terça-feira, 30 de maio de 2023

Memória - Teoria


Quando cursei Letras em Araraquara, de 1972 a 1975, o curso era anual e havia, se bem me recordo, duas disciplinas de Teoria da Literatura. No primeiro, tínhamos uma matéria de caráter introdutório; no quarto, um aprofundamento. Isso em princípio. O modelo em tudo era a USP.
Lá, no mesmo ano em que publicou Formação da literatura brasileira, Antonio Candido tinha proposto a criação de uma cadeira intitulada “Teoria Geral da Literatura”, que respondia por duas disciplinas com o perfil incorporado em Araraquara.
Observando os programas da disciplina de primeiro ano da USP em 1961 e 1964, percebe-se algo interessante, que tem a ver com esta memória. O de 1961, intitulado “Introdução ao Estudo da Literatura”, parece inspirado no livro de Wolfgang Kayser. Já o de 1964 se intitula “Introdução à Teoria Literária” e traz as marcas do livro de Wellek, inclusive na dicotomia de “fatores externos” e “fatores internos”. A mesma guinada apresentam os programas dos cursos de quarto ano, sendo o de 1961 intitulado “Análise crítica do romance”; e o de 1964, “Estudo analítico do poema”.
Em Araraquara, já na década seguinte, o primeiro ano era puro Wellek. Não de forma mediada, mas direta. O livro dele era como uma bíblia e durante todo o ano foi nossa única leitura, capítulo a capítulo, com atenção quase religiosa ao anátema dos vícios de atribuir protagonismo aos “fatores externos”. Já o quarto ano era outro testemunho eloquente dos novos tempos. Eu tive a esperança de cursar com Adolfo Casais Monteiro, mas essa esperança foi a primeira a morrer: ele se foi justamente em meados do ano em que ingressei. Coube então a um veterano professor, muito versado nos clássicos, a disciplina que coroaria os esforços de pensamento teórico, mas aqui vem o testemunho: o homem já se convertera às modas linguísticas e só havia fatores internos, de Jakobson, de Propp e já não me lembro quantos outros.
Na sequência de estudos, fui cursar mestrado na Unicamp, num departamento intitulado justamente “Teoria Literária”, fundado por Antonio Candido e habitado por seus orientandos. Com uma curiosidade: toda a componente literária do curso de Letras era abrigada sob essa rubrica, não havendo a tradicional divisão departamental entre letras vernáculas, clássicas e modernas. Nem mais enfoque comparativo, pois só estavam previstos cursos de literaturas vernáculas. Situação essa de proeminência absoluta, oposta à da USP, de onde nos vinha o fundador e seus discípulos, pois lá se mantinha a divisão tradicional e a Teoria Literária ficava numa posição engraçada, meio marginal, num departamento intitulado “Linguística e Línguas Orientais”. Situação essa oficialmente resolvida apenas em 1990, quando a disciplina finalmente deu nome a um departamento.
Veio esta memória por conta de ter recebido de meu amigo Osvaldo Silvestre o programa de um colóquio sobre a Teoria da Literatura no Brasil. Olhando-o não pude evitar refletir que por esse nome se pode aqui mais propriamente designar a disciplina escolar do que a atividade propriamente teórica, que sempre me pareceu rigorosamente derivada. A não ser que se possa esticar o uso da palavra ou expressão, por exemplo falando em teoria implícita na obra de um autor.
Mas voltando à memória, confesso que ela pode muito, mas não pode tudo. Para os detalhes, precisa do escrito. No caso, para preenchê-la no que diz respeito à USP, recorri a um artigo bem ilustrativo de Sandra Nitrini, publicado em “Literatura e Sociedade”, no segundo semestre de 2019.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

poema 2

 no ar seco do meio da tarde

enquanto as uvas esticavam sua casca rija
e o sol fazia as pedras cantarem
na voz das cigarras
quando o pão sobre a mesa endurecido
aguardava a fome da mão que o partisse
não era assim desta maneira que eu deveria
nesta ocasião nem mesmo
minha mãe me ajude
o sol escuro se pondo no meu coração
o rio de sangue escorrendo devagar
até que o beba a terra ou o dissolva a água
elas também mães
das coisas vivas e das coisas mortas
ou com a casca do hábito
o trigo que aguarda o segador que cego caminha
esmagando sob os pés estas espigas gordas
e ainda a água que ocupa o lugar humilde
o côncavo que triunfa ao recolher
e nesta altura dos meus anos
entenderia o que me é dado
e em paz repetiria
“retira-te logo que a tua tarefa tenha terminado”
por fim até os assassinos podem
como podem os cães ferozes
e as mulheres que mataram os seus filhos
ou o raspar da corda no poço seco
a geada que desfolha o sono
e o meu corpo em revolta
contra a morte
contra o decair da carne
a sobrevida da vontade -
tudo sempre apenas este
o que ao meu lado flutua sem esforço
desconjuntado
distraindo num esgar
velho comparsa na descida.

poema 1

 Do mesmo velho caderno, esta imitação (eu creio) de Cesário Verde. Mas também com rastros de António Nobre (ao que parece).

.
Paisagem agradável com mendigos
A rua já se enfeita e sobe um burburinho
de festa e de alegria, no cair do sol.
As lojas como ostras sentem a maré,
a igreja pacifica, regurgita, e fecha.
Um novo botequim depois do que faliu,
uma história depois de uma lembrança triste.
Boa noite, uma ajuda, doutor, uma ajuda...
Sentindo que se aviva uma paixão defunta,
vejo as calçadas, as fachadas, essas praças,
enquanto sigo, bêbado, na rua errada.
E quando chego ao largo, as árvores enormes
balançam docemente à brisa da manhã.

Sobre ensino - maio 2023

 Devendo preparar uma conversa sobre ensino, fiquei refletindo como quem pensa em voz alta, só que por escrito.

 

Notas sobre ensino – 1

 

Numa aula de xadrez, pressupõe-se que o professor tenha grande conhecimento da arte. Numa dada posição, seu olhar pode divisar mais rápida e profundamente os pontos fortes e as fraquezas de cada lado e com base nisso escolher a estratégia ou a tática mais eficaz. Sei bem como é. No meu tempo, em Matão, os dois jogadores mais experientes podiam me demonstrar sua capacidade de jogo facilmente, porque numa configuração qualquer, de algum equilíbrio podiam me vencer assumindo qualquer dos lados do tabuleiro. A mim competia tentar igualá-los. Para isso ia aos livros. Além dos clássicos de abertura, em que disputavam minha atenção os livros do Panov e os do Ludek Pachman, meu preferido era “Estratégia moderna do xadrez”, desse último autor. O teste do rendimento da aprendizagem era invariavelmente o mesmo: comparar a minha capacidade de análise com a dos meus mestres e, quando fosse o caso, enfrentá-los no tabuleiro. Talvez tenha vindo daí a ideia persistente de que a um excelente professor, como eram os dois Biavas, não basta o conhecimento abstrato e a exposição dele. O momento de espanto, que provocava o estudo e estimulava a vontade de aprender, era sempre o da demonstração, em que se materializavam o conhecimento teórico e as lições da experiência. Penso que é assim que sucede nas artes tradicionais japonesas. Um professor tem de saber fazer o que ensina. De seu desempenho provém sua autoridade real. Da sua capacidade de mostrar pelo exemplo o que deve ser feito. Talvez por conta disso eu só tenha ousado conduzir oficinas de haicai quando percebi que meu conhecimento teórico e minha experiência prática permitiam que, na maior parte dos casos, eu pudesse sugerir (ouvindo o relato da pessoa que compôs o haicai apresentado a mim) uma forma mais eficaz ou mais justa de dar conta da intenção. 

 

 

Notas sobre ensino – 2

 

Talvez por conta do que contei no post anterior, sempre me debati (e ainda me debato) com uma questão prévia a toda a reflexão, mas bem difícil: o que ensina quem ensina literatura? E também, como uma derivação desta: como ensina, quem ensina literatura? É talvez mais fácil responder a outra questão, menos frequentemente formulada: o que aprendeu (ou teve de aprender ou deveria ter aprendido) quem ensina literatura? Digo que é talvez mais fácil porque a resposta pode ser mais imediata: quem ensina literatura deve, em primeiro lugar, ter construído um bom repertório de leituras. Mas de que leituras? Do meu ponto de vista, não só de leituras literárias, embora essas sejam o elemento mais importante, os alicerces do edifício. Dependendo do objeto, o repertório precisa ser ampliado. Filosofia, história, antropologia, psicologia, filologia, que mais? Também é preciso um repertório musical, sem dúvida. E por que não de pintura, escultura, arquitetura? E o cinema? E o que mais pudermos incluir no conceito vago de “cultura”. Mas a pergunta incômoda é mesmo a primeira: o que ensina quem ensina literatura. Não é filosofia, por certo; nem sociologia ou antropologia. Nem história, esse guarda-chuva tentador, que tantas vezes oferece abrigo ao se juntar ao restritivo “literária”.  Professores de literatura que se põem a ensinar psicanálise tendem a fazer um mau trabalho, no que diz respeito à psicanálise. Idem os que se metem com a filosofia ou sua história. E assim por diante. Aliás, ouvi já de algum malvado que os departamentos de literatura são lugares a partir dos quais pessoas podem ensinar o que não sabem ou conhecem pela rama, uma área onde alguém pode explicar o que mal conhece pelo que ignora ainda mais. Opinião que não posso dizer que endosse, embora dela não discorde inteiramente.

 

 

 Notas sobre ensino – 3

 

Mas então o que ensina quem se propõe a ensinar literatura? Quando eu mesmo me pergunto isso, a resposta é sempre a mesma: um professor de literatura é sobretudo um professor de leitura. Creio de fato nisto: ensinar literatura é ensinar a ler textos literários; ou, se se preferir, é ensinar a ler literariamente. Nesta última formulação se podem abrigar todos os chamados “dados contextuais”. Porque ler “literariamente” é, em primeiro lugar, do meu ponto de vista, estar atento ao texto, mergulhar nele e na sua rede de sentidos; o que implica, em medida vária, retraçar as referências, as citações, os intertextos, as alusões e aquilo que poderia denominar “biografia pública” do autor. Vê-lo em diálogo com outros tempos do seu texto, para assim aquilatar o que nele há de novo ou de mais bem sistematizado, em relação à média. Ler textos literários é, quanto a mim, uma tarefa que implica uma boa dose de submissão ao objeto, um esforço para fazê-lo falar desde o seu tempo e lugar. Mas fazê-lo falar para nós. É certo que se pode usar os textos literários de outra forma: como exemplos de teoria ou campo de teste de hipóteses metodológicas; ou ainda, normalmente por meio de partes selecionadas, como elementos de prova de teorias ou ideias gerais sobre várias coisas. E também se pode fazer com que falem algo que não falaram ou que falem algo que hoje parece X e no tempo deles parecia Y. Tudo isso, nessa diversidade, faz sentido. E não duvido que em quase todos esses casos a prova da competência possa ser feita. Que um aluno possa trazer um texto ao professor e que este possa fazer como fazia o meu professor de xadrez. Mas também não duvido de que uma aproximação ao texto a partir de um amplo repertório cultural, uma leitura que não violente o texto para fazê-lo dizer apenas uma coisa ou impedi-lo de dizer outras, é capaz de dar conta de um leque muito mais amplo de textos e de gerar respostas mais duradouras nos estudantes, permitindo-lhes mais ampla formação. Quando eu cursava a faculdade de Letras, caiu sobre nós o Estruturalismo. Foi uma febre. Um sarampo, como depois se disse. A Linguística era tida como a chave das ciências humanas. As aproximações linguísticas ao texto literário proliferaram. A vertente mais ativa foi a que teve na palavra “estrutura” o seu esteio. Uma leitura como a que Jakobson fez de um poema de “Mensagem” foi imitada até a exaustão. A competência dos professores que aderiram era inegável: um texto ia para a lousa ou para a transparência e era impiedosamente desmembrado, em busca de todo tipo de estrutura: acoplamentos, paralelismos, quiasmos, classes de palavras, paronomásias, anagramas, oclusivas, dentais, sibilantes etc. Drummond compôs, sobre essa prática de vivissecção, um poema engraçado, “Exorcismo”, com um refrão que pedia a Deus para nos liberar de uma aluvião de termos técnicos – e das formas de leitura que deles se valiam ou neles se escoravam. Passou em certo momento o sarampo, mas deixou cicatrizes. Houve gerações que, no ensino médio ou no superior, foram expostas. Ler literariamente, naquele tempo, para muita gente, era esquartejar um texto e exibir a sua anatomia: os ossos, os músculos, os tendões. Fora disso, era tudo gordura. E melhores eram os textos quanto menos gordura tivessem. Quando a “teoria” saiu de moda e a forma de leitura idem, a competência de leitura específica de professores treinados no modelo, e só nele, se esvaiu. Os que ficaram aferrados àqueles mecanismos interpretativos passaram rapidamente do laboratório de vanguarda ao depósito do museu. 

 

Notas sobre ensino - 4

 

No último post terminei por desviar talvez o assunto e evocar os tempos em que estudar literatura pareceu, no Brasil, tratar de responder, de certo ângulo de visão, à pergunta: como funciona o texto literário? Como funciona a máquina do poema? No caso do romance, a perspectiva teve menos sucesso ou menos aplicação. Talvez porque o método seleciona o objeto? O pressuposto define o lugar do exercício do método? Seja como for, voltando ao ponto: para mim, ensinar literatura é ensinar a ler textos literários. Por isso mesmo, retomando, creio que tanto melhor é o resultado do trabalho da leitura quanto mais se permita que o texto force os limites do método ou dos pressupostos do leitor. Os melhores professores que tive foram os que não obrigavam o texto a dizer isto ou aquilo, nem tratavam de buscar a pedra filosofal da literariedade, muito menos os que moíam e peneiravam um texto em busca dos pedregulhos com que escorar ideias sobre a sociedade. Mas agora, nestas divagações preparatorianas, surgem de novo perguntas incômodas. Por que estudar literatura na escola? Por que estudar só literatura e não as demais artes, isto é: por que parece natural a muita gente que somente a literatura seja a única arte exigida como parte do currículo? Será por inércia curricular que as universidades pedem, no vestibular, apenas o conhecimento da história literária ou de obras literárias, e não de pintura, escultura ou música? Quando a questão da nacionalidade era central, a pergunta de por que estudar literatura, ou por que a literatura tinha proeminência sobre outras artes nem fazia muito sentido. Isso ainda era muito forte nos tempos de Antonio Candido, como se vê pela famosa proposição de que é a nossa pobre e fraca literatura que “nos” exprime. Daí o dever de amor que ele ali preconizava. Mas e hoje? Qual o futuro da literatura como disciplina escolar e como parte essencial da educação dos cidadãos? Por quanto tempo ainda haverá a obrigação de estudar literatura e, portanto, a necessidade de ensiná-la na escola regular? Como estas divagações nasceram de um convite para falar mais uma vez sobre ensino de literatura, creio que é daqui, deste lugar mais incômodo, que deva prosseguir. Mas termino estas anotações por confessar que ainda não sei bem como.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Um manuscrito

Isto estava em um caderno muito antigo. Manuscrito, em péssima letra, de leitura tão árdua que não garanto a fidelidade nem a autoria.

Trazia ainda uma palavra feia, que tratei logo de ocultar para menor ofensa ao leitor.


O verso 12 foi o mais obscuro, de decifração mais difícil, dada a condição do material. 


A lição deste texto é a do Alcir, a quem pedi socorro. 

A minha dizia: Que coragem te dê no que restou.

 

 

Ó bárbara criatura, ó desprovida: 

“Se em cada verso meu onde c*g*ste

Uma rosa se erguesse numa haste

Seria esta clepsidra bem florida!”

 

- De nada valem reis ou marafonas

Em teu socorro virem com asnices:

Não há como ocultar tuas sandices,

Não há como esconder um Amazonas. 

 

E se vires que possas afogar

Alguma inveja no bestunto teu,

Roga ao Deus que teu cérebro encurtou

 

Que fé te dê no pouco que sobrou

Pra confessar que no trabalho meu

Cuspindo disfarçaste o chupitar.

 

 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Monstros masculinos

 Estive lendo um artigo no The Guardian. Era assinado por Claire Dederer. Minha ignorância englobava também esse nome. Então fui à procura. Aprendi que é uma autora norte-americana conhecida. O artigo que li era um extrato do livro “Monsters: A Fan’s Dilemma”. Achei-o na Amazon, felizmente em versão Kindle. Sua capa é divertida. Veremos o livro, que comprei, mas ainda não li. Estou ainda com o texto do jornal.

O artigo merece atenção. A autora desde logo assume o lugar de onde pensa: o de uma mulher, vítima da opressão e agressão masculinas. Mas seria ingênuo pensar que as questões que apresenta se limitem ao universo das leitoras, embora ela explicitamente atribua a propalada separação entre a biografia e a obra, no sentido de que a qualidade estética pode ser avaliada por si só, aos homens. Eis como escreve: “Quando comecei a explorar esse problema, descobri que críticos masculinos desejavam que a obra permanecesse intocada pela vida.” Na sequência, identificando “male critics” com “a voz da autoridade” desenvolve um parágrafo que parece um petardo endereçado aos axiomas do New Criticism, mas não só.
O ponto que mais me interessou talvez tenha sido o jeito como ela descreve o crime de um homem monstruoso: uma mancha, que vai se espalhando pelo entorno, pela obra. 
Na apresentação do livro na Amazon, lemos: “O que fazer da arte de homens monstruosos? Podemos amar a obra de Roman Polanski e Michael Jackson, Hemingway e Picasso? Deveríamos amá-la?” No artigo, além desses nomes aparece o de Bowie, que desvirginou uma menina de 15 anos. 
O crime de Bowie inclusive lhe parece mais grave na medida em que a menina não sentia que era uma mancha a perda da sua virgindade para um artista que adolescentes (inclusive Claire Dederer, no seu tempo) adoravam. 
Mas voltando ao ponto da mancha. Pensei que a melhor expressão para nomear o que ela descreve talvez fosse “ferrugem”. Porque a ferrugem tem essa propriedade de se espalhar, corroer, como uma espécie de podridão líquida que se derrama em todas as direções.
E fiquei pensando em quais autores eu tinha sentido, por conta da sua biografia, essa ferrugem a corroer a obra. Desses que ela mencionou, fixei-me no caso de Hemingway, um autor que realmente amo – para usar o termo que ela usa. Sucede que li certa vez uma biografia que lançava várias manchas sobre o caráter e mesmo sobre a motivação e origem da obra de Hemingway. Uma péssima biografia, eu creio, escrita por alguém que antipatizava com o autor de modo muito intenso, Anthony Burgess.
Como já se vê, não houve mancha que ali se lançasse sobre o homem Hemingway que se transportasse, no meu julgamento ou afeição, para a obra do autor de “Adeus às armas”. E depois ainda li outras. E sei da antipatia que o escritor desperta em certos meios, dos ecológicos aos feministas, passando por largo espectro. Mas a verdade – talvez por ser eu mesmo um “crítico masculino”, como diz Dederer – é que ainda leio com grande prazer, pela terceira ou décima vez, um conto do autor de “O sol também se levanta”. Ao mesmo motivo alguém poderia atribuir o fato de que nenhuma revelação sobre Salinger, verdadeira ou não, tenha afetado minimamente a minha fascinação pelas suas “Nove histórias”.
Resta agora ler o livro da autora, para ver se a minha insistência em acreditar que “a thing of beauty is a joy for ever” não é, no final das contas, alguma desprezível cumplicidade com monstruosas criaturas.

Serviço: https://www.theguardian.com/books/2023/may/06/can-i-still-listen-to-david-bowie-a-superfans-dilemma?CMP=fb_gu&utm_medium=Social&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR0KST6J8zXD5S5ustvpSzAXS-Jencnx3pBRugeK-tSv0KeHhpAxEeoxRI0&mibextid=Zxz2cZ#Echobox=1683368487