A cidade do Rio de Janeiro aprovou uma lei que me parece complicada (eu tinha escrito que me parecia supinamente idiota, mas em seguida decidi ser mais polido e menos radical: complicada, é melhor). O princípio pode parecer bom, pois afinado com os tempos. Leio a notícia: a lei “veda, no município do Rio de Janeiro, manter ou instalar monumentos, estátuas, placas e quaisquer homenagens que façam menções positivas e/ou elogiosas a escravocratas, eugenistas e pessoas que tenham perpetrado atos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos, ao respeito à liberdade religiosa e que tenham praticado atos de natureza racista.”
Ora, o que me parece absurdo é a concepção monolítica da pessoa. O Padre Vieira, ao que parece, é a primeira vítima. Porque, segundo os fiscais da correção, ele não seria homenageado por ser um dos maiores prosadores da língua. Qualquer estátua sua homenagearia apenas ou principalmente o defensor da escravidão dos negros. Por isso precisa ser banida, e junto com a estátua do Vieira escravocrata, vai para fora da vista pública, além do orador, o defensor dos índios contra a sanha dos colonos. O mesmo se aplicará, sem dúvida, a Alencar, que não foi o criador de uma obra-prima como “Iracema”, mas apenas mais um reles defensor da escravatura. Monteiro Lobato nem pensar: está já riscado do mapa e vai continuar apenas racista, sem perdão, a despeito do que tenha feito pela difusão do livro no Brasil. Seguindo essa linha, será preciso retirar desde logo as estátuas e placas que homenageiam Camões, aquele detestável islamofóbico, que escrevia coisas como “cão sarraceno” para qualificar uma parte significativa da humanidade e ainda instigava o rei português a matar quantos infiéis se colocassem no caminho da propagação da fé cristã. Nesse sentido, poderia incorrer também na intolerância religiosa, que será outra vassoura poderosa. Nisso, poucos excederão o Dante, que deveria ser escondido dos incautos por não suportar qualquer diversidade religiosa. De quebra, era ainda islamofóbico, homofóbico, vizinhofóbico, antisemita, monarquista etc. Os “valores democráticos” varrerão uma grande parte da Antiguidade, e um monte de tiranos, por certo, mas não deverão poupar Platão, Aristóteles (esse preceptor de tirano) e tantos outros. E que dizer de Júlio Cesar, que não foi o autor do livro sobre a guerra da Gália, e sim apenas um homem que atentou contra a república– ou seja, mutatis mutandis, os valores democráticos – e por isso já foi devidamente assassinado. Se a moda pega na Europa, eu acho que logo deveriam ser retirados da vista do público, entre milhares de monumentos, a coluna de Trajano e o Arco do Triunfo. Já o Coliseu poderia salvar-se, decretando-se que era um museu, com as devidas placas protetoras da moral e do civismo. Aliás, esse é o lugar adequado a monumentos banidos, segundo a lei carioca: o espaço museológico, no qual estejam devidamente enquadrados, com um aviso reluzente que, no fundo, diria algo como: “cuidado, racista!” ou “cuidado, ditador!”, “cuidado, fanático!”, “cuidado, fascista!”. E, em nome dos valores democráticos, sobre qualquer defensor da “ditadura do proletariado”: “cuidado, comunista!”