Ao longo da vida quase nada escrevi sobre o Modernismo de 1922. Em tempos tive um projeto de apresentação da poesia brasileira, mas não fui além de dois estudos sistemáticos. Um que teve por título “As Aves que aqui Gorjeiam: A Poesia Brasileira do Romantismo ao Simbolismo”, escrito ao longo de muitos anos e publicado em 2005, e outro, do ano seguinte, intitulado “Pós-tudo: A Poesia Brasileira depois de João Cabral”. A eles se seguiram estudos vários sobre poetas e problemas da poesia contemporânea, posterior à Poesia Concreta. Entretanto, dei aulas sobre os modernistas, especialmente sobre Drummond, que dentre todos é o que mais li e ainda leio. Mas nem mesmo sobre a poesia de João Cabral, cuja poesia me encantou durante o período da faculdade e do mestrado, escrevi qualquer coisa.
Neste ano do centenário ocorreram-me estas lembranças e percebi que, por algum motivo, desviei do Modernismo: nem sobre Bandeira, cuja obra frequentei por anos, nada fiz além de uns poucos esboços de passagem.
O leque dos autores não permite explicação simples. É certo, por exemplo, que nunca me atraiu a poesia de Mário de Andrade. Admirei e admiro o crítico, acima de qualquer outra faceta, no qual me inspirei em vários momentos. E também li e leio com prazer a sua correspondência. Mas a poesia sempre me deixou indiferente. De memória – ou melhor, de cor, no sentido etimológico – apenas restaram pequenos trechos da “Meditação sobre o Tietê”, que me parece escorrer como rio oleoso; restou quase inteiro “O poeta come amendoim”; e talvez o estribilho do poema sobre a Serra do Rola-Moça. Claro, a parte tão batida de “Pauliceia” permanece, mas não por gosto ou identificação, mas por, digamos assim, inseminação escolar. Tampouco tenho especial afeição pela poesia de Oswald, embora tenha mais lembrança de versos seus, especialmente das boutades. Já Bandeira, Drummond e Cabral são poetas de eleição, por motivos vários e em várias épocas da vida.
O que terá mantido meu interesse e investimento de tempo à parte desse período tão celebrado? Talvez tenha sido justamente isso: o fato de ser assim celebrado, de um modo que me pareceu sempre pouco razoável, especialmente no que diz respeito aos autores diretamente vinculados à Semana.
A verdade é que não tive uma boa educação literária escolar. Minha formação no que hoje se denomina ensino fundamental e médio só foi rica no que toca às disciplinas científicas. Por isso mesmo, pensava seguir carreira ou em exatas ou em biológicas. A parte literária da minha vida juvenil foi toda autodidata, até o final do ensino médio, quando uma professora de grande capacidade começou a me despertar para a literatura moderna.
Ter ido, por impulso e por paixão, para o curso de Letras foi uma espécie de acidente. E para o curso de Francês foi uma temeridade. De qualquer forma, a faculdade era um mundo de livros e penso que duas coisas moldaram minha percepção da poesia. Três, na verdade.
A primeira foi que, no primeiro ou segundo ano do ensino médio, na casa de um primo descobri uma coleção das obras completas de Dante, em edição bilíngue. A leitura do seu “Inferno”, com as centenas ou milhares de notas redigidas pelo Monsenhor Pinto de Campos, foi para mim um deslumbramento, criou um padrão junto ao qual tudo me parecia empalidecer – e que me levou a ler, ainda em prosa, a “Eneida” e, em versos de Carlos Alberto Nunes, os poemas homéricos. A segunda foi comprar, logo que cheguei a Araraquara, por recomendação de um livreiro que trabalhava na faculdade, uma antologia do Ezra Pound publicada em Portugal, traduzida e prefaciada pelos então denominados “concretistas”. A terceira foi, na sequência imediata, ainda no primeiro ano da vida nova, conhecer um estudante de Química que fez intercâmbio nos EUA e, sabendo que eu gostava de poesia, deu-me uma tradução que ele mesmo fez do poema “Marina”, de T. S. Eliot. Em seguida, vendo que eu ficara animado, emprestou-me um exemplar de “The Waste Land” e, na sequência, dos “Four Quartets”.
Talvez por isso, ainda em Araraquara e imbuído de alguma fatuidade juvenil, não me interessei pelos modernistas brasileiros de 1922. Sem dúvida a minha pouca formação me impediu de valorizar o que eu lia dessa poesia em função da realidade nacional, ou do sistema literário nacional (como depois aprendi a dizer). Por fim, ainda durante o período da faculdade, a leitura do “Ulisses”, de 1922 como “The Waste Land”, deve ter me atraído mais e desviado a atenção dos romances e poemas nacionais contemporâneos.
Na sequência, com a maturidade, reacendeu-se a paixão juvenil por Manuel Bandeira e por Drummond, cuja obra revisitei muitas vezes. E ainda perdura. E me lembro de que, em algum momento, já durante o período da Unicamp dediquei-me por cerca de um ano à leitura sistemática, por ordem cronológica, da obra até então publicada de cada um deles, bem como de Mário e de Oswald, incluindo nesse conjunto Murilo Mendes e tantos outros, de Cassiano Ricardo a Menotti del Picchia, passando por Raul Bopp.
Por que então sempre evitei escrever o capítulo que preencheria o panorama da poesia desde a Independência? Talvez porque tenha pensado que não valeria a pena dizer isso mesmo que acabo de dizer aqui. Que a energia necessária para tal estudo, nesses termos, seria muita e que me faria falta em outros campos que me chamavam, como a poesia de Camilo Pessanha, a obra histórica de Oliveira Martins, o romance queirosiano e, por fim, o de Machado de Assis, cuja interpretação dominante parecia exigir até mais energia crítica do que a que vigorava sobre o Modernismo. E, paixão por paixão, havia outras, laterais, como o haikai japonês.
Seja como for, nesta altura da vida já não me parece valer a pena completar o panorama crítico. Nem em parece viável, para ser sincero. O tríptico, assim, permanecerá sendo um projeto fracassado, um mero díptico. Mas confesso que o lugar central vago de vez em quando, como agora, me incomoda
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