segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Os poemas perdidos de Camilo Pessanha


        O que nos chegou da poesia de Camilo Pessanha resume-se a meia centena de poemas. O número exato não é tão simples de precisar. Por exemplo, João de Castro Osório, na última edição que fez da sua poesia, no volume intitulado Clepsidra e outros poemas de Camilo Pessanha, juntou 3 fragmentos escritos a lápis encontrados no Caderno de Macau a um outro, que lhe chegou não se sabe como, e com eles compôs um poema em três partes, intitulado “Roteiro da vida”. Não ficou mal, para dizer a verdade. Como os fragmentos não se juntavam perfeitamente, o resultado ficou muito moderno e impressivo.

Entretanto, o procedimento é complicado – para dizer o mínimo –, porque nada indica que os quatro textos que ele juntou fossem partes de um mesmo poema (a suposição nasceu do fato de virem a lápis) e porque, a formarem um poema, a ordem em que vinham no Caderno não era a mesma em que os dispôs Castro Osório. Na edição que fiz para a Relógio d’Água, achei que mais prudente oferecer aos leitores e editores futuros o que encontrei nos autógrafos do caderno de Macau.

Se contarmos “Roteiro da Vida” como um só poema em três partes, temos um total de 51 poemas (incluindo dois sonetos de intuito paródico, intitulados “A miragem” e “Transfiguração”). Se não aceitarmos que esses fragmentos possam ser considerados partes de um único poema, mas sim fragmentos ainda em composição, pois não foram passados a limpo, como era costume do poeta, o número cai para 50.

Mas afinal isso foi tudo que Pessanha escreveu, até o final da vida? Não, não foi. Há alguma coisa mais.

Em primeiro lugar, temos dois poemas de que restaram fragmentos na memória de terceiros: do próprio Castro Osório e de Carlos Amaro. Uma ode que começa por “ó Terra doce e boa” e um soneto cujo primeiro verso era “Um fio a desdobar, que não termina”.

Depois, temos um que começava por “Voa o comboio, correria doida”. Num postal que Alberto Osório de Castro enviou a Pessanha em 3 de abril de 1908, ele informa estar de posse do manuscrito. Mas depois não há mais notícia. São já três perdidos.

Numa carta que Pessanha enviou a Henrique Trindade Coelho em 9 de setembro de 1916, com os dois sonetos satíricos que conhecemos, ele diz: “Ainda fiz outros menos complicados – até com um travo agreste a século XV (talvez se chamem ‘Santa Comba’, ou  ‘Santa Ovaia’, porque ‘Santa Comba’ soa a chegada de comboio à estação”. A carta é importante não só por mencionar dois (ou mais) sonetos perdidos, mas também porque mais outra vez mostra como é pouco sustentável a lenda de que o poeta nada mais escrevera desde os primeiros anos de Macau, consumido por uma suposta abulia. Pois ele não só escrevia e revia, mas ainda fazia sátiras... Bom, mas agora já somamos no mínimo 5 (supondo que “outros” indique apenas mais dois).

Na carta que Pessoa escreve a Pessanha, pedindo colaboração para o número 3 de “Orpheu”, ele menciona dois sonetos sob o título “O Estilita”. Nunca se encontraram. Pessoa menciona ainda “Regresso ao lar”, que eu mesmo acreditei ser o soneto “Quem rasgou...”, mas que, como se verá, talvez não fosse, e sim outro. Sem constar, por enquanto, “Regresso ao lar” como perdido, temos agora já 6.

Um texto não assinado, publicado no “Diário de Lisboa” em 3 de março de 1926, por ocasião da morte do poeta, menciona como suas obras-primas, “Tatuagens”, “Volta ao lar”, e “Coimbra”.  Deste último nunca houve outra notícia. São já 7, portanto, os poemas perdidos.

João de Castro Osório, por fim, diz que Pessanha mencionara a existência de dois outros poemas de que não temos notícia: um segundo sobre o fonógrafo, e uma segunda parte do poema que começa “Voz débil que passas”. A conta agora já está em 9, no mínimo.

Isso era o que eu sabia até 1995. No entanto, quando a lista dos poemas a recolher para a “Clepsydra” descolou-se da contracapa onde vinha presa, revelou-se que, na frente do primeiro verso de alguns desses poemas vinha um sinal de +, indicando que ali se tratava de um díptico. E de fato, havia, nos autógrafos díptico bem marcados com indicação de sequência dos sonetos que começavam “Passou o outono já...”, “Desce em folhedos tenros...”, “Singra o navio...”. O problema é que também havia sinal de + na frente dos seguintes primeiros versos: “Quem poluiu, quem rasgou os meus lençóis de linho” e “Se andava no jardim”. Ora, o segundo de cada um desses nunca foi enviado por Pessanha, nem encontrado por ninguém. O segundo de “Quem poluiu...” talvez seja o “Regresso ao lar”, ou talvez não. Mas trata-se, sem dúvida, de mais um poema perdido, que com a sequência de “Se andava...” soma, com os anteriores, 11.

Sendo assim, o total dos poemas possivelmente perdidos é impressionante, proporcionalmente: são 11 poemas perdidos ou recuperados apenas em parte, contra 50 conservados. Ou seja, 20%. Para uma obra tão exígua, é um percentual muito alto...

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