Ao longo dos anos de estudo e convivência com o haicai, percebi que sentimos, muitas vezes, a necessidade de definições práticas quanto à estrutura. É verdade que existem características formais que permitem definir um texto como haicai – e que ajudam na produção do efeito de sentido que reconhecemos como “sabor de haicai”. No entanto, sempre me pareceu que, mais do que qualquer traço formal, é esse “sabor”, essa qualidade difícil de nomear, mas inconfundível quando presente, o que realmente importa.
As prescrições formais cumprem um papel importante na aprendizagem: são balizas iniciais, como as rodinhas de uma bicicleta para crianças. Mas tornam-se limitadoras, quase grades, quando se acredita que o haicai só se realiza plenamente dentro de seus limites rígidos. Aquilo que o haicai tem de mais específico e valioso para nós, ocidentais, não depende dessas convenções.
Uma questão que mais me parece muito importante é a compreensão do corte. Não o corte tipográfico entre os versos, mas o corte interno, estrutural, que articula o haicai e lhe dá profundidade.
Frequentemente, pensamos no corte como sinal gráfico ou pontuação. Mas nem sempre é assim. Há haicais inteiramente fluentes, construídos em uma única frase, que funcionam de maneira exemplar: impactam, evocam imagens, e nos tocam com força e sutileza. Ao contrário, há muitos haicais em que o uso automático do corte gráfico afasta o leitor da experiência poética e empobrece o resultado.
Versos estruturados sobre gerúndios – cuja rejeição, aliás, me parece sem sentido –, frases que denotam uma ação completa, trechos que delimitam um lugar específico, entre outras construções sutis, também podem instaurar a necessária justaposição entre planos, tempos ou sensações, abrindo espaço para a imaginação e para a projeção do espírito do leitor na cena.
Tenho refletido bastante sobre esses pontos nos últimos dias, preparando-me para conduzir uma oficina de haicai.
Nesse tipo de atividade, mais do que transmitir um conjunto de regras que possam parecer atalhos (mas que acabam estreitando e empobrecendo a experiência), sempre procurei apresentar o caminho mais lento: o da escuta e da atenção às formas da percepção. Um caminho em que o espírito, sem se preocupar com regras ou forma do poema, projetando-se sobre o real, colhe dele apenas o que lhe corresponde, e transforma essa colheita em gesto poético – ou seja, em haicai.
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terça-feira, 5 de agosto de 2025
Sobre o corte no haicai
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