Quando recortava, para publicar, o texto sobre Danilo Barreiros, lembrei-me da conversa que tive com D. Henriqueta, sua mulher, que fora aluna de Camilo Pessanha em Macau.
Eu queria confirmar uma percepção.
É que, por obra dos vários inimigos que o poeta granjeou naquele mundinho abafado, que era o da comunidade portuguesa de Macau, difundiu-se a legenda do poeta maltrapilho, sujo, opiômano, incapaz de qualquer esforço, mau professor etc.
Até hoje muita gente engole isso tudo como verdade, mesmo com os dados disponíveis – alguns dos quais eu mesmo trouxe a público tanto no livrinho sobre Pessanha publicado pela Imprensa Nacional de Portugal, quanto na edição brasileira da Clepsydra, pela Ateliê.
Sem dizer nada, pedi a D. Henriqueta que me descrevesse o poeta no dia a dia, pois eu sabia que ele almoçava uma vez por semana em casa de seu pai.
O que ela me descreveu confirmou minha hipótese e desacreditou de vez o que eu já adivinhava ser exagero, e mais que exagero, falsidade. Sempre elegante, me disse ela. Excelente professor, que encantava os alunos. (Que era competente e dedicado eu já sabia, pois tinha visto as extensas e anotadas folhas em que escrevia a matéria das aulas.)
Perguntei-lhe, então, de repente, se era verdade que ele não era asseado. Ao que ela me respondeu com certa dose de indignação. De forma alguma, era um home elegante – repetiu – e trazia sempre um lencinho no bolso do paletó. Mencionou cabelo e barba cuidados. E acrescentou que se sentava sempre na primeira fila, na classe (o que, entendi, garantia o que dizia). Por fim, disse que gostava do sentir o perfume usado por ele. Sempre perfumado, repetiu. Da mesma forma que na escola, à mesa de almoço em sua casa era o mesmo homem bem vestido e elegante – repito a palavra porque era recorrente na conversa.
Dois anos depois, quando voltei a Portugal, conheci Daniel Pires. Dele ganhei um conjunto notável de fotografias de Pessanha. E ainda, em seguida, a fantástica fotobiografia do poeta. Ali se veem muitas coisas. Inclusive as fotografias em que Pessanha posa de mendigo, acompanhado de dois cãezinhos e de uma bengala de castão de prata, sobre um rochedo. Ele ri, contidamente. Faz ali o papel de um eremita ou poeta vagante. Anos depois, propositadamente se ignorou que naquele tempo não havia ainda kodaks portáteis. Para o registro, o poeta teve de fazer ir até lá um fotógrafo com seu equipamento. Depois, mandou fazer várias cóppias, emoldurou-as, autografou-as e enviou para amigos. Durante muitos anos, passaram por provas do seu desleixo e achinesamento (essa palavra que valia um insulto). Como se ele inadvertidamente tivesse sido fotografado, surpreendido em decadência. Para dizer como ele disse num verso célebre, em que desvios a razão se perde!
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