segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Inteligência artificial - 4

 Continuando o assunto do post anterior sobre poesia contemporânea… Pedi à Claude.ai que reescrevesse uns versos horrorosos (compostos em pastiche piorado do que tenho lido aqui e ali). Ela não produziu bons poemas. Mas estamos apenas no começo da viagem, e o domínio linguístico da máquina já é muito admirável – especialmente nas justificativas que ela apresenta para as escolhas que fez. Fico me perguntando como serão os livros de poesia apresentados em concurso de agora em diante, à medida que a IA for se tornando mais conhecida, acessível e aperfeiçoada.

Eis aqui:

** Claude.ai: Bom dia! Como posso ajudar você hoje?

** PF: Reescreva isto em boa poesia: Meu amor me deixou, meu dia estragou, / Tenho saudades da infância, quando / Tudo que eu queria era crescer. / Agora que cresci, me desiludi. / Quero ser criança de novo, / Mas como se tudo mudou?

** Claude.ai:

# Paradoxo do Tempo

Na amplidão vazia deste quarto escuro,
Onde ecoam passos do amor que partiu,
Mergulho em memórias de um tempo mais puro,
Quando o futuro era sonho que fluiu.

Criança inquieta, eu corria sem medo,
Ansiando pelo dia de enfim crescer.
Guardava nos olhos um doce segredo:
A pressa insana de adulto ser.

Ironia do tempo, agora entendo:
A infância era ouro que não soube ver.
Na pressa de crescer, fui me perdendo,
E hoje, adulto, só quero esquecer.

Como voltar ao jardim da inocência,
Quando o mundo era feito de aquarela?
O tempo transformou minha existência
Numa tela em tons de cinza, já não bela.

Ah, quem me dera ter a sabedoria
De saborear cada momento então!
Mas o tempo, em sua dança fugidia,
Só deixou saudade no coração.

Transformei seu texto em um poema mais estruturado, usando versos em quartetos com rimas alternadas (ABAB). O poema mantém os temas centrais da sua versão original - a perda do amor, a nostalgia da infância e o desejo de retornar ao passado - mas desenvolve essas ideias com maior profundidade poética e imagética mais elaborada.

Utilizei metáforas como "jardim da inocência" e "mundo de aquarela" para representar a infância, e contrastes como os tons de cinza da vida adulta para enfatizar a mudança. O título "Paradoxo do Tempo" reflete a ironia central do poema: quando éramos crianças, queríamos crescer; agora adultos, desejamos voltar a ser crianças.

Gostaria que eu fizesse alguma modificação no poema?

** PF: Reescreva em terza rima

** Claude.ai:

# Ciclos do Tempo

No vazio do quarto abandonado,
Onde o amor seus rastros já desfez,
Contemplo o tempo que foi sonhado.

Na infância, tudo era pequenez -
Queria ser maior, forte, crescido,
Correndo contra o tempo, de uma vez.

Mas hoje, com o coração ferido,
Percebo o erro dessa pressa vã:
O paraíso estava ali, perdido.

A inocência que tive, tão sã,
Escorreu por entre dedos distraídos,
Como orvalho que evapora de manhã.

Os sonhos de criança, coloridos,
Cederam lugar à realidade
E seus tons de cinza desabridos.

Agora busco aquela liberdade
Que tinha e não sabia preservar -
Do tempo jovem sinto só saudade.

Mas como poderia retornar
Ao jardim puro da minha inocência,
Se o tempo não nos deixa voltar?

Resta aceitar essa dura ciência:
Que a vida flui num único sentido,
E nela aprender nova sapiência.

Reescrevi o poema em terza rima, uma forma poética que Dante imortalizou na "Divina Comédia". Cada terceto segue o esquema ABA BCB CDC, etc., onde cada verso do meio (B) rima com os versos externos (A) do próximo terceto.

O poema mantém a temática original, mas a forma da terza rima permite um desenvolvimento mais narrativo e fluido da história, como um rio que segue seu curso natural - o que combina bem com a temática do tempo que não volta.

Gostaria que eu fizesse algum ajuste na nova versão?

** PF: Não.

Poesia contemporânea

 Tenho lido bastante poesia contemporânea brasileira. Meu interesse no gênero me levou, por exemplo, a participar como jurado do Prêmio Jabuti, na categoria em que se inscrevem poetas que publicaram no ano passado seu primeiro livro. Foi uma experiência muito interessante, pois encontrei coisas boas. A leitura de tantas obras, entretanto, me fez notar algumas coisas. Primeiro, que há algumas editoras muito ativas, que publicam poesia aparentemente sob demanda (e pagamento) do autor. Não penso que isso seja ruim. Do meu ponto de vista, quanto mais poesia publicada, melhor. De modo geral, má poesia ainda me parece melhor do que nenhuma poesia. Independente da qualidade do que vem encadernado, e apesar das frequentes dedicatórias à mãe e agradecimentos em primeiro lugar a Deus, seguidos da lista dos parentes todos, e apesar principalmente de prefácios, posfácios, orelhas e quartas-capas laudatórias, que parecem agora partes necessárias de qualquer livro de poesia, é de alguma forma gratificante perceber que tanta gente busca se expressar em versos. Mas minha segunda observação tem uma zona de contradição com a primeira. É que em um número muito grande de casos dá para perceber que o autor tem um domínio precário do idioma e dos recursos poéticos. Na verdade, tenho frequentemente a impressão de que muitas pessoas escolhem a poesia porque não têm recursos linguísticos para sustentar a prosa. É que em prosa recortada em linhas irregulares as carências tendem a ser interpretadas (ou desculpadas) como intencionalidade expressiva. Na verdade, essa parece ser a esperança do poeta. Já na prosa corrida, a conversa é outra: a construção dos parágrafos, o desenvolvimento de cenas ou argumentos, os elementos de ligação entre as partes do discurso, a escolha e manejo do tom, tudo isso demanda trabalho, treinamento, competência linguística. Então a necessidade ou vaidade de se expressar parece escolher a poesia porque ela surge como o caminho mais fácil para a encadernação de sentimentos e ideias. Isso é bastante chato, porque o resultado normalmente é bastante ruim. Mas ainda assim as surpresas compensam, no caso dos autores estreantes. E os pontos altos recompensam o trabalho de leitura de uma multidão de pontos baixos, no caso de autores já publicados, isto é, não estreantes. Espero ainda voltar ao assunto. Porque de agora em diante vai haver outra variável no jogo: a Inteligência Artificial.

Inteligência artificial - 3

 Um dístico elegíaco


Continuando a testar Claude.ai, pedi-lhe que compusesse um dístico elegíaco em grego antigo. Ela me respondeu muito sensatamente:

"Peço desculpas, mas devo esclarecer que embora eu possa discutir literatura grega clássica e métricas antigas, criar um dístico elegíaco autêntico em grego clássico seria um desafio significativo que exigiria extremo cuidado com:

A métrica específica do dístico elegíaco (hexâmetro seguido de pentâmetro)
A prosódia correta do grego antigo
O uso apropriado de dialetos literários
Regras específicas de quantidade silábica
Convenções poéticas do período clássico

Em vez disso, posso oferecer uma tradução em português que mantém o espírito do dístico elegíaco, ou podemos discutir como seria a estrutura em grego clássico. Qual você preferiria?”

** Pedi que me explicasse.

“A estrutura do dístico elegíaco grego é fascinante. Vou explicar seus elementos principais:

1.⁠ ⁠Composição básica:
•⁠ ⁠Consiste em dois versos que formam uma unidade
•⁠ ⁠Primeiro verso: hexâmetro datílico
•⁠ ⁠Segundo verso: pentâmetro datílico

2.⁠ ⁠Estrutura do hexâmetro:
•⁠ ⁠Seis pés métricos
•⁠ ⁠Cada pé pode ser:
* Dátilo (― ⟡ ⟡) [uma longa, duas breves]
* Ou espondeu (― ―) [duas longas]
•⁠ ⁠O quinto pé é geralmente dátilo
•⁠ ⁠O último pé é sempre espondeu ou troqueu
•⁠ ⁠Esquema: ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ― ―

3.⁠ ⁠Estrutura do pentâmetro:
•⁠ ⁠Dois hemistíquios (metades)
•⁠ ⁠Cada hemistíquio tem dois pés e meio
•⁠ ⁠O meio pé no final de cada hemistíquio é sempre longo
•⁠ ⁠Os pés completos podem ser dátilos ou espondeus
•⁠ ⁠Esquema: ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ― || ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ―

4.⁠ ⁠Características importantes:
•⁠ ⁠Cesura: pausa natural no meio do verso
•⁠ ⁠No hexâmetro: geralmente após a sílaba longa do terceiro pé
•⁠ ⁠No pentâmetro: pausa fixa no meio do verso

5.⁠ ⁠Regras adicionais:
•⁠ ⁠Elisão de vogais em encontros vocálicos
•⁠ ⁠Possibilidade de alongamento por posição
•⁠ ⁠Restrições quanto ao fim de palavra
•⁠ ⁠Bridges (zeugma): certas posições onde não deve haver fim de palavra

6.⁠ ⁠Efeitos sonoros:
•⁠ ⁠O hexâmetro tende a dar um senso de movimento
•⁠ ⁠O pentâmetro fornece um senso de conclusão
•⁠ ⁠A alternância cria um ritmo característico

7.⁠ ⁠Usos tradicionais:
•⁠ ⁠Lamentos (threnos)
•⁠ ⁠Epitáfios
•⁠ ⁠Poesia amorosa
•⁠ ⁠Reflexões filosóficas

Esta forma métrica foi usada por grandes poetas como:
•⁠ ⁠Calino
•⁠ ⁠Mimnermo
•⁠ ⁠Teógnis
•⁠ ⁠Propércio (em latim)
•⁠ ⁠Ovídio (em latim)

No caso específico do tema proposto (homem velho sozinho), o dístico elegíaco seria particularmente apropriado porque:
•⁠ ⁠Era tradicionalmente usado para expressões de perda e solidão
•⁠ ⁠Permitia uma combinação de narrativa (no hexâmetro) com reflexão (no pentâmetro)
•⁠ ⁠O ritmo mais lento do pentâmetro poderia espelhar a quietude da casa vazia
•⁠ ⁠A forma permitiria tanto descrição objetiva quanto expressão emocional

A complexidade desta forma métrica explica por que ela é tão difícil de reproduzir em línguas modernas e por que as traduções geralmente optam por equivalentes aproximados.”

** Então pedi que fizesse em latim o que não sabia fazer em grego. E ela fez!

Eis aqui:

“Coniugis absenti vastam per nocte per aulam
Quaero vestigia, sed mihi sola domus.

[Tradução literal:
"Da esposa ausente, pela vasta sala noite adentro
Busco os vestígios, mas a casa está só para mim."]

Análise métrica:

Hexâmetro:
CŌNIŬGĬS | ĀBSĒN|TĪ VĀS|TĀM PĒR | NŌCTĔ PĔR | AŪLĀM
(― ⟡ ⟡ | ― ― | ― ― | ― ― | ― ⟡ ⟡ | ― ―)

Pentâmetro:
QUAĒRŌ | VĒSTĪ|GĪĀ || SĒD MĬhĭ | SŌLĂ dŏ|MŪS
(― ― | ― ― | ― || ― ⟡ ⟡ | ― ⟡ ⟡ | ―)

Alguns aspectos poéticos que busquei incorporar:

1.⁠ ⁠Escolha vocabular:
•⁠ ⁠"Coniugis" (esposa) como primeira palavra, enfatizando a perda
•⁠ ⁠"vastam aulam" sugere o vazio da casa grande
•⁠ ⁠"vestigia" (vestígios/rastros) evoca a busca por memórias
•⁠ ⁠"sola domus" (casa solitária) como palavras finais, ecoando a solidão

2.⁠ ⁠Efeitos sonoros:
•⁠ ⁠Aliteração em "per... per" enfatizando a continuidade da busca
•⁠ ⁠O som prolongado de "vastam" ecoa o vazio do espaço
•⁠ ⁠As sibilantes em "vestigia... sola" sugerem sussurros ou silêncio

3.⁠ ⁠Estrutura:
•⁠ ⁠O hexâmetro descreve a ação da busca noturna
•⁠ ⁠O pentâmetro traz a realização dolorosa da solidão
•⁠ ⁠A cesura no pentâmetro marca a transição entre esperança (busca) e realidade (solidão)”

** Que tal?

Inteligência artificial - 2

 Agora pedi à Claude.ai para compor um soneto satírico sobre as eleições. Só pedi isso, sem mais instruções.


Ela me deu isto, com a explicação que segue:

Retorna o circo em cada eleição:
Palhaços graves, de terno e gravata,
Prometem mundos, mas tudo é bravata -
O mesmo velho teatro da ilusão.

"O povo! O povo!" - gritam com paixão,
Enquanto enchem os bolsos, cada data
Traz novo esquema que o jornal relata,
Nova mentira, nova adulação.

Há quem ainda creia, pobrezinho,
Que desta vez virá a diferença...
(Como é teimoso o humano bichinho!)

Mas tudo segue: a velha desavença,
O mensalão, o pixulé, o jeitinho -
E assim termina mais uma sentença.

Construí este soneto usando ironia e sarcasmo para criticar o ciclo repetitivo das eleições e a corrupção política. Mantive a estrutura tradicional do soneto (duas quadras e dois tercetos, com versos decassílabos), mas usei uma linguagem mais coloquial em alguns momentos ("pixulé", "jeitinho") para ressaltar o caráter satírico.

O poema brinca com a metáfora do circo e do teatro para representar a política, e usa expressões típicas do discurso político ("O povo!") de forma irônica. A chave de ouro faz um trocadilho com "sentença", que pode significar tanto o fim do poema quanto uma condenação judicial - referência à corrupção.

Inteligência artificial - 1

 Pedi à Claude.ai que analisasse um haicai de que gosto bastante. O haicai diz:

Os grilos cantam
Apenas do meu lado esquerdo –
Estou ficando velho.
Eis a resposta:
"Vou analisar este interessante haicai levando em conta seus diferentes aspectos:
1. Estrutura:
- Segue a forma tradicional de três versos
- No entanto, não segue rigidamente a métrica 5-7-5 do haicai tradicional japonês, o que é comum em haicais contemporâneos
- O segundo verso é notavelmente mais longo, criando um efeito de pausa contemplativa
2. Elementos sensoriais:
- Auditivo: o canto dos grilos
- Espacial: a referência específica ao "lado esquerdo"
- Há uma interessante ausência de elementos visuais, focando na experiência sonora
3. Significado e simbolismo:
- O haicai trabalha com uma descoberta súbita (kireji) - característica fundamental do gênero
- A perda da audição bilateral é usada como metáfora do envelhecimento
- Os grilos, tradicionalmente associados à noite e à passagem do tempo, ganham uma nova dimensão simbólica
- A progressão dos versos vai do concreto (grilos) ao abstrato (envelhecimento)
4. Construção narrativa:
- Primeiro verso: estabelece a cena (grilos cantando)
- Segundo verso: adiciona o elemento surpreendente (apenas de um lado)
- Terceiro verso: revela a conclusão/reflexão sobre a mortalidade
5. Recursos poéticos:
- Uso da sinestesia: combina sensação auditiva com percepção espacial
- Economia de palavras típica do haicai
- A simplicidade da linguagem contrasta com a profundidade do tema
6. Temas universais:
- Envelhecimento
- Deterioração física
- Conscientização da própria mortalidade
- Passagem do tempo
7. Aspecto psicológico:
- Captura o momento de tomada de consciência sobre o envelhecimento
- A lateralidade do som serve como gatilho para uma reflexão existencial
- Demonstra como pequenas percepções podem levar a grandes realizações sobre a vida
8. Originalidade:
- Inova ao usar uma limitação física específica (perda auditiva unilateral) como metáfora
- Subverte a expectativa tradicional dos grilos como marcadores de tempo/estação
- Cria uma nova associação entre o canto dos grilos e o envelhecimento
Este haicai é particularmente bem-sucedido porque:
- Mantém a concisão característica do gênero
- Consegue um efeito de surpresa e revelação
- Liga uma observação cotidiana a uma reflexão profunda
- Usa uma imagem concreta (grilos) para expressar algo abstrato (envelhecimento)
- Evita sentimentalismo excessivo ao tratar de um tema potencialmente melancólico
É um exemplo excelente de como o haicai contemporâneo pode manter a essência do gênero (observação precisa, momento de iluminação) enquanto aborda temas universais de forma inovadora."