sábado, 3 de novembro de 2012

Bilac e o Brasil republicano


Olavo Bilac e a unidade do Brasil republicano

A António Dimas
Até há meio século, ele era ainda o príncipe dos poetas brasileiros. Adorado em vida, venerado no período subseqüente à sua morte, sempre lido ao longo da primeira metade do século XX, apenas nos últimos quarenta anos o poeta de Tarde foi sendo aos poucos deixado de parte. Mais recentemente, nos livros canônicos da historiografia literária brasileira, embora sempre lhe fosse reconhecida a mestria da forma, Bilac esteve francamente em baixa como poeta, sendo parte de seu êxito e permanência identificados a uma forma de reação contra o novo gosto modernista.[2] Porém a mais funda incompreensão a propósito do alcance e da importância da obra de Olavo Bilac se deu, na minha opinião, no que diz respeito à sua atuação como publicista e pedagogo.[3]
Apenas nestes últimos anos tem sido sensível, no meio acadêmico, um certo renascer do interesse pela obra e pela figura pública de Olavo Bilac, que ainda é cedo para dizer se produzirá ou não frutos a longo prazo. Da mesma forma que a literatura do início do século XX vem sendo finalmente estudada sem os preconceitos da historiografia dos anos 50 e 60 – em muitos pontos excessivamente marcada pela visada modernista – também o chamado Parnasianismo brasileiro parece estar destinado a receber da crítica uma atenção mais aprofundada e compreensiva. Se já foi o tempo em que o início do século interessava apenas enquanto “pré-modernismo”, no sentido de premonição ou anúncio do que estava por estalar em 22, também já parece ter passado a época em que mesmo a melhor crítica parecia sentir necessidade de assumir as palavras de ordem antiparnasianas dos homens de 22.
É nesse contexto, então, que me propus a apresentar aqui algumas reflexões sobre o poeta e publicista Olavo Bilac, tentando chamar a atenção para um escritor pouco difundido hoje em dia, mesmo no Brasil, e buscando apreender aspectos de sua obra e atividade que possam depois ser aplicados a outros tópicos dos estudos de cultura brasileira.

I. O poeta e o seu público.

Contam os biógrafos que Olavo Bilac certa vez entrou numa perfumaria do Rio de Janeiro para reabastecer-se de uma colônia que, num gesto teatral, tornara famosa ao derramá-la sobre o corpo de um companheiro de geração, na hora do enterro. O atendente de balcão, que era um rapazinho recém-chegado de Minas Gerais, mal ouviu o nome da colônia, associando-a ao poeta e sem saber que estava em presença do próprio, passou a derreter-se em elogios ao seu ídolo, que ainda não pudera ver pessoalmente…
Também faz parte da biografia de Bilac um outro episódio curioso: ia o poeta pela Praça Martim Afonso com outros literatos, pouco tempo depois de ter publicado na A Semana um dos seus sonetos mais famosos, quando foi abalroado por um homem mulato que lhe pisou brutalmente um pé. Depois da troca de alguns insultos, percebendo que se tratava de Bilac, o atropelador logo mudou o tratamento: pediu-lhe perdão, aludiu com piada ao soneto d’A Semana e terminou por despedir-se chamando ao poeta “ave augusta da nossa poesia”.
Os dois episódios nos transmitem uma impressão muito forte do que era a penetração popular de um escritor como Bilac. Especialmente o segundo, que se teria passado ainda em 1886, quando o nosso homem andava pelos 20 anos e era inédito em livro.[4] Para o estudioso da literatura brasileira, esses depoimentos revelam uma relação autor/público profundamente diferente da que será inaugurada, algumas décadas depois, pela primeira geração modernista. De fato, se há um momento em que se instala um divórcio completo entre o escritor e o seu público, no Brasil, esse momento é o Modernismo de 1922. Naquele final de século, às vésperas e depois da proclamação da República, a literatura era ainda um objeto de desejo das nascentes classes médias e um lugar privilegiado de projeção e debate das ideologias.
Aliás, não creio que se tenha discutido ainda, com a profundidade necessária, a questão do público de literatura no Brasil, por volta da virada do século. Quando lemos algumas obras menores do início do XX, percebemos a importância que tinha a arte da palavra para a vida quotidiana da pequena classe média, composta basicamente por funcionários de escritórios, funcionários públicos, profissionais liberais e autônomos: assim como ter uma opinião política, arranhar a sua literatura e ter decorado alguns versos dos randes poetas do tempo era requisito de distinção.[5]
De um modo geral, podemos dizer que, desde os anos em que a propaganda republicana ganhou corpo, até a época do Modernismo, o que vemos no Brasil é a construção de um público médio e uma feliz identificação entre as expectativas desse público e a realização estética que lhe era oferecida pelos escritores mais notáveis.
Poucas vezes, de fato, pôde-se observar, na história da leitura no Brasil, uma consonância tão intensa entre os ideários dos principais escritores do momento e o público de que dispunham. As conseqüências desse fato são muitas. Uma das mais importantes, creio, é que começa então a ganhar corpo a idéia da literatura como profissão. É verdade que ainda será preciso esperar por Monteiro Lobato para que a literatura em livro comece a ser fonte de renda para o escritor. No tempo de Bilac, a vida literária ainda está vinculada ao jornalismo e é das crônicas que provém a maior parte do sustento do autor. Mas já então percebemos que se afirma, de uma forma sem precedente no Brasil, o valor econômico do trabalho intelectual e do papel social do escritor.
Da singularidade e novidade dessa situação estava o poeta  da Via Lactea bem consciente. E deu-lhe o devido destaque, quando procedeu a um apanhado da sua atividade cultural na conferência intitulada Sobre a minha geração literária.
Nesse texto, fazendo um balanço dos serviços prestados à Pátria pela sua geração, aponta como um deles a superação da oposição romântica entre o autor e a sociedade:
Aluímos, desmoronamos, pulverizamos a pretensiosa torre de orgulho e de sonho em que o artista queria conservar-se fechado e superior aos outros homens; viemos trabalhar cá em baixo, no seio do formigueiro humano [...], não nos limitamos a adorar e a cultivar a Arte pura, não houve problema social que não nos preocupasse, e, sendo ‘homens de letras’, não deixamos de ser ‘homens’.[6]
Da sua perspectiva, o maior triunfo, porém, tinha sido outro: acabar com o caráter amador e marginal da atividade literária:
Que fizemos nós? Fizemos isto:  transformamos o que era até então um passatempo, um divertimento, naquilo que é hoje uma profissão, um culto, um sacerdócio; estabelecemos um preço para o nosso trabalho, porque fizemos desse trabalho uma necessidade primordial da vida moral e da civilização da nossa terra; forçamos as portas dos jornais e vencemos a inépcia e o medo dos editores; e, como, abandonando a tolice das gerações anteriores, havíamos conseguido senhorear-nos da praça que queríamos conquistas, tomamos o lugar que nos era devido no seio da sociedade, e incorporamo-nos a ela, honrando-nos com a sua companhia e honrando-a com a nossa; e nela nos integramos de tal modo que, hoje, todo o verdadeiro artista é um homem de boa sociedade, pela sua educação civilizada, assim como todo o homem de boa sociedade é um artista, se não pela prática da Arte, ao menos pela cultura artística. Foi isso o que fizemos.[7]
E para que não houvesse dúvida sobre o valor dessa obra, enquanto atividade constitutiva da nacionalidade, Bilac introduz, logo a seguir, uma comparação inequívoca:
De certo ponto de vista, podemos dizer que representamos, para o progresso intelectual do Brasil, na última metade do século XIX, o mesmo papel que para o seu progresso material representaram no século XVII os heróis das ‘bandeiras’: nós também varamos léguas e léguas de desertos morais, nós também desbravamos sertões, nós também fundamos cidades.[8]
Compreende-se o orgulho do poeta na apresentação dos resultados do empenho da sua geração e no sentimento de obra concluída. Tendo atuado em várias campanhas cívicas, Bilac era também autor de textos didáticos e de formação de públicos. Junto com M. Bomfim, publicara, em 1913, uma narrativa para uso nas escolas primárias intitulada Através do Brasil; já em 1910 tinha dado à luz outra obra escrita em colaboração, o famoso Tratado de versificação; e desde 1904 faziam sucesso as suas Poesias infantis.[9] No campo específico da produção literária, Bilac e seus companheiros tinham criado um gosto homogêneo e bastante difundido, um padrão que persistiria ainda por muitos anos. E, por fim, criara-se uma consciência profissional no meio das letras, recebendo o poeta remuneração seja por seus livros, seja por artigos em periódicos, seja ainda pela elaboração de versos para uso publicitário.[10]
Contra esse pano de fundo, o Modernismo de 1922, alimentado na estufa dos salões aristocráticos da capital paulista, vai surgir como uma negação não apenas dos valores estéticos do Parnasianismo, mas também da aliança que este estabelecera com o seu público, daquela forma de inserção do poeta na vida social. Embora a seu modo também animado de fôlego pedagógico e proselitista, o movimento modernista não caminha no sentido de identificação com os públicos médios. Constitui-se, antes, numa proposta de violenta elitização da arte, apostando no internacionalismo e na especialização e refinamento dos públicos restritos. Nos apupos e ruídos escandalosos do público que encheu as platéias da Semana devem-se também ouvir, além da resistência aos novos padrões estéticos, os protestos dos que, acostumados a pensar na cultura literária como um bem social e um instrumento de integração, viram de repente contestado o equilíbrio tão longamente construído desde os primeiros tempos republicanos. A literatura brasileira, que orgulhosamente proclamara a sua institucionalidade em 1897, com a fundação da Academia Brasileira de Letras, e que daí por diante se empenhara na construção de uma norma e na formação de um público leitor de expressão razoável, apresentava-se, em 1922, como anti-acadêmica e futurista, isto é, para os padrões do tempo, socialmente segregacionista e esteticamente anárquica.
Mas, nesse momento, já Olavo Bilac não participava das rodas literárias: estava morto desde há quatro anos.

II. A campanha civilizatória de Olavo Bilac.

Se é verdade que, como vimos, do ponto de vista da produção literária, o conceito chave para Bilac é a integração, não é menos verdade que toda a sua ação política também se apóia sobre o mesmo ideal. Defrontado desde os últimos anos do século XIX com a necessidade de contribuir para a continuidade do regime republicano, Bilac empenhou-se em várias campanhas de expressão nacional.
A que ficou mais conhecida foi a que moveu a favor do alistamento militar obrigatório. Igualmente importantes, porém, são as suas ações no sentido de demonstrar a necessidade de instituir a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa em todas as escolas do país e a sua campanha pela expansão do ensino básico e profissionalizante.
No fundo, quando lemos os seus textos, percebemos que sempre trabalhou numa só direção, qual seja a de buscar a criação de uma norma civilizacional comum, um substrato cultural básico que permitisse a construção de uma nação republicana e a manutenção da unidade do país.
E qual era o inimigo contra que se batia o publicista? Qual o perigo que procurava conjurar, e quais os sintomas que lhe mostravam que se tratava de uma ameaça real?
Para responder a essa questão, devemos lembrar-nos de que, na passagem do Império para a República, não foram poucos os que pensaram e sentiram como Eça de Queiroz, ídolo confesso de Bilac. Numa crônica publicada logo que os telegramas anunciaram a proclamação da República, Eça refletia sobre o que sucederia ao nosso país com o fim da ação unificadora da Coroa: “Com o Império, segundo todas as probabilidades, acaba também o Brasil. Este nome de Brasil que começava a ter grandeza, e para nós Portugueses representava um tão glorioso esforço, passa a ser um antigo nome da velha geografia política. Daqui a pouco, o que foi o império estará fraccionado em repúblicas independentes, de maior ou menor importância.” Depois de alinhavar as razões para esse julgamento, que eram basicamente as diversidades regionais e as ambições localistas, concluía: “A América do Sul ficará toda coberta com os cacos dum grande império!”[11]
O temor de que se cumprisse um dia a profecia do romancista parece ter acompanhado Bilac ao longo dos anos em que se empenhou pela construção da República. Nos últimos tempos, numa conferência pronunciada no Clube Militar, já em plena Guerra, verbaliza-o claramente:
O que me aterra é a possiblidade do desmembramento. Amedronta-me esse espetáculo: este imenso território, povoado por mais de vinte e cinco milhões de homens, que não são continuamente ligados por intensas correntes de apoio e de acordo, pelo mesmo ideal, pela educação cívica, pela coesão militar [...][12]
Nesse texto, em que congrega as elites instruídas para o trabalho de manutenção da unidade nacional, aparece uma outra componente do perigo que, de seu ponto de vista, ameaçava o país: a volta da monarquia, entrevista por alguns como forma de recuperar um laço de união entre os vários segmentos da nação que parecia tender a desmembrar-se.[13]Não creio que essas idéias e sentimentos se devam exclusivamente à situação atual, que era a Guerra na Europa. Em outros textos de Bilac, percebemos claramente que o perigo da pulverização do país esteve sempre presente em suas preocupações.
Assim é que o vemos assustar-se, em 1906, com o fato de se estarem criando, pelo interior do Brasil, quistos lingüísticos e culturais que ameaçavam a unidade nacional.[14] Assim também é que o vemos verberar o analfabetismo do interior do país: não apenas porque o analfabeto é, em princípio, incapaz de exercer plenamente a sua cidadania, mas também porque sem a ação aglutinadora de uma cultura comum, de uma língua minimamente padronizada, não poderia o país manter todo o seu vasto território indiviso.
É nesse mesmo quadro argumentativo que Bilac leva adiante a sua campanha pelo alistamento militar obrigatório. Na falta de uma verdadeira organização da sociedade civil, cumpre ao exército o papel civilizador e coesivo: pela incorporação generalizada, obriga-se o cidadão ao uso da língua portuguesa, a adquirir hábitos regulares de higiene e a passar pela educação fundamental.[15]
Para Bilac, foram sempre os mesmos os remédios e os caminhos para a preservação da unidade e para o progresso do país: “a educação cívica, firmando-se na instrução primária, profissional e militar.”
Entretanto, é preciso frisar que Bilac nunca foi militarista. Mas como tinha uma ojeriza e um desprezo imensos pelos políticos profissionais – a “política” mereceu sempre as farpas mais agudas de sua pena – sonhava com um exército  nacional, integrado pelas mais diferentes classes sociais, que seria, na falta de outra estrutura organizada no interior da nação, um instrumento de homogeneização e de integração cultural.[16]
Tem, portanto, suas campanhas cívicas o mesmo objetivo que sua ação enquanto escritor: fabricar as normas do convívio social, criar a civilização brasileira e mantê-la unida tal como veio do Império.
É nesse quadro também que devemos avaliar e compreender a sua concepção de língua. Cultor da métrica impecável, da forma elaborada em poesia, Bilac na verdade nunca é obscuro e raras vezes realmente precioso. Pelo contrário, se há um defeito recorrente em sua poesia é o intuito didático, a vontade de comunicação e de clareza que impele tantos dos seus versos para a explicitação excessiva. Desse didatismo e dessa vontade de comunicação, creio, advém um traço estilístico que é todo seu e o distingue entre os contemporâneos parnasianos: a apostrofação excessiva que encontramos em seus poemas. Uma rápida olhada nos seus versos completos nos permite verificar que, de fato, metade dos seus poemas trazem uma interpelação direta de um “tu”, um diálogo ou invocação cujo efeito é sempre descritivo, explicativo.
Se a esse procedimento juntarmos os que são os traços estilísticos do período – o descritivismo puro, a narração objetiva e sensual de episódios históricos – teremos já o quadro da poesia de Bilac: instrutiva, clara, preocupada com a comunicabilidade, com a clareza expressiva, com a correção sintática e com a riqueza do vocabulário.
É assim mesmo que vemos descrito o estilo da época nos livros de história literária. Porém, essas opções e procedimentos só ganham sentido quando colocados em função de contexto mais amplo, qual seja, o das configurações das idéias do tempo. Aí podemos ver, então, a real dimensão e o desenho geral do projeto bilaquiano. Porque para esse poeta, a poesia era somente uma faceta – talvez a mais nobre – de sua forma de atuação pública. Não pode ser absolutizada e julgada por si só, mas sim em conjunto e contraste com a linguagem flexível e brilhante de suas crônicas, e com a elaborada simplicidade oratória de suas conferências e discursos solenes.
Já vimos que, no tocante à poesia, Bilac é um aficcionado da norma e um adepto da técnica. Sabemos que escreveu mesmo um Tratado de versificação e uma olhada à sua bibliografia nos mostra que produziu também um Dicionário de Rimas. Mas qual seria a sua concepção de língua, pensada de modo mais amplo, como fator de civilização?
Em primeiro lugar, talvez devamos já enfatizar que, para Bilac, a norma é o princípio básico de civilização. Formado num momento de grande alteração do regime jurídico e político, Bilac é, como Rui Barbosa, um liberal para quem o respeito ao direito, isto é, à expressão formal das normas do convívio social, é a base e o objetivo da democracia. Assim, embora reconheça que a língua evolui, enriquece-se, transforma-se, afirma sempre que as suas “regras vitais” – isto é, a sintaxe, basicamente –­­permanecem as mesmas e imutáveis.[17] A idéia comparece em vários de seus textos em prosa. De fato, lemos, por exemplo, numa conferência pronunciada em 1916, em Lisboa: “Também não sou purista extremado, de um purismo que se abeire da caturrice. Será ridículo que os nossos netos falem e escrevam exatamente como falaram e escreveram os nossos avós; também seria ridículo que o nosso estilo de hoje fosse a reprodução fiel do estilo dos quinhentistas. Mas se o tesouro do vocabulário, o movimento das locuções, o ritmo das frases podem e devem ser variados e aperfeiçoados, – a sintaxe, que é a estrutura essencial do idioma, é perpétua e imutável.”[18]
Por isso pôde Bilac dirigir, nos termos em que o fez, o elogio a Afonso Arinos, por ocasião de seu ingresso na Academia Brasileira de Letras: louvou-lhe a correção e a elegância gramatical, a sua norma castiça, e, de quebra, a “linguagem pitoresca e ingênua, cheia de barbarismos sempre coloridos e expressivos” que o escritor punha na boca das suas personagens. Como bem registra Bilac, as “expressões que fulminariam, de puro espanto, o velho Rodrigues Lobo” não ferem a pureza da linguagem do escritor. Antes, funcionando como contraste expressivo, permitem que o leitor as receba envoltas no “leve sorriso indulgente do escritor castiço, [...] anotando e saboreando a novidade daquele dizer errado e gracioso.”[19] Para um quadro mais completo do pensamento de Bilac sobre a questão da norma literária, talvez valesse a pena chamar um outro exemplo, a completar o discurso de louvor a Afonso Arinos.
Trata-se de uma conferência em que apresenta aspectos relevantes da obra de Gonçalves Dias, lida também na Academia. Em certo momento, defendia o poeta da crítica que se fizera às obras indianistas daquele autor. Aos que não julgavam adequado que os índios se expressassem, nos poemas de Dias, em  português castiço, perguntava Bilac, cheio de ironia: “Como haveriam eles de falar? em tupi? – e como os compreenderiam então aqueles que, nesta época de desmazelo de linguagem, nem ao menos se sabem servir, com um pouco de correção e de decência, da língua que é a sua? E que importa a falsidade daquilo? Só não é falso na vida o que a afeia e desonra.”[20] Mas que não nos engane a especificidade do caso dos poemas indianistas ou das narrativas regionalista de Arinos. Para Bilac, a correção e o casticismo da língua são uma virtude em si, uma das maiores virtudes, na verdade. E o seu elogio de Gonçalves Dias – que nas rodas boêmias afirmava valer dez vezes mais do que Castro Alves – vai incidir exatamente neste ponto: Gonçalves Dias amava os clássicos e o seu nacionalismo não o levou a renegar a herança lusitana: “O poeta, que, como um contemplativo extremado, não queria ver o lado prático da conquista, a utilidade dessas sangueiras, que haviam de fecundar o solo da América para o desabrochar de pátrias novas, – soube logo ver e prezar o valor do patrimônio que os invasores lhe haviam deixado: a língua, a mais bela e dúctil de todas as línguas da terra. Com que apaixonado carinho, com que solicitude de filho meigo, entrou ele a estudar esse inigualável idioma! Não o estudou pela rama, colhendo apenas as flores novas e os lindos frutos que a sazão amadurecera: foi às mais profundas raízes da árvore amada, estudou-lhes as fontes da seiva e da vida.”[21]
O que espero que já esteja apontado, ao longo destes comentários, é que esse cuidado com o respeito à norma lingüística e às fontes clássicas da língua portuguesa não é de forma alguma uma reivindicação puramente estética, nem exclusivamente um vezo de escola. Pelo contrário, creio que é bastante sensível que procede de uma atitude crítica e meditada: para Bilac, a questão da língua é a questão política por excelência, o centro de suas preocupações. A língua, dirá ele, é “a base da nacionalidade”.[22] Daí que a produção da literatura seja, de seu ponto de vista, um trabalho semelhante ao de manutenção das fronteiras do país: “o povo, depositário, conservador e reformador da língua nacional, é o verdadeiro exército da sua defesa: mas a organização das forças protetoras depende de nós: artífices da palavra, devemos ser os primeiros defensores, a guarnição das fronteiras da nossa literatura, que é toda a nossa civilização”.[23]
É verdade que Bilac enfrentava, nos últimos anos de vida, um inimigo bem palpável: os quistos linguísticos estrangeiros, que se formavam devido à emigração intensa e ameaçavam a integridade linguística do país. Mas também é verdade que a sua concepção de que a literatura é “toda a nossa civilização” ultrapassa em muito o condicionalismo do momento.
O ideal bilaquiano da civilização brasileira aparece consubstanciado, embora de uma forma um tanto diminuída por exigência do gênero, no seu livro para uso nas escolas, o Através do Brasil. Concebido para ser o único livro das primeiras classes do ensino primário, Através do Brasil é o relato de uma viagem por todo o país, empreendida por dois meninos de classe média e um moço que encontram em certo ponto do caminho.[24] Recobrindo a grande diversidade da paisagem, dos costumes e da formação étnica, o que unifica o texto e dá a medida da nacionalidade é a língua: falam a mesma linguagem tanto o narrador, quando os protagonistas e as demais personagens. O livro relata, por meio da viagem, uma experiência da diferença, mas a expressão lingüística em que é vazado é perfeitamente homogênea: expressam-se na mesma norma, com o mesmo grau de elaboração sintática, tanto as crianças quanto os adultos, tanto o sertanejo baiano, quanto o gaúcho ou o caipira paulista. É claro que isso se deve muito ao fato de ser um livro escolar. Mas creio que se pode ver aqui claramente expresso um ideal que transcende o fim prático do volume. A diversidade linguística  a sintaxe e a prosódia dialetal não têm lugar nesse livro de leitura, como também não têm no resto da obra do poeta. Não é só por se tratar de um volume didático que Bilac nunca leva o realismo no sentido de alterar a expressão correta e elegante. Aqui, como no resto de sua prosa e da sua poesia, não se mimetiza aquilo que se pretende combater.
A questão da língua é, assim, o foco de todo o pensamento e de toda a ação cívica de Bilac: instrução primária, integração nacional, papel civilizador do exército, culto da forma em poesia – tudo converge para a afirmação do papel fundamental da língua na sobrevivência do país republicano.
Nos termos claros do próprio Bilac:
A instrução primária é a cellula-mater da organização social. Só por meio da sua difusão é que poderemos evitar a morte da nossa nacionalidade; porque só a instrução primária pode conservar e expandir no país o uso da língua que os nossos avós nos legaram, – e o que constitui a nacionalidade é propriamente a língua nacional. A pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo. Um povo só começa a perder a sua independência, a sua dignidade, a sua existência autônoma, quando começa a perder o amor do idioma natal.[25]
Como vemos, o problema que Bilac sempre se apresentou foi este: afinal, o que constitui esta nação? Desde que todos deixamos de ser súditos de um mesmo Imperador, o que é que, afinal, nos une e faz de nós um conjunto orgânico? Sem fundo étnico comum, sem um mesmo ritmo de progressão econômica, sem homogênea distribuição das cidades e das riquezas, o que restava, além da inércia e do costume? A língua, respondia o poeta. E foi nela que, de várias formas, concentrou a sua atenção e baseou o seu projeto, sob muitos aspectos vitorioso, de intervenção política.


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Notas:
[1] Texto publicado originalmente no livro de atas do V Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas, 1998, Oxford, 1996. v. 2. p. 697-706. Para esta publicação, atualizaram-se as referências temporais, por conta da mudança de século. Depois, na revista Sibila: http://sibila.com.br/mapa-da-lingua/olavo-bilac/2736
[2] “Bilac permaneceu como o poeta do gosto médio, e mesmo medíocre”. Castello, J.A. & Candido, A. Presença da literatura brasileira (5ª ed.).  São Paulo, Difel, 1974, p. 200. “Os temas que versou com mais assiduidade [...] ajustavam-se bem a esse traço exterior e retórico do seu modo de ser artístico; e deram-lhe leitores fiéis que representavam o gosto das gerações resistentes ao impacto modernista.” Bosi, A. História concisa da literatura brasileira. (2ª ed.) São Paulo, Cultrix, 1975, p. 256.
[3] É o caso de Alfredo Bosi, que o vê apenas como representante de um “meufanismo estático e vazio, amante da tradição pela tradição considerada em si mesma como beleza”. Op. cit., p. 256.
[4] É apenas dois anos depois, em 1888, que Bilac publica seu primeiro volume de versos, Poesias, sucessivamente reeditado e ampliado até 1902, a que se seguirá um livro de Poesias Infantis. Seu terceiro título poético, Tarde é de publicação póstuma.
[5] A propósito e para ter uma idéia de um ambiente notável em que se exercia a retórica literária e política, vale a pena observar a função dos serões nas pensões de funcionários, retratados de forma interessante na novela Gente Moça, elogiada por Monteiro Lobato e escrita no ano de 1922. (Antunes, David. Gente Moça. In: Bagunça. São Paulo, Saraiva, 1968, pp. 111-166.) Vale a pena ver também, a esse respeito, ler a novela O professor Jeremias, de Leo Vaz (São Paulo, Revista do Brasil, 1920). Aí se verá um outro espaço interessante de exercício retórico literário, desta vez nas cidades pequenas do interior do país: a farmácia.
[6] Bilac, Olavo. “Sobre a minha geração literária”. In: Últimas conferências e discursos. São Paulo, Livraria Francisco Alves, 1924, p. 79.
[7] Op. Cit., pp. 78-9.
[8] Op. Cit., p. 79.
[9] Em colaboração com outros autores, Bilac assina também um volume de Contos Pátrios, um Livro de Leitura, um Livro de Composição, além de A Pátria Brasileira e do Teatro Infantil.
[10] No caso de Bilac, a profissionalização do escritor passava também, e com implicações que já foram muito bem estudadas, pela produção de textos para a escola. A propósito, v. Lajolo, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo, Editora Ática, 1993, especialmente o capítulo “Livro didático e língua portuguesa: parceria antiga e mal resolvida”. Ver também, da autora: Usos e abusos da literatura na escola – Bilac e a literatura escolar na República Velha. Rio de Janeiro, Globo, 1982.
[11] Publicada orginalmente na Revista de Portugal. Repr. in: Obras. Porto, Lello & Irmão, s/d, vol. III, pp. 937-941.
[12] “Ao exército nacional”. In: Últimas conferências e discursos. cit., pp. 133. A conferência é de 1915.
[13] Ib. p.135.
[14] “Sobre a viagem de um Presidente”. In: Ironia e piedade (3ª ed.). São Paulo, Livraria Francisco Alves, 1926. Nesse artigo, Bilac escandaliza-se com dados escolares colhidos em Blumenau, que mostravam que, em 112 escolas daquele município, a situação lingüística era a seguinte: 81 ensinavam exclusivamente o alemão; 17, exclusivamente o italiano; apenas 4 tinham apenas o português como língua de estudo. As outras dez eram bilíngües, sendo que duas delas não incluíam o português entre as línguas ensinadas (p.47).
[15] Na conferência “Nec nos labor iste gravabit!”, lida em São Paulo, em 2 de abril de 1917, celebrando a implantação do serviço militar obrigatório por sorteio, Bilac escrevia: “dos sorteados, que vieram dos mais distantes pontos do Brasil, muitos são analfabetos, ignorantes da nossa geografia e da nossa história, leigos na vida administrativa, econômica e política do país, inconscientes do seu valor moral como cidadãos.” Cita, então, para comprovar o real estado de coisa no interior do país os dados referentes aos alistados na cidade de São Gabriel, no Rio Grande do Sul: “60% não tinham a mais ligeira noção sobre a nossa grandeza territorial; 46,66% desconheciam a nossa forma de governo; 73,33% eram analfabetos; 73,33% ignoravam a residência oficial do Presidente da República; 86,66% nunca tinham ouvido o nome do Barão de Rio Branco. E dos dos brasileiros natos, de origem alemã, 61,53% não falavam nem entendiam uma só palavra do nosso idioma”. In:Últimas conferências e discursos. cit., pp. 55-56.
[16] No texto “Em marcha”, lido em 1915, temos uma definição muito clara do que entendia como benefícios do serviço militar obrigatório: “Que é o serviço militar generalizado? É o triunfo completo da democracia; o nivelamento das classes; a escola da ordem, da disciplina, da coesão; o laboratório da dignidade própria e do patriotismo. É a instrução primária obrigatória; é a educação cívica obrigatória; é o asseio obrigatório, a higiene obrigató­ria, a regeneração muscular e física obrigatória. As cidades estão cheias de ociosos descalços, maltrapilhos, inimigos da carta de ‘abc’ e do banho, — animais brutos, que de homens têm apenas a aparência e a maldade. Para esses rebotalhos da socie­dade a caserna seria a salvação. A caserna é um filtro admirável, em que os homens se depuram e apuram: dela sairiam conscientes, dignos, Brasileiros, esses infelizes sem consciência, sem dig­nidade, sem pátria, que constituem a massa amorfa e triste da nossa multidão.” In: Últimas conferências e discursos. cit., p. 120.
[17] “Certo, uma língua não pode [conservar-se] mumificada e inânime, dentro de faixas seculares e imutáveis. Os organismo vivos arfam e vibram numa perpétua renovação. [...] Mas as regras vitais permanecem as mesmas, na sua eterna e misteriosa essência.” In: “Gonçalves Dias”. Repr. in: Conferências literárias (2ª ed.) São Paulo, Livraria Francisco Alves, 1930, p. 14.
[18] “Aos homens de letras de Portugal”. In: Últimas conferências e discursos. cit., p. 164.
[19] “Na Academia Brasileira”. In: Crítica e fantasia. Lisboa, Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, 1904, pp. 421 e 422.
[20] “Gonçalves Dias”. In: Conferências literárias. cit., p. 19.
[21] Ib., p.17.
[22] “A língua portuguesa”. Conferência de 1916. Repr. in: Últimas conferências e discursos. cit. A expressão citada está na p. 210.
[23] Ib., p. 208.
[24] A propósito dessa obra, cf. os comentários de Lajolo, M. e Zilberman, R. Literatura infantil brasileira – História & histórias. São Paulo, Editora Ática, 1984, especialmente o cap. 3.4.1 “As images/stories do Brasil”, onde as autoras também comentam o modelo de Bilac, a novela Le tour de la France par deux garçons (1877), de G. Bruno. Um estudo muito aprofundado do livro de Bilac se encontra em: António Dimas. “A encruzilhada do fim do século”. In: Ana Pizarro (org.) América Latina – palavra, literatura e cultura, vol. 2. Campinas, Edunicamp / São Paulo, Memorial da América Latina, 1994, pp. 535-574. O texto de António Dimas também enfoca outros aspectos da obra de Bilac que também aqui abordamos.
[25] “Instrução e patriotismo” In: Conferências literárias. cit., p. 301.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Machado de Assis: Dom Casmurro




A recepção recente de Dom Casmurro*

Se considerarmos a história da leitura de Dom Casmurro a partir daquilo que Abel Barros Baptista denominou “a ficção do tribunal” (Baptista, 2003, p. 375), ela pode ser dividida em três momentos.No primeiro deles, Capitu está no banco dos réus e o veredicto de sua culpa parece unânime. Por exemplo, veja-se esta formulação de Lúcia Miguel Pereira, datada de 1936: “Capitu, se traiu o marido, foi culpada – ou obedeceu a impulsos e hereditariedades ingovernáveis? é a pergunta que resume o livro.” (Pereira, 1949, p. 175)
Aparentemente há aí uma modalização. “Se traiu”, diz a crítica, deixando aberta a possibilidade de Capitu não ter traído. Ora, se a pergunta que resume o livro é se a traição foi praticada por vontade livre ou foi determinada pela hereditariedade, a existência da mesma não é objeto de dúvida. O condicional, assim, origina uma formulação contraditória, que mostra a que ponto o consenso crítico resumia a questão do livro na questão da traição de Capitu.
Outro testemunho do consenso é esta passagem assinada por um crítico ainda lido, Augusto Meyer, que, em 1947, centrando a atenção no caráter pérfido de Capitu, assim respondia à indagação de Lúcia Miguel Pereira: “Capitu mente como transpira, por necessidade orgânica. [...] Em Capitu, há um fundo vertiginoso de amoralidade que atinge as raias da inocência animal. Fêmea feita de desejo e de volúpia, de energia livre, sem desfalecimentos morais, não sabe o que seja o senso da culpa ou do pecado.” (Meyer, 1986, p. 224)
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O segundo momento se inaugura com o livro de Helen Caldwell, O Otelo brasileiro de Machado de Assis, publicado nos Estados Unidos em 1960. É bem conhecido o passo em que a crítica propõe a leitura do romance do Casmurro como uma peça judicial destinada à condenação de Capitu e se apresenta como advogada de defesa da ré:

[...] no final de sua estória [...] o porquê de publicar nos atinge em cheio. Os capítulos CXXXVIII–CXL estão permeados de um ar de tribunal. Capitu está no banco dos réus. [...] No capítulo final (CXLVIII), o leitor percebe em sobressalto que foi convocado como jurado. A “narrativa” de Santiago não passa de uma longa defesa em causa própria. [...] O argumento funciona da seguinte forma: ele, Santiago, não é ciumento sem causa; ele não executou uma vingança injusta: Capitu é culpada. Caso os leitores o julguem inocente, ele estará limpo a seus próprios olhos (Caldwell, 2002, p. 99). [...] Praticamente três gerações – pelo menos de críticos – julgaram Capitu culpada. Permitam-nos reabrir o caso. (Caldwell, 2002, p.100).

Assumir o papel de advogada de defesa de Capitu, por meio do desmonte da narrativa de Bento, não é, entretanto, uma empresa sem custos e sem riscos. Isso se percebe desde logo, quando se anunciam as duas questões que resumiriam o foco do livro: a principal – “a heroína é culpada de adultério?” – e a subsidiária – “por que o romance é escrito de tal forma a deixar a questão da culpa ou inocência da heroína para decisão do leitor?” (Caldwell, 2002, p. 13).
Essas questões, porém, se anulam mutuamente (Baptista, 2003, p. 371). Se a última subsistir, a primeira não poderá ter resposta. Ou, dizendo de outra forma: se a decisão de fato dependesse só do leitor, então nunca seria possível concluir com certeza pela culpa ou inocência da heroína. Mesmo sem desenvolver esse ponto, queria notar que o tribunal continua ativo, com a substituição do acusado.
O movimento da advogada Caldwell é, entretanto, mais complexo do que a simples substituição do acusado. Se ela retira Capitu do banco dos réus e ali coloca Bento, ao mesmo tempo toma precauções para que, ao enviar Bento para essa posição, não envie junto o autor Machado de Assis.
O ponto não é de importância pequena, pois a partir do momento em que o autor fictício Bento Santiago passa a ser julgado, o autor real, que lhe delegou integralmente a palavra, pode também ficar sob suspeita. Na verdade, sem eliminar a suspeita sobre o autor real, não é possível afirmar seja a inocência de Capitu, seja a culpa de Bento.
A forma de Caldwell resolver o impasse e afastar o perigo é postular que Machado teria deixado pistas, ao longo do livro, para indicar ao leitor que ele deve desconfiar da narrativa de Bento. Ou seja, para indicar-lhe o rumo da leitura correta, que é a que estaria de acordo com o desígnio autoral. Machado, dessa forma, não apenas deixa de ser suspeito de compactuar com Bento, mas é chamado a júri como testemunha de acusação. Vai sem dizer que essa forma de conceber a atuação de Machado anula a questão subsidiária, acima referida, pois na verdade não haveria liberdade de decisão do leitor, já que existe uma intenção autoral a sinalizar a opção correta, por intermédio de sinais semeados ao longo do livro.
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A defesa de Machado e sua oposição a Bento ganham novo fôlego com um artigo de Silviano Santiago – o primeiro texto brasileiro escrito sob o influxo direto do livro de Caldwell. (1)
Machado, diz Santiago, era um “intelectual consciente e probo, espírito crítico dos mais afilados, perscrutador impiedoso da alma cultural brasileira” (Santiago, 2000, p. 46). Não há como confundi-lo, portanto, com o Casmurro reacionário. A delegação da voz narrativa, a partir desse pressuposto, começa a ser entendida ironicamente, como mimese crítica dos defeitos da sociedade brasileira.
Estava inaugurada assim uma linha de leitura que tenderia a tornar-se dominante, ao longo dos anos seguintes e até há bem pouco tempo, na leitura do romance.
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John Gledson dará continuidade e desenvolvimento às linhas abertas por Caldwell e Silviano Santiago, dedicando-se com afinco ao levantamento e interpretação de todos os elementos que pudessem ser entendidos como pistas da intenção de Machado e da leitura correta do romance.
E de tal forma, que termina por retomar, de Caldwell, a tese de que Dom Casmurro não é propriamente um romance de primeira pessoa, pois a delegação da voz narrativa não se faz inteiramente. Para a crítica americana, “o episódio do panegírico expõe o temor de Machado de que o júri tome o partido de Santiago e o deixe impune. Porém, se desempenharmos nosso papel como leitores, o papel que nos é atribuído por Machado, perceberemos que Santiago não é o autor do livro” (Caldwell, 2002, p. 204). Gledson, por sua vez, afirma: “é inteiramente falso pensar ser adequado classificar Dom Casmurro, acima de tudo, como narrativa de primeira pessoa e, portanto, agrupá-lo com Memórias Póstumas de Brás Cubas e Memorial de Aires, por oposição a Quincas Borba e Esaú e Jacó.” (Gledson, 1991, p.22)
Ora, o problema é conciliar a história da leitura do livro com a eficácia das indicações de intenção de autor, que desmascarariam o Casmurro. Se elas fossem eficazes, a leitura do livro não teria sido a que foi até o aparecimento de Helen Caldwell. E se elas não foram eficazes, isso se deveria a um defeito de execução da obra ou ainda a uma segunda intenção do autor?
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A lógica do tribunal produz a conclusão fatal, em dois textos de Roberto Schwarz, escritos em 1990, “A poesia envenenada de Dom Casmurro” e Um mestre na periferia do capitalismo – que explicam a insuficiência das indicações de intenção como desígnio objetivo de enganar o leitor.
Vejamos um trecho de cada um.

Primeiro, de Um mestre…:

por estratagema artístico, o Autor adota a respeito uma posição insustentável, que entretanto é de aceitação comum. Ora, a despeito de toda a mudança havida, uma parte substancial daqueles termos de dominação permanece em vigor cento e dez anos depois, com o sentimento de normalidade correlato, o que talvez explique a obnubilação coletiva dos leitores, que o romance machadiano, mais atual e oblíquo do que nunca, continua a derrotar. (Schwarz, 1990, p. 12).

Segundo, de A poesia envenenada:

O livro [Dom Casmurro] tem algo de armadilha, com lição crítica incisiva – isso se a cilada for percebida como tal [...]. Acaso ou não, só sessenta anos depois de publicado e muito reeditado o romance, uma professora norte-americana (por ser mulher? por ser estrangeira? por ser talvez protestante?) começou a encarar a figura de Bento Santiago – o Casmurro – com o necessário pé atrás. É como se para o leitor brasileiro as implicações abjetas de certas formas de autoridade fossem menos visíveis. [...] / Também o avanço seguinte se deveu a um crítico de fora, John Gledson, num livro cheio de perspicácia e espírito democrático. (Schwarz, 1997, pp. 9 e 11).

Schwarz leva às últimas consequências a ideia de um romance escrito não só contra o autor fictício, mas principalmente contra o leitor.
É certo que a ideia estava em Gledson, já no título do seu livro em inglês – muito mais sutil do que o da edição brasileira.(2) Mas para Gledson, o logro se reduzia à encenação dos preconceitos de classe e também dos desvarios de uma mente dominada pela paixão. E era um logro, por assim dizer, pedagógico, pois ao mesmo tempo em que mimetizava os preconceitos em vigor na sociedade brasileira, fornecia pistas para que o leitor pudesse perceber os limites desses mesmos preconceitos. Por isso mesmo, o estudioso inglês pôde terminar o seu livro de 1984 de uma forma otimista, quanto à relação de Machado com o seu leitor, atribuindo ao romance um efeito ou intenção terapêutica:

Acostumados como estamos à ideia de que o papel do filósofo é em grande parte crítico – ou seja, o de destruir hábitos mentais arraigados e errôneos –, talvez seja conveniente ver Dom Casmurro como uma peça de ficção, útil e destrutiva sob essa forma. E nessa medida o igual, sim, cura o igual: o livro nos agarra – ou deveria agarrar – em algum ponto, fazendo-nos reconhecer Bento como nosso irmão. Quando percebemos todas as ilações desse fato, é que o romance começa a produzir sua cura. (Gledson, 1991, pp. 182-3)

A novidade do ensaio de Schwarz é que, da sua ótica, o leitor (ao menos o leitor comum) já não é jurado e muito menos destinatário de uma ação curativa. Junto com Bento, senta-se agora no banco dos réus o leitor homem, brasileiro, católico (e presumivelmente sem perspicácia nem espírito democrático). E sua pena é dupla: é condenado como cúmplice de Bento e ridicularizado como objeto da ironia da composição machadiana.
Este terceiro momento da ficção do tribunal é um desdobramento coerente da lógica do paradigma inaugurado por Caldwell, embora seja um desdobramento incômodo. A ponto de Gledson, sentindo a amplitude e o peso da acusação, ver-se compelido a escrever, em Por um novo Machado de Assis:

Embora a descrição de Roberto Schwarz do tipo de elite que ele representa seja exata, Bento é um personagem com quem muitos leitores, e não só por causa de um compromisso ideológico subconsciente com a elite brasileira (só posso citar a mim mesmo como evidência), se identificarão, em um ou em vários níveis. (Gledson, 2006, pp. 182-3)

Mas essa é uma resposta à questão menor. Nos textos de Schwarz de 1990, o leitor corre o risco ou está sob suspeita de compactuar com Bento em questões e preconceitos muito amplos. Seu argumento vai muito além do de Gledson. O leitor agora deve responder não somente pela identificação com o lugar de classe de Bento, mas também pela adesão (que também parece decorrer daquela primeira) a um determinado tipo de discurso literário.
Nas suas palavras: “a transformação dessas emoções regressivas [de Dom Casmurro] em padrão de elegância literária, com vasta aceitação nacional, foi um dos sarcasmos máximos da arte de Machado.” (Schwarz, 1990, p. 96).
*
Aqui reponta a verdadeira questão do volume Duas meninas, de 1997, que conjuga esse ensaio sobre Dom Casmurro e o dedicado a Minha vida de menina, de Helena Morley, revelando a plena implicação do primeiro.
À primeira vista, o eixo do livro é o paralelo entre as personagens femininas. Mas essa seria uma comparação desde logo destinada ao fracasso, literariamente falando, já que a personagem de Helena Morley nos chega por meio de um discurso em primeira pessoa, enquanto Capitu não tem voz no romance de Machado, senão por intermédio de Bento – que Gledson e Schwarz já se esforçaram por mostrar inconfiável e manipulador. Ou seja, nos próprios termos em que a questão se apresenta para Schwarz, se tudo o que o Casmurro conta é manipulado, como erguer sobre esse mesmo relato um retrato confiável de Capitu que pudesse comparar-se ao que Helena Morley traça de si mesma? Tudo o que se poderia contrastar, nesse caso, portanto, seriam duas construções alegóricas do liberalismo ou do impulso modernizador.
Schwarz não recua, porém, perante a dificuldade e o despropositado da comparação. Porque, na verdade, não é esse o foco dos ensaios, e sim a questão maior do cânone literário brasileiro. Mais especificamente, do cânone da prosa brasileira.
Uma afirmação como Minha vida de menina “é um dos livros bons da literatura brasileira, e não há quase nada à sua altura em nosso século XIX, se deixarmos de lado Machado de Assis” (Schwarz, 1997, p. 47) precisa ser bem meditada.
A começar pela consideração do fato de que esse livro do século XIX só foi publicado em 1942 – o que desde logo coloca vários problemas, desde a data efetiva da composição, até a forma que recebeu para a publicação, bem como o momento em que foi pela primeira vez lido como documento oriundo do XIX. Schwarz é o primeiro a perceber o perigo do terreno, tanto que faz um inventário completo das possibilidades de estar analisando não um texto do século XIX, mas uma contrafação modernista.
A questão da autoria e da datação de Minha vida de menina, porém, não frutifica, antes se dissolve ao longo do ensaio, que se organiza de modo a propor o livro de Helena Morley como contraponto à prosa da virada do século. Àquela prosa dominante em fins do XIX e começo do XX, que Schwarz vê como um produto da “conjunção infeliz e inconfundível que se havia estabelecido, nas letras da época, entre a crise do Brasil antigo, o contorcionismo estilístico e as ofuscações subalternas do cientificismo”. (Schwarz, 1997, p. 47).
O núcleo de força do seu ensaio está nessa postulação de que um livro “sem intenção de arte” – ou ao menos um livro que não é, a rigor, de ficção – possa ter conseguido cumprir, melhor do que todos os do seu tempo presumido – exceto os da segunda fase de Machado de Assis –, os objetivos da moderna literatura realista.(3) (Schwarz, 1997, p. 50).
Ou seja, na afirmação de uma desconfiança do “literário”, “estético”, “artístico”, que aparecem ao longo do texto como empecilhos ao realismo e à prosa progressista, isto é, uma prosa capaz de apreender e transmitir limpidamente a experiência nacional e a especificidade da estrutura social brasileira.
O livro de Helena Morley lhe parece notável pela naturalidade, pela espontaneidade e pela objetividade do registro – e, sobretudo, pelo “estilo sem literatice”. (Schwarz, 1997, p. 106)
A operação crítica dominante nesse ensaio é, portanto, opor esse momento luminoso das letras nacionais (“sem literatice”) ao resto, onde se confundem e se traduzem uns nos outros a “intenção de arte”, o “ranço literário”, o “ranço ideológico”. (Schwarz, 1997, p. 49) – frequentemente denunciados (como seria também a intenção de Machado denunciá-los) como “cobertura cultural da opressão de classe”. (Schwarz, 1997, p. 13)
Nesse quadro, fica evidente a única maneira de redimir a elegância, a subjetividade do registro e as amplas referências literárias (literatice) dos últimos romances de Machado: a armadilha, a enganação de sentido crítico.
Mas por conta da estreiteza das balizas dentro das quais se move, o raciocínio e a capacidade de análise do crítico terminam por claudicar exatamente no momento em que seria preciso separar estilo, efeito de estilo e caráter, inclusive para poder prosseguir no esmiuçamento da relação entre articulação literária e dominação de classe.
Refiro-me ao momento em que Schwarz tem de dividir o romance de Machado em duas partes – a primeira, que seria dominada por Capitu; e a segunda, que seria dominada pelo Casmurro. Nas suas palavras, “uma sob o signo do espírito esclarecido, outra sob o signo do obscurantismo”. (Schwarz, 1997, p. 14)
A divisão é vital para o argumento do livro. É ela que permite contrapor a progressista Capitu ao reacionário Bento (pois a análise de Schwarz depende da transformação de Bento de dependente da mãe em Casmurro páter-famílias, já que é esse passo social que exigiria o sacrifício da mulher que representa as forças da Ilustração) – como é ela que permite equivaler Capitu e Helena Morley.
Essa divisão não seria meramente de conteúdo, mas se apoiaria num dado formal: o livro seria constituído de duas partes, do ponto de vista da constituição da prosa.
Eis como ele coloca a questão:

Pois bem, como entender que a elegância da prosa dos primeiros capítulos, suprema sem nenhum exagero, seja a obra e o passatempo dessa figura nociva e patética das páginas finais? Respostas à parte, a pergunta decorre da composição do livro. Sob pena de ingenuidade, esta obriga à distância em relação ao que é dito, ou melhor, incita a dar palavra a correções e adendos que a situação narrativa imprime ao memorialismo lírico do primeiro plano. (Schwarz, 1997, p. 32)

A resposta oferecida à parte é que “a poesia no caso pode também ser um álibi, um modo de afetar a isenção necessária à inculpação pública de Capitu…”. (Schwarz, 1997, p. 36)
Estamos ainda e sempre na clave de leitura de Helen Caldwell. Mas o que há aqui de novo pode ser apalpado quando consideramos o que seria essa pergunta se dirigida a outros textos. O que resultaria dela, como ponto de vista de avaliação literária, se fosse dirigida, ao romance Lolita, de Nabokov? O autor fictício desse livro é, sem sombra de dúvida, um pedófilo, um egoísta cruel, um assassino. Não obstante, sua prosa é magnífica e assim tem sido reconhecida de modo unânime. Constitui isso um problema literário? Dizendo de outro modo: por que a elegância da prosa pareceria ou deveria ser incompatível com uma figura nociva e patética de autor? Que aposta, desconfiança ou prescrição aí se revela acerca da coincidência do ético com o estético? E qual é a pena de ingenuidade a que se expõe o leitor que reconheça ou se emocione com o lirismo da chamada primeira parte?
Ora, a consideração atenta do livro de Machado, no que toca à elegância da prosa, mostra que ela de modo algum é menor nos capítulos do meio ou do fim do livro. Na verdade, se há um traço que permanece idêntico ao longo do romance é o estilo. A tal ponto que um dos efeitos da leitura mais notáveis é a saturação que alguns procedimentos produzem, à medida que o livro avança e que o lirismo da evocação da infância vai se dissolvendo em amargura.
Aquilo que se deixava ler como elegância do torneio da frase, justamente por continuar indiferente ao tom que o livro vai adquirindo, passa a ser sentido como impiedade, zombaria ou, no limite e dependendo da clave de leitura, perfídia. O mesmo ocorre com as digressões, com as remissões ao processo de escrita e o gosto das citações: o seu efeito muda radicalmente entre uma e outra parte do livro. E por isso a imperturbável elegância da prosa, adequada à evocação e à descrição da primeira parte, parece impudica, quando continua em vigor na última.
Trata-se, se quiséssemos falar assim, de uma dissonância entre o registro estilístico e o registro de gênero: o modo de escrever adequado a um idílio ou a uma narrativa de final feliz não é o mesmo de uma narrativa dramática, que se postula como trágica. A persistência de um mesmo registro estilístico produz a sensação de desajuste, que é identificada como paródia ou farsa e pode ser traduzida, na leitura, como disposição moral.
A pergunta/resposta de Schwarz, nessa interpelação do mecanismo do livro e da ingenuidade do leitor, se baseia assim, afinal de contas, numa pressuposição formal sem fundamento: a de que haja diferença de nível estilístico entre as partes do romance.
A questão que se impõe é: como um ensaio que utiliza uma descrição precária e superficial da estrutura do livro para sustentar uma comparação problemática sob muitos pontos de vista entre dois textos tão díspares conseguiu não só passar quase sem reparo crítico, mas ainda vigorar como item de primeira linha na fortuna crítica de Machado de Assis?
A resposta, quanto a mim, está na estrutura argumentativa do ensaio sobre Dom Casmurro, que se torna evidente pela articulação com o que lhe foi acrescentado para formar Duas meninas: a oposição construída ao longo do primeiro ensaio se revela, no escopo maior do volume, na sua verdadeira dimensão e importância, que é promover a oposição e o combate entre o despojamento da prosa realista e a “literatice” pegajosa da ideologia. Não é apenas a parte de Capitu contra a parte de Bento no romance de Machado que o crítico mobiliza, mas Helena Morley contra Euclides da Cunha (o modelo negativo implícito no ensaio de Schwarz).(4)
Na articulação dos ensaios, o analista não só monta um processo contra os “hábitos mentais arraigados e errôneos” de Bento e de seu leitor cativo (para usar as palavras de Gledson), mas ainda alarga esse processo e essa denúncia até atingir em cheio a questão literária: o que está em pauta – ou melhor, o que está agora no banco dos réus, junto com o leitor ingênuo ou conivente – é também um modelo ou ideal de prosa literária nacional.
É por ser esse o verdadeiro combate que anima o livro que os argumentos podem contornar decididamente obstáculos tão notáveis quanto a diferente natureza dos textos a comparar ou o delicado problema da datação e autoria do livro assinado por Helena Morley. E é o interesse atual desse combate, bem como a possibilidade de reconquistar Machado de Assis como aliado na construção de um ideal de prosa realista moderna, que talvez explique a sorte desse ensaio, último desenvolvimento do modo de ler com o pé-atrás.
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Notas:
(1) Apesar de neste artigo só comparecerem os textos afinados com a “ficção do tribunal”, vale lembrar que houve, desde a primeira hora, quem se mantivesse fora das linhas de desenvolvimento originadas no livro da crítica americana. Antonio Candido, por exemplo, embora se refira ao livro de Caldwell no mesmo ano do seu lançamento, no estudo denominado “Esquema de Machado de Assis”, não dá maior importância às suas teses, pois não foca na culpa ou inocência de Capitu o interesse da obra, anotando: “o fato é que, dentro do universo machadeano, não importa muito que a convicção de Bento seja falsa ou verdadeira, porque a consequência é exatamente a mesma nos dois casos: imaginária ou real, ela destrói a sua casa e a sua vida” (Candido, 1970, p. 25). Outro crítico que se manteve fora do paradigma aqui estudado é Alfredo Bosi, que em “O enigma do olhar” (Bosi, 1999) se contrapõe explicitamente à tradição inaugurada por Caldwell.
(2) Em inglês, o livro intitulou-se The deceptive realism of Machado de Assis – a dissenting interpretation of “Dom Casmurro”. Em português, Machado de Assis: impostura e realismo – uma reinterpretação de “Dom Casmurro”.
(3) A respeito, para que não reste dúvida, leia-se também este trecho: “o leitor interessado no nervo social da forma artística estará reconhecendo ao vivo o conflito que organiza os romances da primeira fase de Machado de Assis [...]. Acho inegável que a questão figura com mais beleza, ou seja, com mais variedade, profundidade e humor, aqui no livro de Helena”. (Schwarz, 1997, p. 62)
(4) Vê-se aqui o rendimento crítico de uma opção de gosto que também se encontra na apreciação recente de Cidade de Deus, bem como, pouco antes, na avaliação da poesia de Cacaso e Francisco Alvim, por um lado, e da de Augusto de Campos, por outro.

Referências bibliográficas
Baptista, Abel Barros. Autobibliografias: Solicitação do Livro na Ficção de Machado de Assis. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.
Bosi, Alfredo. Machado de Assis: O Enigma do Olhar. São Paulo: Ática, 1999.
Caldwell, Helen.  O Otelo Brasileiro de Machado de Assis. Cotia: Ateliê, 2002.
Candido, Antonio.  Vários Escritos.  São Paulo: Duas Cidades, 1970.
Gledson, John.  Machado de Assis: Impostura e Realismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Gledson, John.  Por um Novo Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
Meyer, Augusto. Textos Críticos (org. de João Alexandre Barbosa). São Paulo: Perspectiva, 1986.
Pereira, Lúcia Miguel. Machado de Assis (Estudo Crítico e Biográfico). 4ª ed. São Paulo: Gráfica Editora Brasileira, 1949. (1ª ed.: 1936)
Santiago, Silviano. Uma Literatura nos Trópicos. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. (1ª ed.: 1978)
Schwarz, Roberto.  Duas Meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

* Este artigo foi publicado primeiramente na revista Estudos Avançados/USP, n. 65,
janeiro-abril de 2009. Está reproduzido também na revista eletrônica Sibila.