quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Lista de livros para o vestibular - I

 Acabo de ler que a lista de livros para o vestibular da USP será composta apenas de obras escritas por mulheres. Machado de Assis, diz a chamada sensacionalista, foi expulso. Voltará só daqui a três anos. E mais dois homens com ele. Até lá, nem o de Assis, nem Drummond, nem Bandeira, nem Guimarães Rosa, nem Oswald ou qualquer outro macho.


O divertido da matéria é a expertise do diretor da Fuvest, um professor de direito. Talvez sem as suas justificativas, a decisão instigasse. Com elas, o ridículo puxa a franja da toga, exibindo ao público a roupa de baixo em mau estado.

Entretanto, não me surpreendeu. Tenho observado os exames, tomado o pulso do que se pede em matéria literária. E é quase nada. Ou tudo se resume à interpretação de texto, com algum verniz de terminologia, ou acaba por ser um retorno confesso ou envergonhado à velha história da literatura. Assim, a rigor tanto faz o que se eleja, pois o gesto da eleição o mais das vezes é puro movimento inercial. E fugir à inércia, em princípio, desperta simpatia.

Mas a inércia não é adversário desprezível. Tanto é assim que o professor de direito, falando pela USP, nos tenha vindo garantir que as obras escolhidas permitirão que sejam estudadas as características das escolas literárias.

Então é isso: a vetusta USP quer indicar aos professores e estudantes do ensino médio que o importante em literatura é conhecer as escolas? Se for, então está certo, pois tanto faz que sejam homens ou mulheres os autores. Como também é despicienda a questão da qualidade, bem como a da recepção da obra ao longo do tempo. É tudo razoável, desse ponto de vista. E se é razoável, por que não tocar a melodia do tempo?

Mas o jurista vai além, nos garante que as obras escolhidas têm qualidades literárias grandes e explica: se ficaram preteridas em relação a um Machado, por exemplo, foi apenas porque foram produzidas por mulheres.

Nesse tipo de declaração, reconheçamos, não há nada de novo. Por isso me pareceu, num primeiro momento, exagerada a reivindicação uspiana de que se trata de um gesto de vanguarda radical.

Se bem que, pensando não no curto prazo da notícia, mas no tempo dilatado do ensino, talvez haja alguma verdade aí também.

É que a USP tem peso. E se bem entendi o regozijo do núncio do vestibular com a novidade, ele realmente espera que, pelo estado de São Paulo afora (se não mesmo pelo Brasil), o ensino das escolas literárias, possa ser feito, de agora em diante, depois da decisão libertadora da USP, em clave variada. Afinal, a identidade é um deus de muitas faces e há várias maneiras de servi-lo.

Ao mesmo tempo, a notícia traz um testemunho torto. O de que o lugar do literário é ainda um podium de prestígio ou de autoridade. Por isso mesmo é zona de combate. Terra em disputa. Inserir ali, esta ou aquela obra, esta ou aquela identidade, é ainda um gesto pleno de sentido, de reivindicação. Mas não é algo como dar uma cotovelada e encontrar um lugar entre tantos. É no limite combater o próprio lugar.

Por isso, o testemunho não é favorável. No prazo mais longo, acho que tenderá a se esvaziar ou diminuir o lugar literário, fazendo com que seja um desperdício o esforço ou mesmo o simples gesto de ali inserir ou de lá retirar algum autor ou obra ou filtro de identidade.

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