Na obra de Manuel Bandeira, a questão do metro em poesia tem um desenvolvimento interessante: no seu primeiro livro, a metrificação parece algo pacificado, no sentido de que ocorre natural e harmonicamente. Depois, há um momento no qual, parodiando um título, podemos falar em “metro dissoluto”. Então, mais do que dissolver o metro, Bandeira passou a buscar o “verso puro”- no sentido de Ureña. A propósito, é bem conhecida a passagem do “Itinerário de Pasárgada”, na qual ele expressa o ideal dessa fase ou busca: “Ora, no verso livre autêntico o metro deve estar de tal modo esquecido que o alexandrino mais ortodoxo funcione dentro dele sem virtude de verso medido.” Por fim, à medida que progredimos na leitura da sua obra completa, observamos o retorno do metro, da linha medida, sem drama – por assim dizer, outra vez pacificada –, que vai ombreando com os versos livres, até predominar.
Sei que essas questões interessam hoje a pouca gente. No geral, perdemos a noção do metro. Os otimistas podem dizer que, em troca, ganhamos na capacidade de perceber o ritmo. Os pessimistas, que o ritmo da elocução, perdida a memória do metro, pode predominar na leitura, mas não na escrita, onde a linha cortada sem metro nem ritmo é quase apenas um pequeno enigma, uma forma de criar hesitação.Voltei a me lembrar disso tudo porque um dos poetas cuja obra me interessa muito, depois de a construir sem metro, mas fazendo daquilo que Mallarmé denominou a “respiração perceptível no antigo sopro lírico” ou “direção pessoal entusiasta da frase” a base da sua poesia, de repente se lançou a produzir sonetos.
Conversamos ontem sobre isso. Sobre esse assunto abstruso, a metrificação. E sobre o que significa para nós o apagar-se do fantasma do verso medido, ainda tão forte no tempo de Mallarmé, depois do legado de Victor Hugo.
E foi então, no final da conversa, que, como um cumprimento ao poeta, enviei-lhe este soneto improvisado, feito com versos misturados naquilo de que falávamos: heroicos e provençais – e ainda misturado na forma, pois italiano um pouco na divisão lógica, e inglês outro tanto na distribuição das rimas.
Falando com Thomaz sobre o soneto,
Dizia-lhe que o verso bem medido
Não tem ritmo, mas só subentendido
O padrão da cantilena, o esqueleto
Que dá sustentação à carnadura
E que mal se adivinha, quando a dança
Ergue alto a carne, reforçando a aliança
Do corpo e do sentido, em forma pura.
Enfim, dizia, o metro não ouvido
Na leitura expressiva, ainda persiste
Na base, e bate ou vibra ali em despiste,
Fantasma ora aparente, ora escondido.
Se sem metro há poesia, e ainda verso,
Melhor é o ritmo com metro submerso.