Haiku & haikai – descobrindo a natureza é um
livro comovente. Elaborado e publicado em edição particular por Akiko Kurihara neste ano de 2014, põe ao alcance dos que não têm
acesso aos textos em japonês uma produção do maior interesse. Mais que isso: um
conjunto de poemas que, delicadamente, deixa perceber as dificuldades, as
agruras e as pequenas alegrias do período de adaptação dos imigrantes ao clima
e à natureza brasileira.
O
título do livro revela seu duplo objetivo: contar a história – com exemplos –
do haiku no Brasil (isto é, do haikai escrito aqui, mas em japonês) e
completá-la com um apanhado das principais tendências do haikai (isto é, o
poema em português, feito com inspiração no haiku).
Embora
o valor da segunda parte seja grande, é na primeira que reside o maior ganho do
livro, pela sua singularidade. É que a história do haikai no Brasil tem sido
contada, de várias perspectivas, nos últimos anos. Já a história do haiku tem
muito menos fortuna crítica e, sobretudo, menos exemplos dos poemas produzidos
pelos imigrantes e seus descendentes imediatos.
Li o
livro com prazer e emoção. Nele, além de muita informação e boa iconografia, há
textos de vários tipos, escolas e qualidade.
Não vou
me alongar muito, pois meu objetivo aqui é fazer uns pequenos registros, que levem
ao conhecimento dos eventuais leitores deste blog alguns haikus que me parecem
muito dignos de registro. Todos transcritos diretamente do livro, em tradução
da autora.
E
começo com este, que me parece bastante simbólico do que foi a história do
haiku no Brasil, pois nele se anota uma das profundas diferenças culturais
(aqui apenas mais sensível, porque dizendo respeito imediatamente ao corpo) entre o país
de origem e o de destino, qual seja tocar a pessoa, nos cumprimentos, costume esse inexistente
entre os japoneses:
Os imigrantes recém-chegados
Ofendidos com os tapinhas
De bom-dia.
(autor:
Shuhei Uetsuda, 1876-1935)
E se
tivesse de escolher um haiku que pudesse fazer conjunto, pelo sentimento, com
esse que acabo de transcrever, escolheria este, escrito por Gijindo Kurihara:
Montanhas ao longe,
A correnteza primaveril,
Tudo remete à terra natal.
Também me comoveu este haiku de Keiseki Kimura, que resume
uma vida de trabalho na sua recompensa frugal:
Cadeira reclinada de vime,
Descanso reconfortante
Sob o Cruzeiro do Sul.
Assim como me chamaram muito a atenção os haikus que falam
da integração difícil, porém inevitável:
Feijão com arroz,
Firma-se o propósito
Ao se naturalizar.
(Kenichi Takao)
Dia da saúde,
Cumprimenta-se com a mão
Calejada pela enxada.
(Tyomin Izuno)
Comemora-se o dia da imigração
Com vereador nissei
E prefeito sansei.
(Seiryushi Aoyagui)
Faz-se tofu
Com amendoim
Para ficar diferente.
(Tazuko Arata)
Grande parte dos haikus recolhidos no livro traz a marca das
adversidades enfrentadas pelos imigrantes, bem como o registro de alguns dos
pequenos prazeres na vida de labuta. E mesmo no campo das adversidades, não
falta muitas vezes um tom de divertida melancolia, que é característico do
haiku clássico.
Cobertor
Mais leve do que o sonho
Do meu filho
(Mikio Higuchi)
Olhando o céu
Onde esvoaçam libélulas,
Fumo o cigarro.
(Idem)
Festival de verão,
A moça bonita de quimono
É a minha filha.
(Shunpu Mihara)
Dia em que tudo sai errado,
Ao ficar de guarda no chiqueiro,
As galinhas foram roubadas.
(Tonan Tanaka)
Outono quente
Só as tiriricas
Crescem como peste.
(Mika Iwaki)
Vários outros mereceriam transcrição e comentário. E talvez
volte a eles, em outro momento, depois de dada a notícia inicial.
Por agora, queria encerrar esta breve apresentação do livro,
com uma rápida incursão na sua segunda parte. Mais exatamente, no domínio
dos descendentes que se dedicaram ao cultivo do haikai, isto é, do haiku
produzido em português.
E termino este breve relato com a transcrição de três
haikais, um de cada um dos mais dedicados cultores e difusores da forma
tradicional na nossa língua, pessoas a quem tive e tenho o prazer
de conhecer pessoalmente e que admiro pelo belo trabalho pela
difusão do haikai no Brasil.
Eis aqui:
À noite, sozinho,
Me deixa mais pensativo
O canto dos insetos.
(Masuda Goga)
Por longos quilômetros
Sob um céu azul profundo –
Milharal ao vento.
(Teruko Oda)
Este álbum de fotos –
Também as traças se nutrem
De velhas lembranças.
(Edson Kenji Iura)
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