domingo, 14 de abril de 2013

Entre ser e nada: Augusto de Campos lê John Cage

Entre ser e nada

          Acabo de ver isto: http://www.erratica.com.br/opus/110/nada.html e, em seguida, isto: http://vimeo.com/29791907.
          A conferência sobre o nada na interpretação de Augusto de Campos (gravada por Vanderley Mendonça e, no primeiro link, editada por André Vallias) enfatiza o auditório vazio. Que é, evidentemente, uma alegoria. O auditório real está em outra parte: do outro lado da tela: o internet surfer que clica no item, dentro da revista eletrônica.
          Sendo assim, o que quer dizer a ênfase no auditório vazio? Ou melhor, a construção de um auditório vazio para a leitura filmada, pois neste momento e naquele lugar, o mais provável é que houvesse nele público significativo, não fosse a necessidade do cenário.
          É uma espécie de testemunho sobre a época (Cage, 1949)? Ou afirmação sobre a nossa própria época (Campos et al., 2011)? Um lamento por não haver já quem se interesse por ouvir uma conferência sobre o nada, isto é, uma conferência que se reduza a um ato performativo, que se desdobra numa pregação de silêncio? Ou um elogio do solitário ouvinte que contempla a leitura e contempla o auditório vazio (ao qual, por contemplar, já não pertence)?
          O pequeno filme configura o leitor/tradutor/intérprete, bem como aquele que assiste ao vídeo como figuras de exceção, irmanadas na recusa à suposta recusa de ouvir o que o poeta não tem a dizer.
          Mas o poeta que quer o silêncio e quer dizer nada, quer dizer que tem o direito de não ter nada para dizer, exceto a vontade ou o imperativo de dizer – e que identifica a poesia com esse não-dizer ou dizer-nada – mas esse poeta, perguntava, que lugar real configura para o público? E para si mesmo?
          Sem a afirmação negativa, isto é, sem a afirmação pela negação, onde está a poesia? Essa poesia, que se constrói como antipoesia, no sentido de ser uma declaração de ser o contrário do que a expectativa do suposto público (ausente da plateia filmada) teria do que fosse a poesia.
          Mas quando quem vê é reduzido à pessoa eleita a que o discurso se dirige (com ou sem a edição que alude a um determinado tipo ou momento da história da poesia), qual o sentido do silêncio, ou da afirmação negativa, se não há expectativa a contrariar? É que aqui a expectativa é plenamente satisfeita. Contrariá-la seria apresentar um poema expressivo, narrativo, lírico ou de versificação tradicional – enfim, tudo o que o leitor acostumado ao discurso negativo da vanguarda e suas descendências não vê ou não aceita como seu contemporâneo. Mas não foi esse o caminho escolhido. Não sendo, qual o sentido da negação? Para quem e por que o poeta/tradutor/intérprete diz “não”? O “não”, aqui, dada a expectativa confirmada, vale por um “sim”, ou por um “assim queríamos demonstrar”. Vigora, pois, como reiteração do esperado. E do lugar à margem em que supostamente se encontram tanto o poeta quanto o seu realizador e o seu espectador.
          Nesse caso, a intervenção tem um sentido apenas: reafirmar o acordo, revivificar o já ocorrido. Seu alcance, assim, é predominantemente histórico. Sua reflexividade ensaia, mais do que tudo, a afirmação do pertencimento e do lugar na série. Ou seja, a filiação – de olho na descendência. Reiteração, dogma, elogio, aceno cúmplice: é assim celebração, ou melhor, autocelebração (e eloquente) a coisa dita dessa forma e neste momento por meio da negação do dizer.

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originalmente publicado aqui: http://sibila.com.br/critica/entre-ser-e-nada/5194

Jorge de Sena e o haikai

Os haikais de JS

X
     Jorge de Sena sem dúvida conheceu bem o haikai clássico. Introduziu 20 deles, de Bashô, no seu Poesia de 26 séculos. Por isso, a questão que se coloca ao ler os poemas de sua autoria por ele denominados hai-kais não é essa, e sim o que o poeta desejou fazer ou conseguiu fazer ao convocar o nome e o espírito da forma.
     A questão não tem resposta simples. Tecnicamente, poucos desses poemas, se lidos isoladamente do conjunto e da denominação, seriam considerados haikais. Talvez um, talvez nenhum. Não só por não guardarem a estrutura do terceto, com a qual se popularizou o haikai no Ocidente, mas principalmente porque a quase todos falta a objetividade despojada que identificamos como essencial para a definição do gênero.
     Ao vincular tais textos ao gênero haikai, então, o poeta buscava outra coisa. De imediato, é evidente que a denominação promove uma disposição de leitura. O leitor se prepara para um tipo de poesia, propõe-se uma atitude interpretativa.  Essa disposição e atitude é que serão contrariadas ou confirmadas ao longo da leitura. Mais contrariadas do que confirmadas, nesse caso.
     O efeito de sentido é complexo. Trata-se de um poeta reconhecido, de um estudioso muito conceituado e de um evidente conhecedor da forma e da tradição do haikai. Mas os textos que produz e insere, por um gesto soberano, nesse gênero, não parecem pertencer a ele.
     A forte personalidade do autor determina o afastamento, marcando presença não apenas nas referências ao “eu”, mas também na escolha da forma do dístico e do tom aforismático.
     Para um leitor pouco familiarizado com o haikai japonês, a forma do dístico surpreende mais. Entretanto, quem já o leu no original sabe que a estrutura básica do haikai é a justaposição de dois segmentos frasais. A medida nada tem a ver com a utilizada por Sena, cujo dístico se compõe de dois versos de aproximadamente a mesma extensão. Mas em alguns do poeta português, a justaposição faz com que o texto mimetize a estrutura profunda do haikai.
     Dos poemas do autor, o que mais pareceria, pela estrutura, um haikai é “para encontrar-se o acaso / ai quanto caminhar!”. Mas esse é justamente o que menos se sustentaria como haicai, por ser abstrato, não trazer nenhuma indicação de lugar ou de tempo, nenhum kigo.
     Já o que me parece ter mais espírito de haikai é este “O mar se alonga ao longe tão sereno. No temporal, há pouco, era mais curto”. Porque aqui se tem uma observação muito precisa, muito objetiva. O horizonte se encolhe no temporal. Qualquer outro sentido simbólico pode construir-se, mas a base objetiva é firme e indiscutível.
     Jorge de Sena poderia ter escrito pelo menos dois desses poemas na forma tradicional do haikai. Mas por alguma razão o quis fazer.
     Como exercício, para mostrar as diferenças e as aproximações, faço-o eu aqui, sem pretender evidentemente corrigir, mas dialogar divertidamente com o poeta.
     No primeiro, bastaria suprimir a notação subjetiva e teríamos um haikai, facilmente reconhecível como tal:

Tem chovido tanto…
Na noite do quintal,
O sapo canta.

No terceiro, seria o caso de eliminar a torção da frase, em nome da naturalidade da expressão:

O temporal passou.
O mar sereno
Parece mais longo.

Assim teríamos haikais. Mas esses textos, eu creio (embora conheça pouco a obra poética de Sena), dificilmente poderiam ser assinados por ele.
X                   
                
HAI-KAIS
Tem chovido bastante: insuportável tempo.
Na noite do quintal, o sapo canta.
*
Conversam como ao longe
não comigo.
Se comigo falavam
Cansar-me-iam.
*
Por nuvens as montanhas não têm picos.
Mas, negras e escalvadas, cabeleira branca.
*
O mar se alonga ao longe tão sereno.
no temporal, há pouco, era mais curto
*
O ano inteiro esta árvore
larga folhas mortas.
*
Roupa que se abre e cai:
surpresa; ou muito ou pouco.
*
No escuro cresce o amor
que só nocturno se ama.
*
Para encontrar-se o acaso
ai quanto caminhar!
Sentado, escreve e lembra
imagens que não viu.

HAI-KAI
Um pássaro canta: não tem voz
que só cantar dos outros ele imita.
11-12/1/1974
In: 40 Anos de Servidão. Lisboa, Ed. 70, 1989, p.140-1 eVisão Perpétua, Lisboa, Ed. 70, 1989, p. 192





Publicado origalmente em Ler Jorge de Sena
http://lerjorgedesena.wordpress.com/2013/04/09/jorge-de-sena-e-os-haikais-2/

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Plágio - entrevista a Ricardo Manini



Breve entrevista a Ricardo Manini – a propósito da noção de plágio – março, 2013

Manini:  Rousseau escreve, nas suas Confissões, o seguinte: "I know my heart, and have studied mankind; I am not made like any one I have been acquainted with, perhaps like no one in existence; if not better, I at least claim originality, and whether Nature did wisely in breaking the mould with which she formed me, can only be determined after having read this work". Alguns críticos literários colocam que o ideal da originalidade nasce, ou ao menos está ligado em grande parte, ao período Romântico. Isso está correto? O movimento romântico traz mesmo uma ideia de querer ser diferente, querer ser original, em relação a outros homens? Em que sentido isso se realiza?


Franchetti: Acho que o que nasce com o período romântico é nossa forma de compreender a originalidade. Mas basta percorrer a história da literatura para ver que as marcas originais foram valorizadas em várias épocas, de uma forma ou outra. Os líricos gregos mais conhecidos criaram inclusive formas estróficas próprias, que depois outros incorporaram. E até hoje falamos de verso sáfico, por exemplo. As escolas de pintura reforçavam, no trabalho coletivo, a maneira de um mestre. E os traços comuns a textos de autores diferentes foram ao longo dos anos reunidos sob um nome próprio (como Camões, por exemplo; ou Gregório de Matos), sendo a ele atribuída a autoria, isto é, a sua origem. A distinção entre invenção e cópia, entre propriedade e apropriação, tampouco é romântica. Já no Quixote nos deparamos com aquela passagem engraçada em que D. Quixote chega a um lugar por onde teria passado um falso Quixote, isto é, um Quixote herói de um livro não escrito por Cervantes. Ali aparece a questão da autoria, da autoridade do criador, que confere verdade à sua criação e desautoriza a existência da cópia, sem entretanto conseguir negá-la (isso é o mais notável, pois o falso Quixote também existe e sua existência não é questionada pelo verdadeiro).
Mas é evidente que, no período romântico, a originalidade ganha outro contorno e passa a ser valorizada e apreciada de outra maneira. Por um lado, pela razão que apontou na sua pergunta: parte importante da estética romântica é postular a ligação íntima da vida e da obra, com a consequente valorização da singularidade de uma vida. Assim, os traços mais individuais, quando expressos, garantem que a expressão é autêntica, que o que se tem ali é a expressão de um indivíduo concreto. Por outro lado, a originalidade passa a ser mais importante no momento em que os cânones clássicos se enfraquecem ou se dissolvem. Sem o quadro prescritivo do cânone, a justificação de uma obra passa a se dar por meio do apelo à fidelidade ao sentimento e à observação do real. E não podemos deixar de notar que o período romântico é justamente aquele no qual a literatura se torna mercadoria de grande consumo e, como consequência, o período no qual se define o direito à propriedade intelectual. Para ter uma ideia do quadro, basta considerar que dois dos maiores escritores portugueses, Garrett e Alexandre Herculano, tinham posição oposta com relação à remuneração da produção intelectual (os direitos de autoria): Garrett era favorável e Herculano era contrário. Creio que é a questão da quebra do quadro clássico dos gêneros literários aliada à ascensão da classe média, que permitiu que a literatura passasse a bem de consumo, que nos permite dizer que a originalidade (e a questão do plágio literário, tal como hoje a concebemos) tem origem romântica.


Manini: Se pensarmos em uma perspectiva histórica, a cópia de textos era muito praticada por monges na Idade Média, antes da invenção da prensa. A cópia, nesse caso, não poderia ter o sentido de plágio. Tinha, em realidade, a ideia de disseminação do conhecimento para aquele pequeno grupo de homens. Hoje, a cópia literal sem citação da fonte original é vista, muitas vezes, como uma coisa senão ilegal, ao menos imoral. Podemos dizer que há uma mudança de sentido do ato de copiar no decorrer da história?

Franchetti: O sentido do ato e da forma de copiar – ou melhor, de se apropriar dos textos de outros – mudou muito ao longo da história. Na China clássica, por exemplo, se você quisesse citar um texto canônico no interior do seu texto não tinha de colocar nenhuma marca como as nossas aspas e nem explicar de onde tirou a frase ou parágrafo ou estrofe. Seria um insulto à cultura e à inteligência do leitor. É um exemplo extremado, mas em vários períodos da nossa própria história percebemos comportamento semelhante. E ainda hoje, apesar das pressões das normalizações, é comum encontrar artigos sobre literatura em que os autores mais conhecidos são apenas referidos, sem a usual indicação de ano e página. Na literatura também a forma de avaliar a apropriação da autoria também sofreu mudanças importantes. Uma delas foi que a acusação de plágio passou a transcender o texto: Eça de Queirós, por exemplo, foi acusado de plágio, quando publicou O Crime do Padre Amaro, porque o enredo do livro lembrava o de um livro de Émile Zola. Outra é que ao longo do tempo, a recriação livre de um texto de outra língua – ainda muito comum entre os nossos românticos, por exemplo – passou a ser pouco praticada – até ser de novo valorizada na forma de uma tradução criativa. Nesses casos, o que se observa é não uma subtração da autoria, mas a afirmação de duas autorias concorrentes, o que é uma variável interessante para pensar na questão do plágio. Já na modernidade, vigoraram alguns procedimentos que, em outro tempo, poderiam ser vistos como plágios: a incorporação de textos de outros autores por Eliot, ou por Pound, por exemplo. De modo que, hoje, a questão da apropriação de textos de outros autores se tornou mais complexa, mais mediada. Ou seja, perdeu força no domínio literário, onde sobrevive apenas nos casos em que o que importa de fato é a mercadoria: nos best-sellers. A relevância da noção de plágio – a própria formulação ou acusação de plágio – tem a ver, portanto, com o valor econômico do produto. Ou do que o produto pode ou poderia render, ou do capital investido na sua produção. Por isso, a questão do plágio é hoje mais grave no domínio da ciência. Daí a vinculação com ilegalidade: o que está em questão não é a apropriação particular de um bem comum, como queria Alexandre Herculano ao negar o direito de autor, mas a apropriação indébita de um bem que se entende como privado, seja um resultado científico, um produto, uma sequência de palavras, frases musicais, enredos, etc.


Manini: É possível traçar uma relação entre a meta de originalidade e a meta de copiar? Uma ideia se contrapõe à outra? Há nuances nessa relação?

Como respondi acima, do meu ponto de vista, no domínio da literatura e da arte não há contraposição rígida, se considerarmos um amplo período de tempo.

Entrevista - Balacobaco

Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão nosso habitante para o Balacobaco (2002)

Paulo Franchetti nasceu em Matão (SP), em agosto de 1954. Professor de Teoria da Literatura e Literatura Portuguesa na Universidade Estadual de Campinas, publicou três livros de poesia (Várias Vozes, 1975, Indigo Blues, 1984, e Hacais, 1994) e vários trabalhos de crítica e história literária, entre os quais se destacam Alguns aspectos da Teoria da Poesia Concreta (1989), Haikai - Antologia e História (1990), Correspondência de Eça de Queirós e Oliveira Martins (1994), a edição-crítica da Clepsydra, de Camilo Pessanha (1994) e a edição comentada de O Primo Basílio, de Eça de Queirós (1998). Durante dois anos, dirigiu a lista de discussão Haikai-L, dedicada à prática do haikai.

Como foi o seu percurso poético até encontrar o haicai?
Eu cheguei ao haikai por dois caminhos. Por um lado, pelos textos de Haroldo de Campos. Fiz uma tese de mestrado sobre a teoria da Poesia Concreta, que defendi em 1982. E como Haroldo de Campos escrevesse sobre haikai, valorizando a etimologia dos kanjis, e Augusto de Campos várias vezes abordasse o sistema de escrita da China e do Japão, interessou-me aprender a língua japonesa (o que fiz, por alguns anos), e ver como funcionava o kanji numa língua que o empregava como sistema de escrita. Por outro lado, nos estudos de literatura e cultura portuguesa, deparei pela mesma época com os livros de Wenceslau de Moraes, que retratou a vida japonesa no início deste século e também traduziu haikais. Interessado pelo assunto, e tentando ter do haikai uma visão mais fundamentada, acabei chegando à obra fundamental sobre o assunto no Ocidente: os livros de R. H. Blyth. Isso foi no começo dos anos 80, e a partir daí passei a estudar mais sistematicamente o haikai e a sua história no Japão e entre nós. Foi apenas no lançamento do livro "Haikai -- antologia e história", no VI Encontro Nacional de Haikai, realizado em 1989, que comecei a fazer haikais e a participar de reuniões de um grupo nipo- brasileiro, presidido por Hidekazu Masuda Goga na Aliança Cultural Brasil-Japão.
Caetano Veloso, numa letra de música, diz que: "está provado que só é possível filosofar em alemão". Plagiando o cantor, só é possível fazer o haicai em japonês?
Nem a blague de Caetano é verdadeira, nem a idéia de que só é possível fazer haikai em japonês. Da mesma forma que é possível fazer ikebana no Brasil, é possível fazer haikai em português. O haikai, tal como o entendo, é mais uma atividade e uma atitude frente à linguagem, do que uma forma poética.
O que um haicai exige do haicaista? É necessária concisão, concentração?
Exige um distanciamento da nossa tradição poética. Pelo menos de uma certa tradição, que identifica a poesia com um conjunto de práticas lingüísticas. Haikai é um texto curto, sem metáforas, sem rima, sem preocupação de brilho lingüístico. É basicamente isto: um texto breve, despojado, modesto, em que uma sensação, uma percepção de algum fenômeno natural é colocada em palavras de modo muito objetivo. Concisão, assim, é uma palavra de sentido muito específico: significa recusa tanto ao derramamento sentimental, quanto ao descritivismo detalhista. Diz-se usualmente que o haikai é sintético, mas isso não é bem verdade. Em haikai não temos síntese no sentido de "dizer o máximo com o mínimo". O haikai é, antes, a arte de, com o mínimo, dizer apenas o suficiente para o desenho, em traços rápidos, de uma cena ou situação em que se surpreenda algum índice de alteração sazonal.
Qual a diferença da linguagem do haicai para a linguagem poética. É possível um haicai sem poesia? e um haicai que não é poema?

Colocada nestes termos a pergunta, a melhor resposta me parece ser:haikai não é poesia. É uma formulação que parece paradoxal, mas que faz todo o sentido, quando se pensa nas expectativas que temos frente a um texto que denominamos "poesia" ou "poema" e a um texto que denominamos "haikai". Se pensamos o haikai como "poema" ou "forma poética", ele tem pouco a nos oferecer: é mais uma forma exótica, como o pantum malaio que fez sucesso entre os parnasianos, ou uma forma fixa datada e hoje pouco empregada, como o rondó, por exemplo. O que ele tem a nos oferecer de mais interessante é uma outra concepção de emprego da linguagem. Nos meios haikaísticos mais interessantes, o haikai é uma forma de viver a alteridade, de nos afastarmos momentaneamente da nossa própria tradição. É um jeito de estar no mundo e na linguagem; e é também uma prática coletiva, uma atividade que se faz em conjunto, dentro de um certo estado de espírito e com o objetivo de interação com outros praticantes.

Quais são os principais haicaistas brasileiros? Quais são os mestres nipônicos?
Os mestres nipônicos mais conhecidos são Bashô, Buson, Issa e Shiki. Bashô, que viveu no século XVII, é o iniciador do que chamamos "o caminho do haikai". Shiki, que viveu já nos tempos modernos, é considerado o restaurador do haikai, o homem que recuperou o prestígio da atividade num Japão fascinado pela literatura ocidental. No Brasil, creio que os haikaístas mais interessantes são os que permanecem ligados à prática coletiva do haikai e que estão mais perto da tradição japonesa. Dentre esses, creio que os melhores são Teruko Oda e Edson Kenji Iura.
Como foi estar à frente da lista de discussão Haikai-1?
Foi uma experiência muito gratificante, durante um certo tempo. A lista foi criada para ser uma oficina on-line e funcionou assim durante uns dois anos. Depois, virou um lugar de disputa entre tendências concorrentes. De um lado, os que têm do haikai uma visão como a que expus acima. De outro, os que vêem o haikai como uma manifestação do "zen" ou como uma mera forma literária, que pela sua brevidade exige uma linguagem trocadilhesca ou piadista. O haikai "zenista" ou piadista me parece uma prática cansativa e rebaixada. Creio que a lista é importante e deve continuar funcionando. Para mim, entretanto, perdeu boa parte do interesse que tinha, pois ao invés de uma oficina dedica a uma prática específica e à construção de um caminho específico de haikai, passou a ser um lugar de publicação mais ou menos indiscrimida, como acontece nas listas dedicadas à prática da poesia de modo geral.
O que falta para o haicai ser mais difundido no Brasil? O que falta para ser difundido além dos limites da colônia nipônica?
Acho que o haikai é muito difundido no Brasil. Na colônia japonesa ele ainda é muito praticado em japonês. O Grêmio Haicai Ipê, a que me referi acima, foi o primeiro esforço de juntar as duas tradições: a do haikai produzido no Brasil em japonês e a do haikai aqui produzido em português.
Como a tradição do haicai pode estar a serviço de uma renovação da linguagem do poema aqui no Brasil?
De várias formas, às vezes muito diferentes. Sem dúvida, o haikai e o ideograma desempenharam um papel importante na formulação e na prática da Poesia Concreta. Pouco depois, Paulo Leminski escreveu haikais, traduziu haikais e incorporou elementos do haikai à sua própria poética. A objetividade do haikai, sua modéstia e despojamento são elementos que encontramos em lugares muito prestigiados atualmente na poesia brasileira, como, por exemplo, em alguma poesia de Manoel de Barros. Mas creio que o haikai, por ser uma prática que se aprende no convívio com outros praticantes, por ser objeto de muitas oficinas em vários lugares do país, tem um papel importante na criação de novas formas de usar a linguagem com objetivos artísticos, e que as conseqüências disso na criação poética brasileira só vão ser sentidas e melhor avaliadas daqui a alguns anos.
Quais os principais trabalhos sobre o haicai publicados no Brasil?
Sem falsa modéstia, creio que o mais completo trabalho publicado em português é o que saiu pela Editora da Unicamp em 1989: Haikai -- Antologia e história. Mas há outros textos importantíssimos disponíveis: os ensaios de Octávio Paz, publicados em "Signos em rotação" e o livro de Carlos Verçosa, "Oku, viajando com Bashô".
O tema da sua tese de mestrado foi a poesia concreta. O que poderia nos adiantar? Quais os caminhos pelos quais a sua tese navegou? Quais > conclusões chegou? Poesia concreta é design? Ainda existe hoje? Foi substituída pela poesia visual?
Trabalhei apenas com a teoria da Poesia Concreta. Meu interesse, naquele momento, era observar a argumentação que desenvolveram os seus principais formuladores, os valores que defendiam, as questões que privilegiavam no debate. Isto é: tentei pensar a Poesia Concreta como movimento cultural e apreender a sua articulação com o momento histórico brasileiro, buscando entender o que tornou tão persuasivas as suas propostas. Creio que Poesia Concreta é uma expressão que designa, mais do que um tipo de produção poética ou um certo número de procedimentos lingüísticos, um conjunto de proposições culturais. Nesse sentido, a Poesia Concreta existe ainda hoje, isto é: é um vetor importante da nossa cultura. Mas se quisermos utilizar a expressão para designar uma expressão homogênea, um tipo de texto, teremos dificuldades, pois a produção de um Augusto de Campos ou de qualquer um dos outros dois é muito variada e mesmo o verso, ou a forma de figuração analógica que foram abolidos programaticamente em 1956 ou pouco depois, reaparecem em momentos vários da sua prática poética.
Como estão os estudos sobre a poesia portuguesa simbolista?
Minha tese de doutorado foi a edição crítica dos versos de Camilo Pessanha. Recentemente, defendi, como tese de livre- docência um trabalho de análise de poemas desse autor, que deverá ser, em breve, publicado pela Editora da USP. Reúno ali tudo o que há vários anos tenho pensado sobre a poética simbolista, e com isso sinto estar fechando um estudo iniciado há mais de dez anos. No momento, meus interesses estão concentrados na elaboração de uma nova descrição da poesia brasileira produzida entre o Romantismo e o Modernismo: a de extração simbolista, principalmente, mas não só.
É notória a sua condição de grande estudioso do haicai. Também se sabe de todo o tempo que dedica ao estudo do mesmo. Por que o haicai ainda não foi alvo de seu estudo na universidade?
Tenho feito alguns estudos acadêmicos sobre o haikai no Brasil. Mas como sei pouco japonês, não me aventuro a estudar o haikai no original, sem a ajuda da minha colega Elza Taeko Doi. Tenho pensado o haikai, assim, basicamente como uma imagem produzida pelo Ocidente. Meus estudos sobre o haikai no Japão sempre foram apenas uma tentativa de encontrar parâmetros que me permitissem entender as apropriações que dele vimos fazendo no Ocidente, principalmente a partir das primeiras décadas deste século.
Tem alguma epígrafe que o acompanhe?
Sim. Uma frase de Bashô: "o que diz respeito ao pinheiro, aprenda do pinheiro; o que diz respeito ao bambu, aprenda do bambu".
Qual o papel do escritor na sociedade?
Mallarmé dizia que era dar um sentido mais puro às palavras da tribo. Pound, que era manter a linguagem eficiente. Acho que é um pouco por aí.
(2002)

publicada originalmente em:

http://www.gargantadaserpente.com/entrevista/paulofranchetti.shtml


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Santo Reis da Luz Divina - apresentação



Apresentação do livro Santo Reis da Luz Divina, de Marco Aurélio Cremasco - 2004


            “Celeste, entretanto, não amou a Augusto como Pedro a Inês, mesmo com o nascimento de Santino, e, depois de três crianças mortas quando do nascimento, de Heitor.”
Quando li esse nome, tudo empalideceu: o rosto de Augusto, o desfile sob a luz das tochas, o sonho depois perdido no meio do sertão da terra nova. Apenas a figura do herói se erguia, igual a si mesma. Não era possível compreender como se sentiria antes da batalha. Não havia ainda o cheiro da morte, os membros rasgados nas pedras, imundos com a lama coberta de sangue. O vento que ondulava nas planícies poeirentas invadiu o quarto e, junto, o cheiro forte da erva esmagada pelos carros. Os cavalos suados, a mudez sobre as muralhas, de onde logo o choro grosso das mulheres desceria em ondas sobre a encosta da colina.
            E era uma palavra, numa seqüência de outras, que trazia os fantasmas ininteligíveis, a procissão deles, sujos, sanguinolentos, terríveis na paixão, caindo como troncos sobre o solo, soltando o suspiro fundo, no qual a alma se esgueirava para os reinos subterrâneos, onde tudo era apenas sombra.
            Eu li, naquele momento o que se passa e se agita sempre sob o olhar das letras, como o fluido nas veias sob a pele: as naus, os cantos, amores e luar gelado sobre as tendas. E quando continuei o milagre estava feito, a espécie recomposta e o animal de outrora, redivivo, de novo se agitava.
            E depois, fui abrindo outras portas, caminhos que ligavam o aqui e o ontem e o que houve no começo: “Acontecimentos passados apenas passam quando importância dada pouco é ventilada. São folhas caducas de árvores secas que servem de ninho aos pássaros ou cova aos ratos ou simplesmente abrigam a alma do que não existe”.
            De onde vinham as palavras que se moviam assim, na direção do que por um momento brilhou e foi sabedoria, e agora, esquecido, permanece apenas como reminiscência, desejo surdo de retorno? O que ali estava se compondo, por debaixo da história na qual os fatos pareciam apenas balizas de um sentido que não emergia totalmente?
            “Qual noite é capaz de esconder o brilho do mais distante fogo? As cabanas, envoltas de cusparadas de chamas, incendiavam-se em cada graveto da última fogueira no meio de carroças e tendas”. O dente do tempo faz uma cicatriz em cada trecho da pele esticada desta narrativa: vêm, sob o arranjo da fala, o ritmo e a volúpia do que já foi dia um tido por autêntico. A cadência de quando havia um país por descobrir, uma fala por trazer para dentro do espaço sagrado das páginas de um livro. Mas agora esses ecos estão misturados com as formas dos filmes, o borbulhar do riso que percebe o movimento nostálgico, a verdade de uma infância perdida no canto da memória, de onde as falas e os nomes às vezes emergem, ainda melados do sono do esquecimento.
            “A vida só tem sentido quando contada pela morte. O construído se completa no destruído. Entre o estampido e o tiro, a luz. A luz só tem sentido quando antecedida pela ausência. Ficar em pé só se completa no tombo. Os dentes brancos do sorriso são escovados pela lágrima. E quando não há dentes, é por terem sido arrancados no espólio da batalha”. E perante isso, que importa, senão como intervalo, o particular da história? Como não perseguiria, ávida e displicentemente, quem está do lado de cá, esbarrando na barreira das palavras, a trama dos eventos de que já ninguém se lembra? Como não passaria rápido, de uma linha a outra, em busca da forma do próximo momento no qual o corpo vivo do que foi de novo apareceria: o livro do conhecimento, a voz anônima em provérbios, as sagas perdidas, as lidas e as trelidas ao longo dos séculos se amontoam na margem, à espera da sua vez de, bebendo o sangue dos nomes novos, recuperar um pouco da visão antiga. E foi assim que eu segui, imune quase ao fluxo do que me aparecia apenas como alimento e base do que crescia a intervalos: a história de Santino e Esperança, as cuidadosas reconstruções do que não importava, a figura e o charuto de Getúlio, os nomes da geografia de onde passei a minha própria infância.
            Durante o tempo estendido em que a fala tentou tecer uma ponte de sentido, as perguntas valeram sempre mais do que as repostas: “Quando a guerra acaba no olhar do guerreiro? Quando a lâmina cega na barriga do derrotado? Quando a desgraça se apodera dos desesperados? Qual o momento certo para fugir do espelho ou se refugiar na própria sombra? Esperança olhava o céu. Santino, a terra. Esperança rogava a Deus. Santino enxergava o infinito nas trilhas que cruzavam Luz Divina. Enquanto um se procurava nas estradas perdidas da infância, outra aumentava as feridas impregnadas nos joelhos por tanta oração. O Brasil não era o mesmo”. Mas quem se importará, singrando a superfície das palavras, com o último elemento? E com, ao final, o amigo que não era amigo, o enigma solucionado? Para quem buscava o sentido na ramagem, estava dado o prato e a sobremesa. Mas para os que sentiam que as folhas só se agitavam de verdade porque as raízes se enroscavam, famintas, na terra onde há séculos penetrava o húmus das palavras decompostas, florescentes e de novo prontas para a seiva nova, para esses a passagem deveria ser refeita, os escolhos da superfície afastados, para que o leito do mar, onde repousam os restos dos naufrágios sucessivos, pudesse acolher mais este gesto de amor e, com ele, depois da carne rápida e viva da lembrança, o mineralizado esqueleto da infância, ali ternamente depositado como um testemunho ou uma homenagem, já que assim dignificado junto às sombras dos heróis de outrora.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Poetry and technique: concrete poetry in Brazil


Poetry and technique: concrete poetry in Brazil


Abstract. Drawing on the writings of leading participants such as Joao Cabral de Melo Neto, this article examines the emergence of Concrete Poetry in postwar Brazil. Although literacy was then rapidly increasing, the status of poetry was challenged by the new media, such as film, that drew mass audiences. Responding to this challenge, Concrete Poetry did not retreat into a Classical revival, but aimed at a style of verse rooted in the realities of modern technology, and capable of being popular. It thus claimed to be true not only to its time, but also to its literary heritage--a heritage that was in fact validated rather than betrayed by its modernity. 

Keywords. Concrete poetry; Brazil; Mass Media 


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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Machado de Assis: Dom Casmurro




A recepção recente de Dom Casmurro*

Se considerarmos a história da leitura de Dom Casmurro a partir daquilo que Abel Barros Baptista denominou “a ficção do tribunal” (Baptista, 2003, p. 375), ela pode ser dividida em três momentos.No primeiro deles, Capitu está no banco dos réus e o veredicto de sua culpa parece unânime. Por exemplo, veja-se esta formulação de Lúcia Miguel Pereira, datada de 1936: “Capitu, se traiu o marido, foi culpada – ou obedeceu a impulsos e hereditariedades ingovernáveis? é a pergunta que resume o livro.” (Pereira, 1949, p. 175)
Aparentemente há aí uma modalização. “Se traiu”, diz a crítica, deixando aberta a possibilidade de Capitu não ter traído. Ora, se a pergunta que resume o livro é se a traição foi praticada por vontade livre ou foi determinada pela hereditariedade, a existência da mesma não é objeto de dúvida. O condicional, assim, origina uma formulação contraditória, que mostra a que ponto o consenso crítico resumia a questão do livro na questão da traição de Capitu.
Outro testemunho do consenso é esta passagem assinada por um crítico ainda lido, Augusto Meyer, que, em 1947, centrando a atenção no caráter pérfido de Capitu, assim respondia à indagação de Lúcia Miguel Pereira: “Capitu mente como transpira, por necessidade orgânica. [...] Em Capitu, há um fundo vertiginoso de amoralidade que atinge as raias da inocência animal. Fêmea feita de desejo e de volúpia, de energia livre, sem desfalecimentos morais, não sabe o que seja o senso da culpa ou do pecado.” (Meyer, 1986, p. 224)
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O segundo momento se inaugura com o livro de Helen Caldwell, O Otelo brasileiro de Machado de Assis, publicado nos Estados Unidos em 1960. É bem conhecido o passo em que a crítica propõe a leitura do romance do Casmurro como uma peça judicial destinada à condenação de Capitu e se apresenta como advogada de defesa da ré:

[...] no final de sua estória [...] o porquê de publicar nos atinge em cheio. Os capítulos CXXXVIII–CXL estão permeados de um ar de tribunal. Capitu está no banco dos réus. [...] No capítulo final (CXLVIII), o leitor percebe em sobressalto que foi convocado como jurado. A “narrativa” de Santiago não passa de uma longa defesa em causa própria. [...] O argumento funciona da seguinte forma: ele, Santiago, não é ciumento sem causa; ele não executou uma vingança injusta: Capitu é culpada. Caso os leitores o julguem inocente, ele estará limpo a seus próprios olhos (Caldwell, 2002, p. 99). [...] Praticamente três gerações – pelo menos de críticos – julgaram Capitu culpada. Permitam-nos reabrir o caso. (Caldwell, 2002, p.100).

Assumir o papel de advogada de defesa de Capitu, por meio do desmonte da narrativa de Bento, não é, entretanto, uma empresa sem custos e sem riscos. Isso se percebe desde logo, quando se anunciam as duas questões que resumiriam o foco do livro: a principal – “a heroína é culpada de adultério?” – e a subsidiária – “por que o romance é escrito de tal forma a deixar a questão da culpa ou inocência da heroína para decisão do leitor?” (Caldwell, 2002, p. 13).
Essas questões, porém, se anulam mutuamente (Baptista, 2003, p. 371). Se a última subsistir, a primeira não poderá ter resposta. Ou, dizendo de outra forma: se a decisão de fato dependesse só do leitor, então nunca seria possível concluir com certeza pela culpa ou inocência da heroína. Mesmo sem desenvolver esse ponto, queria notar que o tribunal continua ativo, com a substituição do acusado.
O movimento da advogada Caldwell é, entretanto, mais complexo do que a simples substituição do acusado. Se ela retira Capitu do banco dos réus e ali coloca Bento, ao mesmo tempo toma precauções para que, ao enviar Bento para essa posição, não envie junto o autor Machado de Assis.
O ponto não é de importância pequena, pois a partir do momento em que o autor fictício Bento Santiago passa a ser julgado, o autor real, que lhe delegou integralmente a palavra, pode também ficar sob suspeita. Na verdade, sem eliminar a suspeita sobre o autor real, não é possível afirmar seja a inocência de Capitu, seja a culpa de Bento.
A forma de Caldwell resolver o impasse e afastar o perigo é postular que Machado teria deixado pistas, ao longo do livro, para indicar ao leitor que ele deve desconfiar da narrativa de Bento. Ou seja, para indicar-lhe o rumo da leitura correta, que é a que estaria de acordo com o desígnio autoral. Machado, dessa forma, não apenas deixa de ser suspeito de compactuar com Bento, mas é chamado a júri como testemunha de acusação. Vai sem dizer que essa forma de conceber a atuação de Machado anula a questão subsidiária, acima referida, pois na verdade não haveria liberdade de decisão do leitor, já que existe uma intenção autoral a sinalizar a opção correta, por intermédio de sinais semeados ao longo do livro.
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A defesa de Machado e sua oposição a Bento ganham novo fôlego com um artigo de Silviano Santiago – o primeiro texto brasileiro escrito sob o influxo direto do livro de Caldwell. (1)
Machado, diz Santiago, era um “intelectual consciente e probo, espírito crítico dos mais afilados, perscrutador impiedoso da alma cultural brasileira” (Santiago, 2000, p. 46). Não há como confundi-lo, portanto, com o Casmurro reacionário. A delegação da voz narrativa, a partir desse pressuposto, começa a ser entendida ironicamente, como mimese crítica dos defeitos da sociedade brasileira.
Estava inaugurada assim uma linha de leitura que tenderia a tornar-se dominante, ao longo dos anos seguintes e até há bem pouco tempo, na leitura do romance.
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John Gledson dará continuidade e desenvolvimento às linhas abertas por Caldwell e Silviano Santiago, dedicando-se com afinco ao levantamento e interpretação de todos os elementos que pudessem ser entendidos como pistas da intenção de Machado e da leitura correta do romance.
E de tal forma, que termina por retomar, de Caldwell, a tese de que Dom Casmurro não é propriamente um romance de primeira pessoa, pois a delegação da voz narrativa não se faz inteiramente. Para a crítica americana, “o episódio do panegírico expõe o temor de Machado de que o júri tome o partido de Santiago e o deixe impune. Porém, se desempenharmos nosso papel como leitores, o papel que nos é atribuído por Machado, perceberemos que Santiago não é o autor do livro” (Caldwell, 2002, p. 204). Gledson, por sua vez, afirma: “é inteiramente falso pensar ser adequado classificar Dom Casmurro, acima de tudo, como narrativa de primeira pessoa e, portanto, agrupá-lo com Memórias Póstumas de Brás Cubas e Memorial de Aires, por oposição a Quincas Borba e Esaú e Jacó.” (Gledson, 1991, p.22)
Ora, o problema é conciliar a história da leitura do livro com a eficácia das indicações de intenção de autor, que desmascarariam o Casmurro. Se elas fossem eficazes, a leitura do livro não teria sido a que foi até o aparecimento de Helen Caldwell. E se elas não foram eficazes, isso se deveria a um defeito de execução da obra ou ainda a uma segunda intenção do autor?
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A lógica do tribunal produz a conclusão fatal, em dois textos de Roberto Schwarz, escritos em 1990, “A poesia envenenada de Dom Casmurro” e Um mestre na periferia do capitalismo – que explicam a insuficiência das indicações de intenção como desígnio objetivo de enganar o leitor.
Vejamos um trecho de cada um.

Primeiro, de Um mestre…:

por estratagema artístico, o Autor adota a respeito uma posição insustentável, que entretanto é de aceitação comum. Ora, a despeito de toda a mudança havida, uma parte substancial daqueles termos de dominação permanece em vigor cento e dez anos depois, com o sentimento de normalidade correlato, o que talvez explique a obnubilação coletiva dos leitores, que o romance machadiano, mais atual e oblíquo do que nunca, continua a derrotar. (Schwarz, 1990, p. 12).

Segundo, de A poesia envenenada:

O livro [Dom Casmurro] tem algo de armadilha, com lição crítica incisiva – isso se a cilada for percebida como tal [...]. Acaso ou não, só sessenta anos depois de publicado e muito reeditado o romance, uma professora norte-americana (por ser mulher? por ser estrangeira? por ser talvez protestante?) começou a encarar a figura de Bento Santiago – o Casmurro – com o necessário pé atrás. É como se para o leitor brasileiro as implicações abjetas de certas formas de autoridade fossem menos visíveis. [...] / Também o avanço seguinte se deveu a um crítico de fora, John Gledson, num livro cheio de perspicácia e espírito democrático. (Schwarz, 1997, pp. 9 e 11).

Schwarz leva às últimas consequências a ideia de um romance escrito não só contra o autor fictício, mas principalmente contra o leitor.
É certo que a ideia estava em Gledson, já no título do seu livro em inglês – muito mais sutil do que o da edição brasileira.(2) Mas para Gledson, o logro se reduzia à encenação dos preconceitos de classe e também dos desvarios de uma mente dominada pela paixão. E era um logro, por assim dizer, pedagógico, pois ao mesmo tempo em que mimetizava os preconceitos em vigor na sociedade brasileira, fornecia pistas para que o leitor pudesse perceber os limites desses mesmos preconceitos. Por isso mesmo, o estudioso inglês pôde terminar o seu livro de 1984 de uma forma otimista, quanto à relação de Machado com o seu leitor, atribuindo ao romance um efeito ou intenção terapêutica:

Acostumados como estamos à ideia de que o papel do filósofo é em grande parte crítico – ou seja, o de destruir hábitos mentais arraigados e errôneos –, talvez seja conveniente ver Dom Casmurro como uma peça de ficção, útil e destrutiva sob essa forma. E nessa medida o igual, sim, cura o igual: o livro nos agarra – ou deveria agarrar – em algum ponto, fazendo-nos reconhecer Bento como nosso irmão. Quando percebemos todas as ilações desse fato, é que o romance começa a produzir sua cura. (Gledson, 1991, pp. 182-3)

A novidade do ensaio de Schwarz é que, da sua ótica, o leitor (ao menos o leitor comum) já não é jurado e muito menos destinatário de uma ação curativa. Junto com Bento, senta-se agora no banco dos réus o leitor homem, brasileiro, católico (e presumivelmente sem perspicácia nem espírito democrático). E sua pena é dupla: é condenado como cúmplice de Bento e ridicularizado como objeto da ironia da composição machadiana.
Este terceiro momento da ficção do tribunal é um desdobramento coerente da lógica do paradigma inaugurado por Caldwell, embora seja um desdobramento incômodo. A ponto de Gledson, sentindo a amplitude e o peso da acusação, ver-se compelido a escrever, em Por um novo Machado de Assis:

Embora a descrição de Roberto Schwarz do tipo de elite que ele representa seja exata, Bento é um personagem com quem muitos leitores, e não só por causa de um compromisso ideológico subconsciente com a elite brasileira (só posso citar a mim mesmo como evidência), se identificarão, em um ou em vários níveis. (Gledson, 2006, pp. 182-3)

Mas essa é uma resposta à questão menor. Nos textos de Schwarz de 1990, o leitor corre o risco ou está sob suspeita de compactuar com Bento em questões e preconceitos muito amplos. Seu argumento vai muito além do de Gledson. O leitor agora deve responder não somente pela identificação com o lugar de classe de Bento, mas também pela adesão (que também parece decorrer daquela primeira) a um determinado tipo de discurso literário.
Nas suas palavras: “a transformação dessas emoções regressivas [de Dom Casmurro] em padrão de elegância literária, com vasta aceitação nacional, foi um dos sarcasmos máximos da arte de Machado.” (Schwarz, 1990, p. 96).
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Aqui reponta a verdadeira questão do volume Duas meninas, de 1997, que conjuga esse ensaio sobre Dom Casmurro e o dedicado a Minha vida de menina, de Helena Morley, revelando a plena implicação do primeiro.
À primeira vista, o eixo do livro é o paralelo entre as personagens femininas. Mas essa seria uma comparação desde logo destinada ao fracasso, literariamente falando, já que a personagem de Helena Morley nos chega por meio de um discurso em primeira pessoa, enquanto Capitu não tem voz no romance de Machado, senão por intermédio de Bento – que Gledson e Schwarz já se esforçaram por mostrar inconfiável e manipulador. Ou seja, nos próprios termos em que a questão se apresenta para Schwarz, se tudo o que o Casmurro conta é manipulado, como erguer sobre esse mesmo relato um retrato confiável de Capitu que pudesse comparar-se ao que Helena Morley traça de si mesma? Tudo o que se poderia contrastar, nesse caso, portanto, seriam duas construções alegóricas do liberalismo ou do impulso modernizador.
Schwarz não recua, porém, perante a dificuldade e o despropositado da comparação. Porque, na verdade, não é esse o foco dos ensaios, e sim a questão maior do cânone literário brasileiro. Mais especificamente, do cânone da prosa brasileira.
Uma afirmação como Minha vida de menina “é um dos livros bons da literatura brasileira, e não há quase nada à sua altura em nosso século XIX, se deixarmos de lado Machado de Assis” (Schwarz, 1997, p. 47) precisa ser bem meditada.
A começar pela consideração do fato de que esse livro do século XIX só foi publicado em 1942 – o que desde logo coloca vários problemas, desde a data efetiva da composição, até a forma que recebeu para a publicação, bem como o momento em que foi pela primeira vez lido como documento oriundo do XIX. Schwarz é o primeiro a perceber o perigo do terreno, tanto que faz um inventário completo das possibilidades de estar analisando não um texto do século XIX, mas uma contrafação modernista.
A questão da autoria e da datação de Minha vida de menina, porém, não frutifica, antes se dissolve ao longo do ensaio, que se organiza de modo a propor o livro de Helena Morley como contraponto à prosa da virada do século. Àquela prosa dominante em fins do XIX e começo do XX, que Schwarz vê como um produto da “conjunção infeliz e inconfundível que se havia estabelecido, nas letras da época, entre a crise do Brasil antigo, o contorcionismo estilístico e as ofuscações subalternas do cientificismo”. (Schwarz, 1997, p. 47).
O núcleo de força do seu ensaio está nessa postulação de que um livro “sem intenção de arte” – ou ao menos um livro que não é, a rigor, de ficção – possa ter conseguido cumprir, melhor do que todos os do seu tempo presumido – exceto os da segunda fase de Machado de Assis –, os objetivos da moderna literatura realista.(3) (Schwarz, 1997, p. 50).
Ou seja, na afirmação de uma desconfiança do “literário”, “estético”, “artístico”, que aparecem ao longo do texto como empecilhos ao realismo e à prosa progressista, isto é, uma prosa capaz de apreender e transmitir limpidamente a experiência nacional e a especificidade da estrutura social brasileira.
O livro de Helena Morley lhe parece notável pela naturalidade, pela espontaneidade e pela objetividade do registro – e, sobretudo, pelo “estilo sem literatice”. (Schwarz, 1997, p. 106)
A operação crítica dominante nesse ensaio é, portanto, opor esse momento luminoso das letras nacionais (“sem literatice”) ao resto, onde se confundem e se traduzem uns nos outros a “intenção de arte”, o “ranço literário”, o “ranço ideológico”. (Schwarz, 1997, p. 49) – frequentemente denunciados (como seria também a intenção de Machado denunciá-los) como “cobertura cultural da opressão de classe”. (Schwarz, 1997, p. 13)
Nesse quadro, fica evidente a única maneira de redimir a elegância, a subjetividade do registro e as amplas referências literárias (literatice) dos últimos romances de Machado: a armadilha, a enganação de sentido crítico.
Mas por conta da estreiteza das balizas dentro das quais se move, o raciocínio e a capacidade de análise do crítico terminam por claudicar exatamente no momento em que seria preciso separar estilo, efeito de estilo e caráter, inclusive para poder prosseguir no esmiuçamento da relação entre articulação literária e dominação de classe.
Refiro-me ao momento em que Schwarz tem de dividir o romance de Machado em duas partes – a primeira, que seria dominada por Capitu; e a segunda, que seria dominada pelo Casmurro. Nas suas palavras, “uma sob o signo do espírito esclarecido, outra sob o signo do obscurantismo”. (Schwarz, 1997, p. 14)
A divisão é vital para o argumento do livro. É ela que permite contrapor a progressista Capitu ao reacionário Bento (pois a análise de Schwarz depende da transformação de Bento de dependente da mãe em Casmurro páter-famílias, já que é esse passo social que exigiria o sacrifício da mulher que representa as forças da Ilustração) – como é ela que permite equivaler Capitu e Helena Morley.
Essa divisão não seria meramente de conteúdo, mas se apoiaria num dado formal: o livro seria constituído de duas partes, do ponto de vista da constituição da prosa.
Eis como ele coloca a questão:

Pois bem, como entender que a elegância da prosa dos primeiros capítulos, suprema sem nenhum exagero, seja a obra e o passatempo dessa figura nociva e patética das páginas finais? Respostas à parte, a pergunta decorre da composição do livro. Sob pena de ingenuidade, esta obriga à distância em relação ao que é dito, ou melhor, incita a dar palavra a correções e adendos que a situação narrativa imprime ao memorialismo lírico do primeiro plano. (Schwarz, 1997, p. 32)

A resposta oferecida à parte é que “a poesia no caso pode também ser um álibi, um modo de afetar a isenção necessária à inculpação pública de Capitu…”. (Schwarz, 1997, p. 36)
Estamos ainda e sempre na clave de leitura de Helen Caldwell. Mas o que há aqui de novo pode ser apalpado quando consideramos o que seria essa pergunta se dirigida a outros textos. O que resultaria dela, como ponto de vista de avaliação literária, se fosse dirigida, ao romance Lolita, de Nabokov? O autor fictício desse livro é, sem sombra de dúvida, um pedófilo, um egoísta cruel, um assassino. Não obstante, sua prosa é magnífica e assim tem sido reconhecida de modo unânime. Constitui isso um problema literário? Dizendo de outro modo: por que a elegância da prosa pareceria ou deveria ser incompatível com uma figura nociva e patética de autor? Que aposta, desconfiança ou prescrição aí se revela acerca da coincidência do ético com o estético? E qual é a pena de ingenuidade a que se expõe o leitor que reconheça ou se emocione com o lirismo da chamada primeira parte?
Ora, a consideração atenta do livro de Machado, no que toca à elegância da prosa, mostra que ela de modo algum é menor nos capítulos do meio ou do fim do livro. Na verdade, se há um traço que permanece idêntico ao longo do romance é o estilo. A tal ponto que um dos efeitos da leitura mais notáveis é a saturação que alguns procedimentos produzem, à medida que o livro avança e que o lirismo da evocação da infância vai se dissolvendo em amargura.
Aquilo que se deixava ler como elegância do torneio da frase, justamente por continuar indiferente ao tom que o livro vai adquirindo, passa a ser sentido como impiedade, zombaria ou, no limite e dependendo da clave de leitura, perfídia. O mesmo ocorre com as digressões, com as remissões ao processo de escrita e o gosto das citações: o seu efeito muda radicalmente entre uma e outra parte do livro. E por isso a imperturbável elegância da prosa, adequada à evocação e à descrição da primeira parte, parece impudica, quando continua em vigor na última.
Trata-se, se quiséssemos falar assim, de uma dissonância entre o registro estilístico e o registro de gênero: o modo de escrever adequado a um idílio ou a uma narrativa de final feliz não é o mesmo de uma narrativa dramática, que se postula como trágica. A persistência de um mesmo registro estilístico produz a sensação de desajuste, que é identificada como paródia ou farsa e pode ser traduzida, na leitura, como disposição moral.
A pergunta/resposta de Schwarz, nessa interpelação do mecanismo do livro e da ingenuidade do leitor, se baseia assim, afinal de contas, numa pressuposição formal sem fundamento: a de que haja diferença de nível estilístico entre as partes do romance.
A questão que se impõe é: como um ensaio que utiliza uma descrição precária e superficial da estrutura do livro para sustentar uma comparação problemática sob muitos pontos de vista entre dois textos tão díspares conseguiu não só passar quase sem reparo crítico, mas ainda vigorar como item de primeira linha na fortuna crítica de Machado de Assis?
A resposta, quanto a mim, está na estrutura argumentativa do ensaio sobre Dom Casmurro, que se torna evidente pela articulação com o que lhe foi acrescentado para formar Duas meninas: a oposição construída ao longo do primeiro ensaio se revela, no escopo maior do volume, na sua verdadeira dimensão e importância, que é promover a oposição e o combate entre o despojamento da prosa realista e a “literatice” pegajosa da ideologia. Não é apenas a parte de Capitu contra a parte de Bento no romance de Machado que o crítico mobiliza, mas Helena Morley contra Euclides da Cunha (o modelo negativo implícito no ensaio de Schwarz).(4)
Na articulação dos ensaios, o analista não só monta um processo contra os “hábitos mentais arraigados e errôneos” de Bento e de seu leitor cativo (para usar as palavras de Gledson), mas ainda alarga esse processo e essa denúncia até atingir em cheio a questão literária: o que está em pauta – ou melhor, o que está agora no banco dos réus, junto com o leitor ingênuo ou conivente – é também um modelo ou ideal de prosa literária nacional.
É por ser esse o verdadeiro combate que anima o livro que os argumentos podem contornar decididamente obstáculos tão notáveis quanto a diferente natureza dos textos a comparar ou o delicado problema da datação e autoria do livro assinado por Helena Morley. E é o interesse atual desse combate, bem como a possibilidade de reconquistar Machado de Assis como aliado na construção de um ideal de prosa realista moderna, que talvez explique a sorte desse ensaio, último desenvolvimento do modo de ler com o pé-atrás.
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Notas:
(1) Apesar de neste artigo só comparecerem os textos afinados com a “ficção do tribunal”, vale lembrar que houve, desde a primeira hora, quem se mantivesse fora das linhas de desenvolvimento originadas no livro da crítica americana. Antonio Candido, por exemplo, embora se refira ao livro de Caldwell no mesmo ano do seu lançamento, no estudo denominado “Esquema de Machado de Assis”, não dá maior importância às suas teses, pois não foca na culpa ou inocência de Capitu o interesse da obra, anotando: “o fato é que, dentro do universo machadeano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida” (Candido, 1970, p. 25). Outro crítico que se manteve fora do paradigma aqui estudado é Alfredo Bosi, que em “O enigma do olhar” (Bosi, 1999) se contrapõe explicitamente à tradição inaugurada por Caldwell.
(2) Em inglês, o livro intitulou-se The deceptive realism of Machado de Assis – a dissenting interpretation of “Dom Casmurro”. Em português, Machado de Assis: impostura e realismo – uma reinterpretação de “Dom Casmurro”.
(3) A respeito, para que não reste dúvida, leia-se também este trecho: “o leitor interessado no nervo social da forma artística estará reconhecendo ao vivo o conflito que organiza os romances da primeira fase de Machado de Assis [...]. Acho inegável que a questão figura com mais beleza, ou seja, com mais variedade, profundidade e humor, aqui no livro de Helena”. (Schwarz, 1997, p. 62)
(4) Vê-se aqui o rendimento crítico de uma opção de gosto que também se encontra na apreciação recente de Cidade de Deus, bem como, pouco antes, na avaliação da poesia de Cacaso e Francisco Alvim, por um lado, e da de Augusto de Campos, por outro.

Referências bibliográficas
Baptista, Abel Barros. Autobibliografias: Solicitação do Livro na Ficção de Machado de Assis. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.
Bosi, Alfredo. Machado de Assis: O Enigma do Olhar. São Paulo: Ática, 1999.
Caldwell, Helen.  O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. Cotia: Ateliê, 2002.
Candido, Antonio.  Vários Escritos.  São Paulo: Duas Cidades, 1970.
Gledson, John.  Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Gledson, John.  Por um Novo Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Meyer, Augusto. Textos Críticos (org. de João Alexandre Barbosa). São Paulo: Perspectiva, 1986.
Pereira, Lúcia Miguel. Machado de Assis (Estudo Crítico e Biográfico). 4ª ed. São Paulo: Gráfica Editora Brasileira, 1949. (1ª ed.: 1936)
Santiago, Silviano. Uma Literatura nos Trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. (1ª ed.: 1978)
Schwarz, Roberto.  Duas Meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

* Este artigo foi publicado primeiramente na revista Estudos Avançados/USP, n. 65,
janeiro-abril de 2009. Está reproduzido também na revista eletrônica Sibila.