Não deve haver muitos poemas (não creio mesmo que haja algum) tão conhecido no mundo todo quanto o que Bashô compôs sobre uma rã que mergulha num velho tanque. Em português, há dúzias de traduções. Em inglês e em francês, idem. E não deve ser diferente em outras línguas europeias. Além disso, é um clássico japonês e creio que em todo o Oriente quem gosta de poesia já deve ter ouvido falar ou lido uma tradução. É verdade que a diminuta extensão do texto favorece. Mas não é só isso. O haikai, desde a segunda metade do século XIX vem despertando o interesse ocidental, na esteira da “descoberta” do Japão, propiciada pela abertura do país a partir de 1867, depois de mais de 300 anos ciosamente protegido dos olhares e da experiência direta dos estrangeiros. A onde de exotismo extremo-oriental, bem conhecida no final do século, também favoreceu o pequeno poema de 17 sílabas.
Mas afinal por quê? Há tantos versos de Bashô e de outros grandes poetas japoneses que permanecem desconhecidos... Mesmo entre os que louvam o haikai de Bashô poucos haverá que possam dizer de memória qualquer outro poema dele. Apenas o furu-ike na flutua na memória e passa por ser o melhor poema de Bashô, ou mesmo o melhor poema da literatura japonesa. Mas seria isso verdade?
Comecemos pela pergunta mais simples e direta: o que diz esse poema? Uma tradução simples seria: velho tanque - rã(s) mergulha(m), barulho de água. É difícil decidir se se trata de uma rã ou de rãs. E a expressão “tanque velho” vem seguida da partícula “ya”, que indica um corte e não tem bom equivalente. Pode ser dada como uma exclamação “Ah!”, mas eu acho que isso é forte. Poderia ser uma exclamação ou reticências, mas também me parece forte. No geral, a solução encontrada por muitos é marcar com um travessão a quebra indicada pelo “ya”. Mas há outra coisa que escapa sempre: não é possível em português deixar indefinido o número: ou marcamos pelo menos duas vezes o plural: rãS mergulhaM, ou marcamos de modo indubitável o singular: UMA rã mergulha. Temos de optar e com isso já temos eliminada a possibilidade de o barulho também ser, por assim dizer, plural. Mas vamos concordar que se trata de uma só rã. Ainda assim, em português o haikai aparece muito quebrado, pois em japonês “kawazu tobikomu” é uma expressão que adquire um aspecto adjetivo. Ou seja, uma possibilidade de tradução seria: o barulho da água do mergulho da rã. Isso é muito analítico, embora seja mais fiel ao original, no sentido que o barulho da água e o mergulho formam uma unidade, um qualifica o outro. Mas nessa ordem tudo se perde, pois o movimento deve começar com a rã e terminar com o barulho, logo depois de a rã entrar na água, enquanto na nossa paráfrase se dá justamente o contrário. Algumas traduções buscam ressaltar o aspecto sonoro. Leminski não disse “rã”, mas “sapo”. O sapo salta é uma aliteração. E há outros que escolheram o sapo. Apesar de algum ganho sonoro, não me parece uma boa solução, porque a rã é que vive em lagoas; os sapos vão para a água para procriar apenas. O mais importante, porém, é o enquadramento sazonal: rã é indicativo de primavera, renovação da natureza, retomada do ciclo da vida. Quando contraposta ao tanque velho, que sugere algo imutável, provoca-se o contraste. Se há união de opostos aqui é a da renovação com a permanência, do renascer com a velhice. A materialização dessa união é o som. Por fim, nesse contraste se encontra uma glosa ou alusão à ideia tão cara à escola de Bashô de que na arte há um elemento fixo e outro variável. De mais a mais, o japonês é uma língua com poucas combinações de sons para formar sílabas ( normalmente uma consoante e uma vogal) e não me parece que nesse haikai em particular haja algum esforço de onomatopeia. Então fiquemos com a rã. Mas tudo isso que dissemos até este ponto poderia ser encontrado em outros poemas de Bashô ou outro poeta de primeira linha no haikai. Portanto, fica ainda sem resposta o porquê de esse haikai em especial ter ganho essa fama e ter merecido tanta análise e comentário. (Continua…)
Nenhum comentário:
Postar um comentário