O haicai mais famoso é furuike ya kawazu tobikomu mizu no oto.
Há incontáveis traduções dele para inúmeras línguas.
Lembro-me sempre da tradução literal feita por Wenceslau de Moraes, o marinheiro português que foi cônsul em Kobe e depois passou o resto da vida em Tokushima:
“Ah, o velho tanque! E o ruído das rãs atirando-se para a água”
Moraes optou pelo plural. Das traduções que conheço, creio que é a única.
Em japonês tanto pode ser singular ou plural. Optando pelo singular, o tradutor aumenta o (por assim dizer) mistério. Há um lago, um poeta e uma rã. O ruído da rã saltando é único e delicado. Um plop apenas. E a ideia de solidão, de abandono do velho tanque vem para primeiro plano. Como é fácil imaginar o tanque num templo (como fez Moraes na sua tradução em forma de quadra), tudo fica muito japonês e um pouco zen.
Entretanto, é perfeitamente possível ler “rãs”, no plural. A cena, então, seria mais prosaica: há um tanque e quando o poeta caminha para ele algumas rãs, assustadas, saltam para dentro. Ou seja, em vez da observação minuciosa em um ambiente restrito, podemos estar agora em campo aberto e em vez de um plop solitário, uma sequência meio barulhenta.
O que mais gosto na tradução de Moraes, porém, é que ela está feita em duas frases apenas.
Eu não consegui isso, no “Haikai – antologia e história”. Fiz “em prateleira”, 3 frases, embora desde aquela época me parecesse claro que os dois últimos segmentos devessem ser uma sentença.
É que na época me vi prensado entre dois princípios.
Um deles é o que acabo de referir: o haicai é dividido por um corte, não por dois. O bom haicai tem, portanto, duas partes e não três.
O outro é que as coisas ou as ações são, nos melhores haicais, grafadas na ordem da percepção.
Ora, aqui o poeta vê o tanque – primeiro segmento do poema, marcado pelo corte da expletiva “ya” – depois vê o mergulho das rãs e ouve o barulho da água.
Na tradução de Moraes, primeiro vem o barulho e depois as rãs. É um poema centrado no som. No original, o verbo tobikomu põe peso no visual, pois – como explorou Haroldo de Campos – é formado por saltar e mergulhar. Portanto, no de Moraes, o poeta deduz que são rãs saltando. Nas traduções corriqueiras, o poeta vê e depois ouve.
Parece nada, mas – glosando Pessoa – em poesia às vezes o que parece nada é tudo.
Tanto é verdade que, se eu fosse conciliar os dois princípios, teria de ter traduzido mais ou menos assim:
Velho tanque –
Da(s) rã(s) saltando,
O barulho de água.
Mesmo assim perderia a ordem dos fatos no último verso, só recuperável com "da rã mergulhando / na água o barulho".
Funcionaria? Com essas inversões violentas, eliminando a naturalidade da expressão? Duvido...