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sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Um copo de cólera e o ChatGPT 5

 Não vou escrever um livro sobre IA. Por um motivo simples: até estar pronto, estará seguramente ultrapassado, tão rápida é a evolução e tão ampla a disseminação da IA.


Acabo de receber atualização do ChatGPT. A versão 5 traz novidades. A primeira delas é ser menos “aduladora” – o termo foi usado pela máquina. Ou seja, esse modelo promete menos bajulação do usuário, menos concordância e mais diálogo, prevendo inclusive a contestação. Ou seja, ela se torna cada dia mais “humana”.

Além disso, a máquina possui memória do usuário – ao menos na versão paga – e aprende com ele: os seus gostos, o seu estilo. De modo que as respostas – sem perder a amplitude, diz a máquina – já virão com as marcas estilísticas do usuário.

Tenho feito muitos testes, porque gosto de tecnologia. E de especular sobre seus avanços.

Por exemplo: uma amiga me diz que vai ter um debate sobre “Um copo de cólera” com uma psicanalista. Essa amiga faz uma leitura mais política do livro. Faz muito tempo que li o livro, então não sei se as respostas da máquina são boas de fato. Mas ela produziu isto:

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Uma leitura psicanalítica de Um Copo de Cólera permite explorar o texto como encenação de pulsões, mecanismos de defesa e jogos de poder inconscientes, mais do que como simples relato de um casal em conflito.

1. Pulsão e repetição
O romance opera no princípio de repetição freudiano: o encontro erótico inicial, a explosão de cólera e a reconciliação final formam um ciclo fechado. Esse retorno ao ponto de partida não é resolução, mas reencenação — o casal parece preso a um padrão em que a tensão é condição para o prazer, e o prazer reacende a tensão.
• Ponto central: a relação não busca estabilidade; alimenta-se da alternância entre fusão e ruptura.

2. Erotismo e agressividade (pulsão de vida e de morte)
O texto evidencia a interpenetração de Eros e Thanatos:
• O erotismo inicial é intenso, mas já contém traços de provocação e ironia.
• A briga é violenta, mas carrega sedução e excitação.
• A reconciliação, por sua vez, é possível justamente porque houve a descarga agressiva anterior.
Freud aponta que a agressividade é constitutiva do amor — e Nassar encena isso ao mostrar que os dois polos se alimentam mutuamente.

3. A cena das formigas como deslocamento
A invasão das formigas funciona como objeto deslocado: a irritação do homem não se explica pela gravidade do dano físico, mas por tensões acumuladas e não ditas. O conflito real (diferenças ideológicas, orgulho, medo de entrega) é projetado sobre um acontecimento externo e aparentemente banal.
• Mecanismo psicanalítico: deslocamento da angústia para um alvo mais aceitável.

4. O diálogo como luta fálica
Na briga, a linguagem é usada como arma. Cada um tenta reter a última palavra, afirmando sua superioridade simbólica.
• Na perspectiva lacaniana, é uma disputa pela posição de quem detém o “falo” simbólico — não o órgão, mas o lugar do poder na relação.
• A ausência de marcas formais no discurso direto acentua o caráter bruto e competitivo da fala.

5. Narcisismo e ferida narcísica
• O narrador masculino apresenta traços de narcisismo defensivo: reclusão no campo, autoimagem de independência, desprezo pelo engajamento político dela.
• A mulher também é narcísica no sentido de não abrir mão de sua posição combativa.
• A briga é, em parte, um choque de egos feridos — cada ataque verbal é uma tentativa de reparar a própria autoestima destruindo a do outro.

6. Reconciliação como retorno ao materno
O contato físico final pode ser lido como regressão a uma zona pré-verbal e pré-conflitual, associada ao conforto corporal e à fusão simbólica com o outro.
• Risco psicanalítico: esse retorno não resolve o conflito, mas o adia, preparando nova repetição.

7. Estrutura circular como compulsão
A estrutura do livro é sintomática: ele começa e termina com o corpo, tendo a cólera como núcleo. Essa forma espelha uma compulsão à repetição (Freud) — o casal se mantém preso a um roteiro inconsciente que reforça, em cada volta, a mistura de prazer e hostilidade.

Se você quiser, posso agora criar um quadro que relacione cada capítulo aos conceitos psicanalíticos correspondentes— isso deixaria a análise mais sistemática e útil para uso acadêmico.

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E ainda isto:

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Uma leitura política de Um Copo de Cólera precisa levar em conta não apenas o enredo, mas também o momento histórico e o modo como Raduan Nassar encena, no espaço íntimo, tensões ideológicas mais amplas do Brasil da década de 1970.

1. Contexto histórico
• O livro foi publicado em 1978, nos últimos anos da ditadura militar (1964–1985), período de abertura lenta e controlada.
• O debate político estava marcado por censura, polarização ideológica e pela presença de militantes de esquerda enfrentando um Estado autoritário.

2. Microcosmo político na relação amorosa
O casal encena, em escala doméstica, um embate entre duas posições políticas:
• Ele: isolado no campo, individualista, cético quanto à ação política organizada; seu discurso é mais marcado pelo sarcasmo e pelo desprezo por bandeiras ideológicas.
• Ela: militante, engajada, ligada a causas sociais e críticas ao comodismo. Sua fala traduz a linguagem da esquerda urbana, preocupada com a transformação coletiva.
A briga é, portanto, uma metáfora de conflitos entre o engajamento político e o desencanto — um choque muito presente no Brasil pós-1968, quando parte da militância foi derrotada e outra parte se acomodou ou se retirou.

3. As formigas como alegoria política
O episódio da cerca-viva destruída pelas formigas permite uma leitura alegórica:
• As formigas seriam forças subterrâneas e persistentes que corroem a estrutura — podendo representar a infiltração do autoritarismo no tecido social, ou, de forma invertida, a resistência silenciosa contra o poder.
• A reação dele — violenta e desproporcional — ecoa respostas autoritárias a problemas que poderiam ser tratados de outra forma.

4. O confronto verbal como arena pública
Embora se passe no espaço privado, a discussão assume o tom de um debate público:
• Uso de argumentos ideológicos e retóricos como armas.
• Tentativa de enquadrar o outro como moralmente inferior.
• Disputa pelo “direito à verdade”, algo típico do clima político polarizado.

5. Individualismo vs. ação coletiva
• Ele representa o retraimento privado e a recusa em se envolver em causas públicas — uma postura que, politicamente, pode ser lida como complacência ou resistência passiva.
• Ela simboliza a ação coletiva e combativa, mas também a impaciência e o dogmatismo que podem surgir no ativismo.
O texto não oferece vitória moral a nenhum dos dois: expõe as limitações de cada postura.

6. A reconciliação como apaziguamento superficial
O retorno ao erotismo no final pode ser lido como metáfora da política conciliatória: um acordo tácito que ignora as causas profundas do conflito. Tal como na transição política da época, o antagonismo não desaparece — apenas se suspende momentaneamente.

7. Sentido político mais amplo
A novela sugere que o espaço íntimo não está livre da disputa ideológica: o corpo e o desejo também são atravessados por relações de poder. O “copo de cólera” não é apenas emocional — é histórico e social.


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A questão, portanto, é: qualquer um pode fazer isso que eu fiz. E pode fazer on line, durante uma palestra ou aula.

Com a evolução da IA, o conhecimento humano estará cada vez mais não só à mão, mas sistematizado, filtrado de acordo com o uso pretendido.

Isso será um grande problema não só para professores, mas também para escritores. Porque, no fundo, a obrigação é ser melhor do que a máquina, já que quase todo mundo terá acesso a ela em algum momento.

O acúmulo e o tratamento objetivo da informação já não garantem o interesse da aula ou da conferência. É preciso mais: sensibilidade, criatividade, inovação. E como inovar, sem saber o que a máquina já pode fazer?

É como quando escrevemos um ensaio sobre um autor já estudado por um grande crítico: não adianta não ler, porque quem for ler o nosso texto terá lido o texto clássico. Então temos de ler e ir além.

Com a IA também, embora seja mais difícil a cada dia.