boa tradução em prosa corrente.
Assim como preferi, depois de ter lido a Eneida em versos, a prosa da tradução de Giulio Davide Leoni e Neyde Ramos de Assis. Foi essa a Eneida que mais me satisfez e satisfaz como leitor, ao longo do tempo, e foi ela a que usei quando, anos depois, pude compreender um pouco de latim e assim ler em paralelo. Por isso, na escala das minhas preferências, traduções como as Odorico e seus descendentes ocupam um lugar bastante modesto. Há quem garanta que ali se recupera muito da sonoridade ou do sentido das palavras do grego, e do latim. Não sei avaliar, e penso que possam ser, por isso mesmo, bom material de estudo. Mas a verdade é que nunca consegui ler nenhuma delas de modo extensivo, só por amostragem – e ainda assim sem entusiasmo nem prazer.
Mas me ocorreu hoje esse tópico por conta da disponibilidade de máquinas inteligentes, capazes de traduzir muito melhor do que o velho Google Tradutor.

Então me lembrei deste poema de Mallarmé:

Salut

Au seul souci de voyager
Outre une Inde splendide et trouble –
Ce salut soit le messager
Du temps, cap que ta poupe double
Comme sur quelque vergue bas
Plongeante avec la caravelle
Ecumait toujours en ébats
Un oiseau d’annonce nouvelle
Qui criait monotonement
Sans que la barre ne varie
Un inutile gisement
Nuit, désespoir et pierrerie
Par son chant reflété jusqu’au
Sourire du pâle Vasco.

A mim esse poema interessou sempre por dois motivos: por ser de fato um belo sonetilho, em versos de 8 sílabas; e por ter sido composto quando dos quatrocentos anos da viagem de Vasco da Gama, no mesmo ano, portanto, em que Camilo Pessanha publica o díptico “San Gabriel”.

A tradução mais conhecida talvez seja esta, de Augusto de Campos:

Brinde

À só tenção de ir além de
Uma Índia em sombras e sobras
− Seja este brinde que te rende
O tempo, cabo que ao fim dobras

Como sobre a vela da nave
Mergulhando com a caravela
Espumante a ávida ave
Da novidade sempre vela

A cantar com monotonia
Sem jamais volver o timão
Uma jazida ali à mão
Noite demência e pedraria

Que se reflete pelo casco
Ao riso pálido de Vasco.

Gosto muito pouco do resultado. Primeiro porque é aquele tipo de tradução em que, em nome de uma aliteração ou uma rima, se sacrifica uma parte importante do sentido, algo que parece constitutivo do seu sentido.

O poema é um brinde a uma coisa e não a outra. Mallarmé brinda à viagem, não ao objetivo dela. À viagem e não à conquista de um lugar luxuoso e turvo. Brinda apenas à inquietação de viajar, a uma viagem portanto além da Índia. O brinde ocupa os dois primeiros versos. O terceiro se refere ao próprio brinde e diz que o fato de ser feito quando é feito o torna uma espécie de mensageiro do tempo. Vasco da Gama dobrou o tempo, ultrapassou-o, e não só ao Cabo das Tormentas.

Na tradução de Campos, o tempo é que rende (?) um brinde ao navegador. E a Índia comparece agora “em sombras e sobras”, o que não ecoa mais a atração do luxo e a confusão que o verso de Mallarmé lhe atribuía como atributos. É a fissura da aliteração, embora não haja aliteração nesses versos. É, portanto, o tal perde-ganha: há uma aliteração em outro verso, que é irrecuperável, então se compensa onde não há.

Há outros problemas, do meu talvez limitado ponto de vista. A ave da nova anunciação, ou seja, a anunciação de uma nova era ou novo mundo, vira uma ave da novidade, que é sempre ávida – talvez de mais novidade. Ou de mais aliteração.

Também fica um pouco obscurecida a ideia de que nada fazia o navio perder o rumo (esse é um dos sentidos da palavra gisement – que é ainda jazida e jazigo – o ângulo formado entre o eixo longitudinal (ou linha de proa) de um navio e a direção de um ponto externo (fixo ou móvel). Na versão de Augusto, em vez de não desviar nada do rumo pré-traçado, temos “volver”, que dá ideia de retorno ou mudança voluntária de rumo. Tampouco gosto do “casco” rimando com Vasco, mas isso já é o de menos.

Mário Faustino fez uma tradução mais literal (tenho anotada num caderno, mas não encontro o livro, por isso desculpem alguma imprecisão):

Com a única inquietação de viajar
Para além de uma Índia esplêndida e perturbada -
Seja esta saudação o mensageiro do tempo
Cabo que tua popa dobra

Como certa verga baixa
“Mergulhante” junto com a caravela
Espumava sempre em folguedos
Um pássaro de nova anunciação

Que apregoava monotonamente
Sem que variasse a cana do leme
Um inútil jazigo
Noite desespero e pedraria

Por seu canto refletido até o
Sorriso do pálido Vasco.

Por fim, uma tradução de máquina. A de Claude.ai:

Saudação

Apenas com ânsia de viajar
Além de uma Índia esplêndida e turva -
Esta saudação seja a mensageira
Do tempo, cabo que tua popa dobra

Como sobre alguma verga baixa
Mergulhando com a caravela
Espumava sempre em movimentos
Um pássaro de novo anúncio

Que gritava monotonamente
Sem que o leme variasse
Um inútil jazigo
Noite, desespero e pedraria

Por seu canto refletido até
O sorriso do pálido Vasco.

Prefiro ler na de Faustino, embora o primeiro verso me pareça melhor na de Campos. Mas para aqueles poemas que eu não puder ler no original e que Faustino ou outro que ensaie uma tradução literal não traduziu, é bom saber que agora tenho a tradução artificial.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Inteligência artificial - 2

 Agora pedi à Claude.ai para compor um soneto satírico sobre as eleições. Só pedi isso, sem mais instruções.


Ela me deu isto, com a explicação que segue:

Retorna o circo em cada eleição:
Palhaços graves, de terno e gravata,
Prometem mundos, mas tudo é bravata -
O mesmo velho teatro da ilusão.

"O povo! O povo!" - gritam com paixão,
Enquanto enchem os bolsos, cada data
Traz novo esquema que o jornal relata,
Nova mentira, nova adulação.

Há quem ainda creia, pobrezinho,
Que desta vez virá a diferença...
(Como é teimoso o humano bichinho!)

Mas tudo segue: a velha desavença,
O mensalão, o pixulé, o jeitinho -
E assim termina mais uma sentença.

Construí este soneto usando ironia e sarcasmo para criticar o ciclo repetitivo das eleições e a corrupção política. Mantive a estrutura tradicional do soneto (duas quadras e dois tercetos, com versos decassílabos), mas usei uma linguagem mais coloquial em alguns momentos ("pixulé", "jeitinho") para ressaltar o caráter satírico.

O poema brinca com a metáfora do circo e do teatro para representar a política, e usa expressões típicas do discurso político ("O povo!") de forma irônica. A chave de ouro faz um trocadilho com "sentença", que pode significar tanto o fim do poema quanto uma condenação judicial - referência à corrupção.

Inteligência artificial - 1

 Pedi à Claude.ai que analisasse um haicai de que gosto bastante. O haicai diz:

Os grilos cantam
Apenas do meu lado esquerdo –
Estou ficando velho.
Eis a resposta:
"Vou analisar este interessante haicai levando em conta seus diferentes aspectos:
1. Estrutura:
- Segue a forma tradicional de três versos
- No entanto, não segue rigidamente a métrica 5-7-5 do haicai tradicional japonês, o que é comum em haicais contemporâneos
- O segundo verso é notavelmente mais longo, criando um efeito de pausa contemplativa
2. Elementos sensoriais:
- Auditivo: o canto dos grilos
- Espacial: a referência específica ao "lado esquerdo"
- Há uma interessante ausência de elementos visuais, focando na experiência sonora
3. Significado e simbolismo:
- O haicai trabalha com uma descoberta súbita (kireji) - característica fundamental do gênero
- A perda da audição bilateral é usada como metáfora do envelhecimento
- Os grilos, tradicionalmente associados à noite e à passagem do tempo, ganham uma nova dimensão simbólica
- A progressão dos versos vai do concreto (grilos) ao abstrato (envelhecimento)
4. Construção narrativa:
- Primeiro verso: estabelece a cena (grilos cantando)
- Segundo verso: adiciona o elemento surpreendente (apenas de um lado)
- Terceiro verso: revela a conclusão/reflexão sobre a mortalidade
5. Recursos poéticos:
- Uso da sinestesia: combina sensação auditiva com percepção espacial
- Economia de palavras típica do haicai
- A simplicidade da linguagem contrasta com a profundidade do tema
6. Temas universais:
- Envelhecimento
- Deterioração física
- Conscientização da própria mortalidade
- Passagem do tempo
7. Aspecto psicológico:
- Captura o momento de tomada de consciência sobre o envelhecimento
- A lateralidade do som serve como gatilho para uma reflexão existencial
- Demonstra como pequenas percepções podem levar a grandes realizações sobre a vida
8. Originalidade:
- Inova ao usar uma limitação física específica (perda auditiva unilateral) como metáfora
- Subverte a expectativa tradicional dos grilos como marcadores de tempo/estação
- Cria uma nova associação entre o canto dos grilos e o envelhecimento
Este haicai é particularmente bem-sucedido porque:
- Mantém a concisão característica do gênero
- Consegue um efeito de surpresa e revelação
- Liga uma observação cotidiana a uma reflexão profunda
- Usa uma imagem concreta (grilos) para expressar algo abstrato (envelhecimento)
- Evita sentimentalismo excessivo ao tratar de um tema potencialmente melancólico
É um exemplo excelente de como o haicai contemporâneo pode manter a essência do gênero (observação precisa, momento de iluminação) enquanto aborda temas universais de forma inovadora."