Passei a tarde lendo, com alegria e prazer, o livro “Antologia de haicais clássicos”, de Edson Iura.
domingo, 13 de abril de 2025
Antologia de haicais clássicos
domingo, 6 de abril de 2025
Haicai e zen
Li há pouco, na página do Haiku en español, um texto de Vicente Haya, intitulado “O haicai não é poesia zen”. Tendo a concordar com ele, quando diz que a atitude de buscar iluminação ou o incompreensível não é a mesma atitude, o mesmo modo de estar no mundo, do poeta de haicai, que busca sempre em primeiro lugar a concretude, o sensível – e a emoção ligada à percepção sensível. Mas discordo também da radicalidade dele, ao entender o zen como algo monolítico, que busca o satori como iluminação súbita. Na verdade, não entendo o zen. Apenas leio e penso...
Em certo ponto, ele refere um haicai de Bashô, como prova de que haicai não é zen. A passagem é esta:
Sin embargo, el propio Bashō -el haijin que se toma como prototipo de "poeta Zen"- en uno de sus haikus concede la beatitud precisamente al ser humano que "no comprende" (satoranu) ante una manifestación de la Naturaleza:
稲妻にさとらぬ人の貴さよ
inazuma ni satoranu hito no tōtosa yo
¡Qué santidad
la del hombre que ante un relámpago
no despierta a la realidad!
Por diversão, submeti o haicai ao ChatGPT e conversei um pouco com a máquina sobre ele. Vou transcrever a conversa toda. Vale a pena ver como a máquina interpreta o haicai, dentro do universo zen. Mais ou menos como se ele fosse uma declaração de adesão ao Soto Zen. Vale também a pena ver as traduções modernas que ela propõe. Uma delas poderia integrar a tradição leminskiana, eu creio.
Eis aqui:
-x-x-x-x-x
Claro! A frase japonesa 稲妻にさとらぬ人の貴さよ pode ser traduzida como:
"Quão nobre é a pessoa que não busca iluminação no relâmpago."
Ou, de forma um pouco mais interpretativa:
"A nobreza daquele que não se deixa iluminar por um relâmpago."
Essa é uma expressão poética e provavelmente faz parte de um haicai ou waka. Ela sugere que há valor ou dignidade em quem não busca uma compreensão súbita e chamativa (como o clarão de um relâmpago), mas talvez trilhe um caminho mais silencioso ou contemplativo.
Se quiser, posso ajudar a analisar o contexto poético ou filosófico também.
Claro! Vamos fazer uma análise mais profunda da frase 稲妻にさとらぬ人の貴さよ:
Tradução literal:
• 稲妻 (いなずま / inazuma): relâmpago
• に: partícula indicando direção ou causa
• さとらぬ (悟らぬ): forma negativa de 悟る (satoru), que significa "atingir a iluminação", "compreender profundamente", "despertar espiritual"
• 人 (ひと / hito): pessoa
• の: partícula possessiva ou de qualificação
• 貴さ (とうとさ / toutosa): nobreza, preciosidade, dignidade
• よ: partícula exclamativa, que adiciona ênfase emocional
Tradução poética sugerida:
“Quão nobre é a pessoa que não se ilumina com o relâmpago.”
Análise filosófico-poética:
1. Simbolismo do relâmpago (稲妻):
O relâmpago costuma simbolizar revelação súbita, uma iluminação repentina — como o satori no Zen, uma forma de despertar espiritual que pode vir de uma percepção abrupta. Algo momentâneo, poderoso, mas também fugaz.
2. A recusa da iluminação súbita:
A pessoa descrita não se ilumina pelo relâmpago — ou seja, não busca (ou não se deixa levar por) uma compreensão imediata, espetacular, repentina. Isso pode indicar alguém que prefere o caminho da paciência, da introspecção, do crescimento lento.
3. A nobreza dessa escolha (貴さ):
A frase destaca a "nobreza" ou "valor" dessa pessoa. Em vez de criticar, ela exalta aquele que não busca as respostas fáceis ou as revelações rápidas. O poeta parece valorizar quem não se apressa para entender o mundo em um clarão, mas que talvez escolha o caminho gradual, silencioso e constante do autoconhecimento.
Possível interpretação Zen:
Em algumas escolas do Zen, especialmente o Rinzai, o satori súbito é valorizado. Mas em outras tradições (como Soto Zen), a prática contínua é vista como mais importante do que qualquer momento de iluminação repentina. Essa frase parece dialogar com essa segunda abordagem: a sabedoria silenciosa, humilde, que floresce sem espetáculo.
Se você quiser, posso criar uma versão poética em português inspirada nessa ideia.
Com prazer! Aqui vai uma versão poética em português, inspirada no espírito e na cadência do original:
Quanta nobreza há
em quem não busca o clarão
para se entender.
Ou, numa versão mais livre e contemplativa:
Nobre é aquele
que não se apressa a despertar
com o brilho de um relâmpago.
Beleza! Aqui vão algumas versões mais modernas, mantendo a ideia original mas com um toque contemporâneo e direto:
1.Tem algo de bonito
em quem não precisa de um choque
pra se encontrar.
2.Nem todo mundo vê a luz no raio —
e tudo bem.
Tem força nisso também.
3.Admiro quem não corre
atrás de epifanias.
Só vive. E entende.
Curte esse estilo ou quer algo ainda mais urbano ou despojado? Posso ajustar fácil.
Fechou! Aqui vão algumas versões com uma pegada mais urbana, meio spoken word, com aquele clima de rua, cotidiano e introspecção sutil:
---
1.
Respeito quem não brilha no raio.
Que aprende no escuro, no tempo, no trampo.
---
2.
Nem todo mundo precisa de luz na cara.
Tem gente que acorda devagar,
no silêncio da quebrada.
---
3.
Enquanto uns esperam trovão,
outros crescem quieto,
tipo semente no asfalto.
---
4.
Tem quem não se liga no flash.
Prefere a brisa da noite,
descobrindo as coisas no passo.
-x-x-x-x-x-x
A conversa poderia continuar, pois a máquina pergunta se quer mais isto ou aquilo, neste ou naquele estilo. Mas já é suficiente...
terça-feira, 25 de março de 2025
Haikai e Haimi - um haiku de William J. Higginson
Nem sempre o conhecimento produz um bom haicai. Creio mesmo que a intenção de fazer um bom haicai pode se tornar um obstáculo.
Em certo ponto do seu livro, Higginson conta a gênese de um de seus haicais. Aparentemente, um de que gosta bastante.
O autor está comentando a recepção de haicais, como eles rebatem nas cordas da memória individual. Em certo ponto, para exemplificar uma questão, ele narra uma sensação/emoção que lhe despertou o desejo da escrita. E prossegue expondo a intenção e as campanhas de redação, até chegar a um resultado, que indica ser “final”.
Este:
“Winter Solstice
wooden wind chimes
in the wind in the
wood smoke dusk”
Contra seus próprios princípios, acrescentou um título, porque a percepção disparadora se tinha dado no dia do solstício de inverno. E ele não queria deixar nada de fora. E por isso tirou o kigo do haicai para incluir outra coisa. Mas deve logo ter percebido que o que retirou, afinal, era o kigo – e então o reintroduziu pela janela, ou melhor, pelo título.
Outra informação, igualmente interessante, é que ele ouviu aqueles sininhos de vento de metal, mas os transformou em sinos ou campainhas eólicas de madeira, porque isso entrariam em consonância com o cheiro de madeira queimada que sentiu enquanto tocavam os sininhos. A associação que deve ter feito é entre a madeira que se queima e desaparece e a madeira que ainda permanece, tendo voz quando exposta ao vento. Uma associação por contraste.
Ele também alterou o período do dia. Tudo tinha acontecido mais cedo, mas ele terminou por mudar o haicai para o momento crepuscular, o final do dia, talvez por lhe parecer mais apropriado ao clima. No caso, talvez alguma melancolia.
Como traduzir esse haicai?
“Solstício de Inverno
sinos (ou campainhas) de madeira no vento no crepúsculo de fumaça de madeira”
Ou:
Solstício de Inverno // sinos de vento de madeira / no vento / na fumaça de madeira ao anoitecer
Ou ainda:
Solstício de Inverno // sinos de vento de madeira / no vento / no crepúsculo de fumaça de madeira.
Não consegui achar uma forma que me parecesse razoável.
Mas para a sensação inicial, que ele registra e da forma como a registra, talvez sim.
Higginson escreveu isto, sob o efeito imediato de ouvir os sinos de vento:
“solstício... wind in the / wind chimes”
Deveria, em português, eu acho, ser algo desta ordem:
Solstício de inverno – ah o som do vento nos sininhos de vento...
Ou:
Solstício de inverno – o vento nos sinos de vento
Não me saí provavelmente muito bem, mas creio que melhor do que no haicai em forma final.
O que talvez queira dizer que, para o meu gosto e para a minha concepção de haicai, a notação imediata de Higginson tinha haimi (sabor de haicai), enquanto o poema em forma final, não muito.
Haiku e Senryu
Um dos livros clássicos sobre haicai no Ocidente é um manual: o “The haiku handbook – how to write, share, and teach haiku”, de William J. Higginson.
Estive relendo o livro, porque retomei um projeto antigo: escrever um manual semelhante, porém mais focado na composição.
Em certo momento deparei com a parte em que o autor diz que boa parte do que fazemos no Ocidente como haiku é, na verdade, senryu. É algo que sempre me pareceu evidente, talvez até mesmo porque depois da obra insubstituível do Blyth, o livro de Higginson tenha sido um dos que mais me interessaram.
O ponto é interessante e delicado, pois, como ele diz, mesmo no Japão a fronteira pode parecer indefinida entre um gênero e outro.
Durante a leitura, achei que valia a pena traduzir esta passagem para os interessados no tópico:
When the Committee on Definitions of the Haiku Society of America completed its work in the early 1970s, they included the following as one definition of senryu: “Loosely, a poem similar to haiku which does not meet the criteria for haiku." Although I was a member of that committee, I do not like suggesting that a senryu is a failed haiku. In the hands of those who set out to write a senryu, such as one-time editor of “American Haiku”, Clement Hoyt, a senryu "relies on a point of wit instead of provocation by contrast, as does the haiku."
“Quando o Comitê de Definições da Sociedade Americana de Haiku concluiu seu trabalho no início dos anos 1970, incluiu o seguinte como definição de senryu: "De modo geral, um poema semelhante ao haiku que não atende aos critérios do haiku." Embora eu fosse membro daquele comitê, não gosto de sugerir que um senryu é um haiku fracassado. Nas mãos daqueles que se propõem a escrever um senryu, como o ex-editor do ‘American Haiku’ Clement Hoyt, um senryu "depende de um toque de agudeza em vez da provocação por contraste, como faz o haiku."
Hesitei na escolha da tradução de “point of wit”. Wit é sagacidade, espírito (no sentido de ser espirituoso), verve, agudeza, humor inteligente. Escolhi “agudeza”, pois é uma palavra que remete principalmente à inteligência e à forma de elocução.
Num texto que eu mesmo escrevesse, usaria a palavra “sacada”, no sentido que usualmente digo que o haicai de Leminski muitas vezes repousa sobre uma sacada.
Agudeza X provocação por contraste. As fronteiras podem mesmo ser pouco precisas...
Do meu ponto de vista, tendo a pensar que, para o gosto ocidental, o haiku surja como algo mais “plano” no nível da expressão, mais sutil, demandando abertura de espírito aos sentidos vários. Um texto que repousa principalmente na justaposição – ou, como dizemos às vezes, de modo talvez um pouco pomposo, na composição ideogramática.
quinta-feira, 20 de março de 2025
O que veio antes
Uma das evidentes vantagens da IA é fazer rapidamente algumas tarefas básicas, como redigir. Por exemplo, eu queria ver os caracteres da palavra sensei, em japonês, porque queria usar a etimologia para uma palestra. Claude.ai me respondeu:
A palavra "sensei" (先生) em japonês tem uma etimologia interessante baseada nos caracteres que a compõem:
· 先 (sen): significa "antes" ou "anterior"
· 生 (sei): significa "vida" ou "nascer"
Quando combinados, estes caracteres literalmente significam "aquele que nasceu antes" ou "aquele que veio antes", transmitindo a ideia de uma pessoa com mais experiência ou conhecimento acumulado ao longo do tempo.
Na cultura japonesa, "sensei" é um título honorífico usado para se referir a mestres, professores, médicos e outros profissionais que possuem conhecimento especializado ou habilidades superiores em alguma área. O termo reconhece o respeito devido a alguém que "veio antes" no caminho do conhecimento e, portanto, pode guiar outros.
É claro que eu poderia ir ao google e copiar os caracteres e depois escrever algo assim. Mas foi coisa de um segundo apenas.
Agora tenho uma boa definição. Na minha palestra, partirei dessa definição para falar um pouco da degradação da autoridade – da auctoritas – do professor nos dias de hoje.
Para trabalhar com o conceito latino de auctoritas, de novo pude me valer de Claude, conseguindo de modo eficiente a informação relevante:
---
O conceito latino de "auctoritas" é fundamental para entender a estrutura política, social e cultural da Roma Antiga.
"Auctoritas" refere-se a uma forma de influência social que não é baseada no poder coercitivo (potestas) ou na força militar (imperium), mas sim em um tipo de autoridade moral, prestigioso e legitimador. É um poder informal que vem do reconhecimento social da sabedoria, experiência e integridade de uma pessoa ou instituição.
Características principais da auctoritas:
1. Era uma qualidade pessoal baseada no mérito, virtude e realizações, não apenas um título formal ou posição
2. Permitia que seu possuidor influenciasse decisões e comportamentos através do respeito e da persuasão, não por ordens diretas
3. Estava fortemente associada aos anciãos (especialmente no Senado Romano - a própria palavra "senado" vem de "senex", significando "homem velho")
4. Era diferente de poder legal (potestas) ou comando militar (imperium)
5. Aumentava com a idade, experiência e demonstrações de prudência e sabedoria
Na República Romana, a auctoritas do Senado (auctoritas patrum) era particularmente importante - embora tecnicamente apenas consultiva, suas recomendações carregavam enorme peso pela autoridade moral coletiva dos senadores. Durante o Império, os imperadores romanos procuraram combinar auctoritas com imperium e potestas para fortalecer sua posição.
O conceito influenciou significativamente o pensamento político ocidental posterior e continua relevante para entendermos diferentes tipos de autoridade nas sociedades contemporâneas.
---
Meu ponto será que um dos motivos da corrosão seja a crença de que a experiência e o conhecimento acumulado foram ou rapidamente serão ultrapassados, deslegitimados, tornados inúteis pela velocidade da evolução tecnológica e dos meios de acesso e tratamento da informação.
De fato, a imagem do velho que é incapaz de acertar a hora de um forno de micro-ondas ou de manipular um celular de última geração foi se fixando com estridência. Contaminou tudo. No campo científico, por exemplo, a figura prestigiosa do velho médico ou cirurgião, cheio de experiência, foi sendo obscurecida perante a crença na superioridade do conhecimento ou da técnica do recém-formado.
Mas o ponto que eu gostaria de frisar, nessa palestra, depois das considerações gerais, seria manifestado na própria estrutura da palestra, em que a IA desempenha um papel assim preponderante. A mesma IA que será cada dia mais inevitavelmente presente nas salas de aula, nos trabalhos escolares e nas dissertações acadêmicas.
Nesse quadro, qual a autoridade, em qualquer sentido, do mero “nascido antes”?
segunda-feira, 17 de março de 2025
furuike ya
O haicai mais famoso é furuike ya kawazu tobikomu mizu no oto.
domingo, 16 de março de 2025
De novo, o haicai
Aos poucos vou voltando ao haicai. Li por esses dias um livro interessante. Esse cuja capa vem nesta postagem.
Segue o caminho inverso dos livros bilíngues. Aqui, haicais
de brasileiros são traduzidos para o japonês e caligrafados por um artista
daquele país.
Enquanto lia, fui anotando os que mais me chamaram a atenção,
por um motivo ou outro.
1.
fim da tarde –
duas formigas
escalam a folhagem. Diego Petrarca
2.
meu coração adia
tudo que não é
poesia Léo Cruz
3.
meu plano - festejar
a virada de cada mês
como se fosse de ano Marcelo Pires
4.
paisagem colorida –
de quando em quando
uma vaca em preto e branco Ricardo Silvestrin
Considerando esses quatro haicais, vejo que a presença de
Leminski e/ou Millôr é sensível em metade. A sacada anima, se casa bem com a
forma breve. Os meus preferidos, entretanto, são os que me parecem ter mais
sabor de haicai. Ou então: os que correspondem mais à minha concepção de haicai.
O de Silvestrin é uma descrição objetiva, mas que se apoia
também numa sacada. A gente lê normalmente o poema até o último verso, em que a
vaca malhada é descrita como em p&b, contrastando com o – por assim dizer –
RGB da paisagem. Isso dá um toque de graça ao verso.
O de Petrarca é também uma descrição objetiva, mas sem apoio
em sacada ou trocadilho ou referência cultural.
Qual a relação entre o fim de tarde e as duas formigas que
escalam a folhagem? Por que só duas formigas? Onde está o poeta? Onde é essa
folhagem? Por que ele resolveu anotar isso?
Não é possível responder a nenhuma dessas perguntas. Por isso
mesmo essas duas formigas, num final de tarde qualquer, escalando uma folhagem
qualquer se fixam na memória, disponíveis para que nelas projetemos sentidos,
percepções, experiências. São um símbolo objetivo, por assim dizer.
Fechado o livro, os poemas 1 e 4 permaneceram na memória da
leitura. Mas se consigo explicar por que me lembro do poema de Silvestrin, não
consigo explicar por que me lembro ainda mais do poema do Petrarca. Essa é a
marca, o sabor, o gosto particular do haicai.
2.
Alguém me escreve, inbox, que o haicai na sua origem tem humor. É verdade. A própria denominação, como se sabe, é uma caracterização de um tipo de poesia, baseada na seriedade do renga. Renga informal, cômico, engraçado etc. Meu ponto tampouco era condenar o humor ou um tipo de haicai. Muito menos o de Leminski, que estudei e acho na verdade um tributo a Millôr, esse gênio do humor. Há lugar para todos debaixo do sol. Meu comentário, como todo comentário crítico, traz um gosto, busca a expressão de um gosto - e muitas vezes promove um gosto ou tenta explicitar um gosto; ou ainda influenciar o gosto do leitor. É da natureza da crítica. No caso, entre os quatro haicais que me chamaram mais a atenção no livro, dois ficaram na memória espontânea da leitura. Eu disse que entendo por que um deles ficou, mas não entendo por que o outro também ficou. Daí explicitei a minha honesta preferência, sem desfavor de um poeta ou favor de outro, por um tipo de haicai - o mais plano, por assim dizer. Isso tem a ver certamente com o que eu entendo do haicai tradicional, e principalmente do que escolhi ali como interessante para a nossa tradição - em outras palavras: o que existe lá que mal existe aqui e eu posso aproveitar. E tem a ver com o tipo de haicai que eu mesmo procuro escrever, que já foi descrito por um companheiro das trilhas do haicai como "descolorido" - e creio que é uma boa definição.
3.
Quando publiquei "Toques", em 2020, Antonio Fabiano escreveu uma resenha simpática: “As descoloridas pinceladas dos haicais de Paulo Franchetti”. Antonio Fabiano, que em haicai se chama Seishin, do meu ponto de vista acertou a mão logo no título. Não devo comentar a sensível e generosa análise que faz de alguns haicais desse livro. Basta referir, para o que pretendo aqui, o fecho do texto: “Por essas e outras, com seus descoloridos haicais e despretensiosa atuação poética, o haijin do 'Oeste' se configura como um caso singularíssimo no cenário nacional de tantos e tão mais brilhantes haicaístas.” Essa formulação final me foi especialmente gratificante. Se há algo em que me reconheço é nessa ideia de uma despretensiosa atuação poética. É o contrário da minha às vezes incisiva atuação crítica e teórica no que diz respeito ao haicai. Talvez porque, como disse na postagem anterior, eu tenha me esforçado para buscar, na tradição longínqua do haicai japonês, algo que me parece bom e útil fortalecer dentro do nosso próprio horizonte literário. E o que seria isso? O haicai como poesia da modéstia, da magreza, da notação imediata do que o espírito recolhe como imagem ou eco ao seu estado, como utilização do mínimo para produzir apenas o suficiente. Ou seja, de uma forma ou de outra, fico feliz de perceber que, na opinião de um companheiro de jornada, meus descoloridos haicais cumprem seu papel, humildemente, descoloridamente.
sábado, 22 de fevereiro de 2025
O tio da caminhonete de Pablo Simpson
Recebi por esses dias um livrinho interessante de uma coleção interessante de uma editora interessante.
Trata-se de “O tio da caminhonete”, de Pablo Simpson, publicado na Coleção Caravelas, da Editacuja Editora. Para completar a informação: São Paulo, 2021.
A arte visual é de Fernando Morato, desde a envolvente sobrecapa, até os desenhos ótimos, que batem papo com o texto ao longo das páginas.
Na ficha técnica encontro mais amigos, ex-alunos da Unicamp. Lá estão Pedro Marques, na curadoria da coleção, e Marcelo Beso, na revisão. E entre os autores já publicados, mais alguns: além do Pedro, o Marco Catalão, de quem já falei aqui, numa dessas crônicas de leitura, e Francine Ricieri, cujo “Eppur si muove” propus a mim mesmo comentar um dia desses e terminei por não o fazer.
O livro de Pablo vale a leitura. E os desenhos de Fernando, idem.
O que me agradou mais foi a mistura. Na caçamba dessa mítica caminhonete cabe de tudo. Cabe Alberto Caeiro, que está na epígrafe e é glosado nas primeiras linhas: “Eu nunca guardei rebanhos / Mas é como se os guardasse” vira “Eu nunca dirigi uma caminhonete / Mas é como se dirigisse”. Cabem Ray Charles, Santa Teresa de Jesus e Raul Torres e Serrinha nas epígrafes, e cabe, no espírito, também o irmão – porque filho do mesmo pai – de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos: “Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra”. Esse, na verdade, o inconfessado guiador, porque também aqui o poeta é o tio que guia a caminhonete e é a própria caminhonete. Além disso, ajeita-se nessa caçamba um rolo farpado de alusões e citações, confessas ou disfarçadas.
Pode ser verdade que o tio que nos fala nunca tenha guiado uma caminhonete, mas é quase certo que o poeta, sim. Porque a celebrada D-20 surge muito técnica e sensualmente descrita, do alto dos seus trinta anos, na página final. Sua biografia minuciosa, junto com a de Alberto Caeiro, revela conhecimento íntimo, atesta manipulação amorosa e constante de ambos.
Mas voltando à estrada de Sintra, aqui transmutada, ao que parece, na Washington Luís entre Araraquara e São José do Rio Preto: graças a um código QR, que remete ao Spotify, sabemos que esse hipotético tiozão vai ouvindo uma verdadeira salada musical que junta um pouco de tudo, em justaposições inesperadas: Roberto Carlos, Jota Quest, Sérgio Reis, Johnny Cash, Mötley Crüe, forrozão...
Assim como a trilha sonora, a salada de gêneros e tonalidades afetivas é a tônica do poema. E nisso reside sua arte e interesse, porque nos meandros desse negaceio brotam trevos e carrapichos de lirismo.
Enquanto lia me lembrei de um belo poema de William Carlos Williams, “The right of way”. José Paulo Paes o traduziu. Começa assim:
O DIREITO DE PASSAGEM
Transitando com a ideia posta
em nada deste mundo
a não ser o direito de passagem
eu desfruto a estrada por
efeito de lei —
Direto de passagem não é boa tradução. É uma via preferencial, na qual o poeta pode dirigir sem se preocupar em parar nos cruzamentos e assim ir contando o que vê à margem da estrada.
No poema de Pablo não há direito de passagem, e o momento de autoestrada é breve: aqui não há narrativa de escopo realista, mas uma série de montagens paródicas e irônicas.
Talvez por isso mesmo me tenha lembrado também de um texto de Freud que me causou muita impressão quando o li na juventude.
Se me lembro bem, Freud dizia que quando um eu se abre com outro, se aproxima muito, o movimento do outro é de fechamento, de erguer barreiras, de se afastar. Freud então se pergunta por que e como a exposição de algo muito íntimo num poema ou numa obra de arte nos atinge, passa as barreiras, nos causa empatia, pode nos comover profundamente.
Talvez eu não tenha resumido bem, mas a ideia era essa, a pergunta era essa. E a resposta dele foi que a arte nos distrai. A forma nos ocupa, nos atrai a atenção. E o conteúdo psíquico nos atinge. Mais ou menos como um truque, uma espécie de prestidigitação psíquica.
(Este é um resumo bem condizente com esta manhã preguiçosa e calorenta de sábado, que me impede de ir buscar o texto e de o reler.)
Pois bem, esse texto de Freud me ocorreu porque nesse passeio com a velha caminhonete acontece algo semelhante: nessa bricolagem irônica, em que o poeta joga em todas as posições, de goleiro a centroavante, algo passa – ao gosto do freguês, podia talvez dizer, mas seria uma leitura simplista – algo passa de lirismo. Um lirismo que pede passagem, tropeça nos imaginados engradados de cerveja na caçamba, habita o lema machista do para-choque, às vezes surge numa frase, outra numa só palavra encaixada para o efeito, até que fecha o livro num haicai:
Noite e eu só sempre só
escovo os dentes ouço
um grilo na calçada.
É verdade que o fecho do livro – como acontece com os fechos todos, dos romances e das vidas – redimensiona o que veio antes dele, percorre-o como uma fagulha, iluminando retrospectivamente a vida ou o romance, com uma luz nova que destaca cenas e palavras que tinham ficado embaçadas ou nas quais tínhamos atentado pouco.
Seja como for, a releitura fragmentária pareceu-me tão interessante quanto a leitura. O que, para mim, é um tipo de, como se dizia antigamente, prova dos nove.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025
A máquina escreve um poema - outras o analisam
Este poema foi escrito pelo Claude.ai, como glosa de um poema de Fernando Pessoa
O Tecer das Palavras
Quando teço as palavras
No silêncio da mente,
Não são meras lavras
Do que a alma sente.
São mais. São presentes.
Cada verso que nasce
Entre sonho e vigília,
É um mundo que pasce
Na doce família
Das coisas que cria.
A verdade do verso
Não está no vivido,
Mas no universo
Do não percebido,
Do quase esquecido.
Por isso quando escrevo
O que parece ser meu,
É um canto que devo
Ao que não sei se é teu
Ou se sou apenas eu.
Pedi a outras máquinas que o analisassem.
Aqui está a análise que DeepSeek fez:
===========
.
O poema *"O Tecer das Palavras"* explora a natureza
da criação poética e a relação entre o poeta, as palavras e o mundo interior e
exterior. A análise pode ser feita a partir de vários aspectos, como a
estrutura, os temas, as imagens e o significado simbólico.
### 1. **Estrutura e Forma**
O poema é composto por cinco estrofes de cinco versos cada,
com um esquema de rimas que segue o padrão **ABAAB**. Essa estrutura regular e
musical reforça a ideia de "tecer" as palavras, como se o poema fosse
uma tapeçaria cuidadosamente elaborada. A repetição do esquema de rimas cria um
ritmo harmonioso, refletindo o processo de criação poética como algo fluido e
orgânico.
### 2. **Temas Principais**
- **A criação poética**: O poema aborda o ato de escrever
como um processo de tecer palavras, transformando sentimentos e pensamentos em
algo tangível. A metáfora do "tecer" sugere um trabalho artesanal,
paciente e intencional.
- **A relação entre o vivido e o imaginado**: O poeta reflete
sobre a origem das palavras, questionando se elas vêm da experiência vivida ou
de um universo interior, quase inconsciente.
- **A dualidade entre o eu e o outro**: O poema explora a
ambiguidade da autoria, sugerindo que o que é criado pode pertencer tanto ao
poeta quanto a algo maior, talvez ao coletivo ou ao universo.
### 3. **Imagens e Símbolos**
- **"Tecer as palavras"**: A imagem de tecer sugere
um processo artesanal, em que as palavras são fios que se entrelaçam para
formar um todo coeso. Isso remete à ideia de que a poesia é uma construção
cuidadosa, mas também algo que surge naturalmente.
- **"Silêncio da mente"**: O silêncio representa o
espaço interior onde a criação acontece, longe do ruído externo. É no silêncio
que as palavras ganham vida.
- **"Entre sonho e vigília"**: Essa imagem evoca um
estado liminar, onde a realidade e a imaginação se misturam. É nesse espaço que
a poesia nasce, em um lugar entre o consciente e o inconsciente.
- **"Universo do não percebido"**: O poema sugere
que a verdadeira essência da poesia não está no que é óbvio ou vivido, mas no
que está além da percepção imediata, no que é sutil e quase esquecido.
### 4. **Significado Simbólico**
O poema pode ser interpretado como uma reflexão sobre a
natureza da arte e da criatividade. O ato de escrever é visto como um diálogo
entre o poeta e algo maior, seja o inconsciente, o coletivo ou o universo. A
autoria é questionada, sugerindo que o poeta é um canal para algo que
transcende o individual.
### 5. **Conclusão**
*"O Tecer das Palavras"* é um poema
metalinguístico, que fala sobre o próprio processo de criação poética. Ele
celebra a complexidade e a profundidade da arte, mostrando que a poesia não é
apenas uma expressão de sentimentos, mas uma ponte para o desconhecido, para o
que está além da percepção imediata. A linguagem é delicada e introspectiva,
convidando o leitor a refletir sobre o mistério da criação e a relação entre o
eu e o mundo.
=========
E agora a análise do mesmo poema feita pelo ChatGPT:
=========
Análise do Poema “O Tecer das Palavras”
1. Tema e Significado
O poema reflete sobre o ato da escrita, apresentando-a como
um processo de criação que vai além da simples expressão dos sentimentos do
poeta. A composição enfatiza a dimensão quase mágica das palavras, que
transcendem a experiência individual e pertencem a uma esfera mais ampla e
universal. A poesia, nesse sentido, é um dom (“são presentes”) e um espaço de
revelação do que é imperceptível ou esquecido.
Há também uma reflexão sobre a autoria e a origem da poesia.
No último verso, o eu lírico questiona se o que escreve lhe pertence de fato ou
se é algo compartilhado, algo que vem de um espaço coletivo, talvez até
inconsciente.
2. Estrutura e Forma
O poema é composto por cinco estrofes de cinco versos cada,
com versos curtos e um ritmo fluido, o que confere leveza à leitura. Há um jogo
sonoro sutil, sem uma rigidez métrica, mas com rimas ocasionais e encadeamentos
melódicos que tornam a leitura mais envolvente.
3. Linguagem e Estilo
A linguagem é simples, mas profundamente reflexiva. O uso de
metáforas reforça a ideia de que a poesia é um processo de construção e
tecelagem. A imagem de “tecer palavras” sugere um trabalho artesanal e
cuidadoso, indicando que cada verso é fruto de uma conexão entre a mente e a
intuição.
O poema também explora a oposição entre o vivido e o não
percebido, destacando que a verdade poética não se limita à experiência
concreta, mas reside no limiar entre o real e o imaginário.
4. Principais Figuras de Linguagem
• Metáfora: “Quando teço as palavras” (a escrita como um ato
de tecelagem, construção cuidadosa); “É um mundo que pasce” (a poesia como algo
que se alimenta e cresce).
• Antítese: “A verdade do verso / Não está no vivido, / Mas
no universo / Do não percebido” (oposição entre o real e o desconhecido).
• Personificação: “Cada verso que nasce” (a ideia de que os
versos têm vida própria).
5. Interpretação Final
O poema apresenta a poesia como um ato de revelação e
mistério, um espaço onde o conhecido e o desconhecido se encontram. A
identidade do poeta se dilui na escrita, levando-o a questionar se a poesia é
um reflexo de si mesmo ou algo que pertence a uma dimensão coletiva.
O questionamento final amplia o significado do texto,
sugerindo que a poesia não pertence apenas ao autor, mas também ao leitor, que
a interpreta e ressignifica. Assim, o poema ressalta a natureza universal da
arte poética e o seu poder de conectar indivíduos por meio da palavra.
sábado, 1 de fevereiro de 2025
Mais uma vez IA - e escrita e arte
A última
IA e crítica literária
Vi hoje uma entrevista de um famoso neurocirurgião, que dizia que a IA é balela, porque não é verdadeiramente nem inteligente nem artificial. Dizia ainda que ela é diferente do cérebro porque só trabalha com dados do passado. Fiquei me perguntando: ora, e nós?
Pessanha e a história de Portugal, segundo a DeepSeek
E aqui está o que a sensação do momento, a DeepSeek, escreveu sobre a relação entre a poesia de Camilo Pessanha e a história de Portugal;
Pessanha a a história de Portugal, segundo Claude.ai
Pedi a Claude.ai que escrevesse um texto sobre a relação entre a poesia de Camilo Pessanha e a história de Portugal. O resultado foi surpreendente, a não ser que a máquina tenha acesso ao que andei escrevendo, mas que está ainda por publicar...
Eis aqui:.
"Camilo Pessanha (1867-1926) é considerado um dos maiores poetas do simbolismo português, e sua obra reflete profundamente o momento histórico de Portugal no final do século XIX e início do XX. Sua poesia captou, de maneira única, o sentimento de decadência e melancolia que permeava a sociedade portuguesa daquele período.
O contexto histórico em que Pessanha produziu sua obra foi marcado por eventos significativos para Portugal: o Ultimato Inglês de 1890, que abalou profundamente o orgulho nacional português; a crise da monarquia; e as transformações sociais e políticas que culminariam na implantação da República em 1910.
A obra de Pessanha, especialmente sua "Clepsidra", publicada em 1920, reflete esse momento de transição e incerteza. Seus versos são permeados por temas como a fugacidade do tempo, a dissolução, e um profundo sentimento de perda - elementos que podem ser lidos como metáforas da própria situação portuguesa da época.
Sua experiência em Macau, onde viveu grande parte de sua vida adulta, também oferece uma perspectiva única sobre o império colonial português em seu período de declínio. O orientalismo presente em sua obra não é meramente decorativo, mas reflete a complexa relação de Portugal com suas colônias e sua identidade como nação imperial em declínio.
A musicalidade característica de seus versos, com suas repetições e variações, evoca uma sensação de circularidade que dialoga com a própria história portuguesa: os ciclos de grandeza e declínio, as tentativas de regeneração nacional, e a persistente nostalgia de um passado glorioso.
Sua poesia elabora, através de imagens como água corrente, espelhos quebrados e sons que se desvanecem, uma reflexão sobre a identidade portuguesa em um momento de profunda transformação histórica. O pessimismo e a melancolia de seus versos não são apenas expressões de angústias pessoais, mas ecoam o sentimento coletivo de uma nação que se via forçada a repensar seu lugar no mundo.
Em sua obra, a decadência não é apenas um tema literário, mas uma condição histórica que ele consegue transformar em matéria poética de excepcional qualidade. Sua poesia representa, assim, não apenas um momento da literatura portuguesa, mas um documento sensível das transformações históricas de seu tempo."
quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
Camilo Pessanha, atirador civil
Em breve será lançada em russo, pela editora Dilúvio Editora, uma edição que preparei da poesia de Camilo Pessanha. Logo mais, o mesmo livro será publicado apenas em português.
O que há nele de novidade, além de eu ter optado por dispor de modo original a sequência dos poemas, são dois textos em que enfatizo um aspecto pouco trabalhado (ou mesmo ignorado) pela crítica.
Em linhas gerais, tanto no esboço biográfico quanto no ensaio interpretativo, desmonto mais uma vez a persistente legenda de que o poeta foi um desinteressado da vida prática e política.
Pelo contrário, como é fácil ver pela sua biografia documentada, o poeta se envolveu ativamente na propaganda republicana em Macau. Foi amigo de Sun Yat-Sen, o revolucionário chinês que liderou a implantação da república no seu país. Por fim, disposto à ação concreta naqueles tempos tumultuosos, o suposto “abúlico” foi, em 1911, um dos fundadores (sua ficha de sócio é a de número 2) da Associação de Atiradores Civis de Macau, destinada a defender a soberania portuguesa no território.
Ao longo do seu tempo na China, o poeta dedicou-se a colecionar arte chinesa, construindo uma coleção notável, que doou ao Estado português, e a estudar seriamente a língua e a literatura chinesa. Segundo depoimento de um amigo certo, Carlos Amaro, Pessanha traduziu profusamente do chinês, num caderno que chegou a levar a Portugal, mas que infelizmente se perdeu após seu falecimento.
No que toca à poesia, o que fiz foi mostrar como não é possível continuar a ler a poesia de Camilo Pessanha somente na clave da desistência e da atitude nefelibata. Pelo contrário: no pequeno conjunto de poemas que nos restaram dele, mais de 10% são textos em que a nação e o indivíduo, o destino de uma e o destino do outro, são – por assim dizer – intercambiáveis. Como digo lá, basta ler com olhos livres para constatar que “sua poesia entrelaça indivíduo e nação, em relações que ora podem ser compreendidas como causalidade, ora como pura tradução simbólica, na qual os sentimentos individuais encontram um adequado arsenal metafórico de alcance coletivo.”