Uma conversa sobre Daniel Faria
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https://www.youtube.com/watch?v=Tfa76EhJE6g
Quando postei há poucos dias uma divagação sobre dois parágrafos do livro "Formação da literatura brasileira", deixei-me levar pelo fluxo da memória e referi uma visita que fiz a Antonio Candido, na qual ele me mostrou a sua bilaquiana e declamou de cor vários versos do poeta. Contei também que eu ali lhe fiz uma observação sobre o apagamento do parnasianismo na historiografia moderna brasileira. O que eu me esqueci de contar foi que o assunto já tinha surgido antes e que eu lhe havia exposto um projeto que não foi adiante, de uma antologia que apresentasse, de modo integrado, aquele período na literatura brasileira e na portuguesa. Na verdade, era um projeto mais ambicioso. Eu julgava poder modalizar aquela famosa afirmação dele, a de que, a partir do Modernismo, ignorávamos simplesmente Portugal. Mas deixei de lado o projeto, para nunca mais, e segui o seu conselho de fazer logo o doutorado.
Agora que encontrei mais esta carta, penso que ela pode ser interessante para quem quer que se ocupe da obra do Professor, ao menos como curiosidade.
Em meados de 1987, encarregado da direção de uma revista do IEL, decidi fazer um número sobre o Oriente.
Já naquela época eu tinha as edições dos clássicos chineses traduzidos pelo padre Joaquim Guerra. Escrevi-lhe, então, para Hong Kong, pedindo que redigisse um depoimento sobre a sua vida e o seu trabalho.
Ele aceitou logo e no dia 3 de dezembro de 1987, junto com uma carta muito interessante, postou o material, que poucos meses depois foi publicado.
As cartas virão a seguir.
Por agora, o depoimento. Como não tenho mais o datiloscrito, segue o link da revista.
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Link do número da revista dedicada ao Oriente
Um dos textos que me marcaram quando eu comecei a me dedicar seriamente ao estudo do haicai foi escrito em português: “De renga a haicai”, por Teiiti Suzuki. Tive a felicidade de conhecer, embora brevemente, o seu autor. E acho que todo aspirante a poeta de haicai, assim como todo interessado no assunto, pode aprender muito com a sua leitura.
Lembrei-me dele por conta de um comentário de Thomaz Albornoz Neves à minha postagem anterior. E junto com essa lembrança veio outra, de um episódio divertido. E foi este: quando descobri esse texto, fiquei exultante; na sequência do entusiasmo, com dois colegas que tinham interesse pela arte, embora nada familiarizados com o haicai, fiz uma leitura em voz alta do kasen ali traduzido.
Em certo ponto, um deles não se conteve e exclamou: “Esse Bashô é um estraga-prazer, um chato!” E como eu perguntasse por que, respondeu que sempre que o poema começava a ficar mais interessante ele tratava de estragar, por uma operação de desfoque ou rebaixamento. Admirei a justeza da percepção, mas não o julgamento, pois também sinto que é essa a direção que o Mestre parece querer impor ao renga. O seu papel “regulador”. Contenção, modéstia, cotidiano, fuga ao brilho fácil das palavras. A diferença é que, do meu ponto de vista e para a minha sensibilidade, justamente nisso, nesse contraponto corretivo está o melhor desse kasen.
Mas é claro que tanto ele quanto eu podemos estar errados. Por isso mesmo, indico aqui o link onde os eventuais interessados poderão ler esse excelente texto do Prof. Suzuki – a quem presto aqui esta pequena homenagem de reconhecimento – e tirar as suas próprias conclusões.
Ainda revisitando o mundo do haicai me deparo com o desenho que Bashô fez para ilustrar um seu haicai famoso. Aquele que diz: um corvo pousado num ramo seco – entardecer de outono. Ou: um corvo acabou de pousar num galho seco - entardecer de outono. E me lembro: quando li esse haicai pela primeira vez eu não conhecia esse desenho, nem tinha visto como nele vem o haicai grafado quase todo em silabário. Minha imaginação, ao ler, pintou a cena: uma árvore sobre uma paisagem desolada, na qual a ave aparecia em posição de destaque. Talvez na origem dessa fantasia estivesse o corvo do Poe, com sua figura funesta dominando o busto de mármore, e eu apenas o tivesse transposto para um lugar ermo, mas em primeiro plano. Fosse como fosse, a verdade é compus mentalmente uma cena carregada. Algum tempo depois, quando preparava o livro sobre a história do haicai, deparei com o desenho que Bashô fez para acompanhar o haicai e fiquei um pouco perplexo. Então era isso? Aquele passarinho pousado num arbusto que mais parecia um bonsai? E o haicai vinha lá em cima, em duas linhas bem compridas, por conta da forma de escrita escolhida? Não havia dramatismo ali. Pelo menos, não do tipo que eu imaginava na minha cena quase fantasmagórica. Acredito que essa experiência, a princípio um pouco deceptiva, trouxe uma lição e orientou, dali por diante, a minha maneira de imaginar e interpretar as cenas pintadas apenas com palavras nos haicais.